Entrevistar alguém que te influenciou em algo é uma experiência sensacional. Kiko Loureiro foi um dos músicos que me motivaram a pegar uma guitarra para aprender de verdade, no início da década passada. Não fui um prodígio, como ele. Mas os riffs e solos feitos por ele e Rafael Bittencourt no Angra, de certa forma, me marcaram.
Tive a oportunidade de entrevistá-lo para o CORREIO de Uberlândia, no começo de junho deste ano, para falar do novo DVD dele, “The White Balance” (clique aqui para comprar). A matéria, que ficou na gaveta por quase dois meses por conta da demanda do jornal, pode ser conferida aqui. O papo, no entanto, rendeu muito mais do que o previsto – conversei com Kiko por cerca de 40 minutos e passeamos por diversos assuntos: novo DVD, participações especiais, carreira solo como um todo, um pouquinho sobre o Angra e até o curso de marketing na área musical que ele vai ministrar no final de agosto. Ao final – e é claro que essa parte não consta nesta publicação -, cheguei a confidenciar o meu fracasso enquanto guitarrista.
Abaixo, a transcrição do bate-papo com Kiko Loureiro.
IGOR MIRANDA: Acho muito interessante o fato de você ser um estudioso da música. Você conseguiu evoluir enquanto instrumentista a ponto de fazer discos solo ainda mais ricos do que os trabalhos com o Angra. Como é esse processo de continuar estudando música depois de tanto tempo e tamanha consagração?
KIKO LOUREIRO: “Não vejo muito dessa forma. Claro que você tem razão, mas quanto mais profissional você fica, menos você fica em casa, no quarto. Não dá para tocar em casa, com muito tempo disponível, porque você tem que viajar, justamente para tocar. A profissão deixa de envolver um pouco o ato de tocar, para envolver mais o ato de se conectar com as pessoas. Você gasta mais tempo no translado. Fiz uma turnê pela Ásia há alguns meses. Passei por Tailândia, Coreia, Filipinas, China, Taiwan e tocava só entre 1h30 e 2h do dia, que é o tempo da apresentação. O resto do tempo, eu passava dentro de hotel, da van ou no aeroporto. O grande lance é se conectar com as pessoas e conseguir superar esse desafio de chegar cansado e subir no palco para entregar o que as pessoas esperam. Esse DVD, “The White Balance”, é um grande exemplo disso. Para evoluir, tem que se colocar em situações difíceis. Você dá um jeito de sair do lugar comum e fazer a coisa acontecer. Estive com nove músicos no palco e toquei música brasileira, rock, músicas de virtuose, estilos diferentes… tudo na mesma noite. Fora as preocupações da gravação. Isso gera a evolução, essas “fogueiras” que nos colocamos”.
Você cita durante o DVD que, para você, é mais confortável tocar violão do que guitarra. O violão te demanda menos compromisso, enquanto a guitarra te intimida. Como funciona isso?
“Quando as pessoas veem um guitarrista, elas pensam: ‘nó, o cara é guitarrista, vamos ver se ele é bom’. Quando o guitarrista está no violão, não há isso. Não sou o Yamandú Costa ou o Paco de Lucia. Então, isso me dá mais tranquilidade nessa hora. Mas é legal se colocar em situações difíceis, porque aí você tem que estudar, é forçado a se preparar. Criei esse hábito desde moleque. Queria ser bom, ter a destreza do instrumento. Criei uma disciplina de estudo que virou hábito. Quando você internaliza o hábito, acaba levando isso a vida inteira. É como o de praticar esporte, ou de se alimentar de forma saudável. Por isso é possível me manter estudando”.
Achei curioso o fato de você ter duas bandas nesse disco, a de rock e a de música brasileira. Por que existiu necessidade de mudar toda a formação de um set ao outro?
“Tive essa ideia maluca com experiências da minha carreira solo. Caso eu toque em um lugar menor, tem que perguntar ao contratante se ele quer show e músicos mais brasileiros, ou mais para o rock. Depende da demanda. Então imaginei um show que tivesse ambos. Quando consegui o espaço no Teatro do Ibirapuera, que recebe muitos shows de música brasileira e nada de heavy metal, eu dei essa ideia, porque sempre quis fazer uma noite com esses dois lados. Mas os lados precisavam estar bem claros, com bandas diferentes, troca de guitarra, mudança de iluminação, até mesmo troquei de figurino. Mas nem pensei a confusão que seria para fazer isso, pela troca do equipamento, microfonação de bateria, piano de cauda no palco… mas foi legal. O Teatro proporcionou isso por ser grande. E inventar de filmar essa noite foi uma loucura. Agrega mais dificuldades. Surgiu uma dificuldade maior ainda: a gravação do DVD foi na semana das manifestações do passe de ônibus, próximas à Copa das Confederações de 2013. Precisava circular em São Paulo, para reunir e conversar sobre detalhes. Não posso reclamar porque foi algo legal pro brasil. Mas eu não podia nem ir para meu bairro porque a polícia estava dando ‘borracha’ nos manifestantes. Foi muito louco esse desafio”.
A participação do Rafael Bittencourt mostra que, apesar dos projetos solo servirem como válvula de escape, você fez questão de ter alguém importante na sua carreira como convidado no DVD. Como surgiu a ideia de chamar o Rafael?
“Foi muito legal. Pensei nas facetas musicais e me perguntei: ‘Como eu não iria citar o Angra ou o Rafael de alguma forma?’. A gente se conheceu aos 17 anos, antes do Angra. Ele me chamou pra tocar na banda e temos essa carreira de mais de 20 anos juntos. É um casamento. Tem alegria, tristeza, brigas, comemorações… tudo que você puder imaginar. E estamos juntos ainda. Queria que ele participasse de alguma forma. Então, decidi que faríamos algo que sempre fazemos, que é tocar violão, só nós dois, no quarto de hotel. Se fosse a banda toda, não seria a mesma coisa. Ele é uma influência musical para mim, pelo convívio. Trocamos muita informação. Ele compõe uma música e me ensina, então ensina as ideias musicais dele também. Conversamos sobre conceitos no geral. Cobramos um do outro sobre nosso trabalho. É uma relação bem complexa e íntima. Foi legal mostrar isso naquele momento”.
Queria saber em especial como foi contar com a participação de outros dois músicos em especial. O primeiro é o Virgil Donati. O segundo é o seu próprio irmão, o Zeca. Como surgiu o convite pra cada um e como foi trabalhar com eles?
“O Virgil gravou meu último disco solo, ‘Sounds of Innocence’ (2012). Moro na Califórnia hoje em dia e ele é meu vizinho. Ele tocou no disco a convite meu. Como músico ele é fantástico, esse sim estuda. Tem 54 anos e não para de estudar. Não é o primeiro batera gringo que toca comigo. O meu primeiro disco solo, ‘No Gravity’ (2005), tem o Mike Terrana. É preciso ensinar para eles o que é maracatu, samba, etc. e como tocar, apesar de ser rock. É legal poder ensinar um batera desse porte, pois assim ensino na ossa cultura e eles gostam. Já o Zeca, é uma pena que não dá para tocarmos juntos mais vezes. Foi legal poder chamá-lo, para ter um ‘momento família’. Tocamos juntos no Programa do Jô uma vez, mas não fazemos shows. Poderia até rolar algo tipo Kiko & Zeca, uma dupla sertaneja (risos). Ele toca com a Luiza Possi, tem a agenda dele, então fica complicado fazer isso mais vezes. Mas foi legal.”
Como é conciliar o Angra à carreira solo? E por que você nunca tinha feito algo solo até o “No Gravity”? Havia algum receio de comprometer o Angra?
“Conciliar é trabalho dobrado. O próprio disco ‘Universo Inverso’ (2006) foi feito da seguinte forma: eu ensaiava com o Angra à tarde e depois ia para o estúdio gravar o disco à noite. Enquanto tem cara que volta para casa e vê TV, vai para a cinema com a namorada, etc., eu trabalhava. Era algo meu. No caso do DVD, avisei para os caras do Angra para deixarem aquele momento quieto. Falei que faria o lançamento da minha guitarra Ibanez, signature, então avisei quatro meses antes e tiramos 15 dias. Mas às vezes posso perder um show, acontece. O Angra está sempre na frente. É a hierarquia. Para você ter ideia, o DVD ‘The White Balance’ foi gravado em junho do ano passado e só pôde ser lançado agora. Lancei antes no Japão, mas no resto do mundo só chega agora porque o Angra lançou DVD ano passado, gravado até depois do meu. Para não acumular, tive que dar um espaço. O que às vezes é difícil de conciliar, é que às vezes você lança um disco e quer fazer uma sequência, aí tem que dar um tempo. É pior para o produto. O bom seria já lançá-lo. Mas não estou sem trabalhar, então sem problema. Isso já aconteceu em outras situações. Fiquei com o ‘No Gravity’ (2005) lacrado com um monte de cópias na minha casa por seis meses, para evitar problemas com a banda, pois foi na época do ‘Temple Of Shadows’ (2004)”.
Agora sei que você está focado no Angra. Você já planejou quando vai retomar sua carreira solo?
“Não vejo dessa forma, ‘retomar à carreira solo’. A carreira solo não está de lado. Às vezes estou em casa, tocando, e faço músicas para gravar solo daqui um ou dois anos. Quando achamos que não estamos pensando, é aí que estamos mesmo. Existe conexão, é uma coisa só. Depois da turnê europeia com o Bruno (Valverde, novo baterista), no final de agosto vou dar um curso de marketing e business, o que não deixa de ser algo solo, e em setembro volta a ter show do Angra. Preciso achar sete datas na agenda deste ano ainda, para divulgar minha guitarra Ibanez signature. No Angra tem a mesma coisa. Tem que conciliar a vida de todos nós e dos contratantes. Existem períodos de shows que até seriam bom para o Angra, mas tem cinco bandas internacionais passando por aqui, então deixa de ser bom. Tem que pensar em várias coisas para cumprir agenda”.
O que está previsto para esse futuro próximo do Angra?
“Estamos compondo, trabalhando com o Fabio Lione mesmo. Ficaremos um tempo com ele. Faremos a pré-produção com um produtor sueco. Não temos data para terminar o disco, nem lançar, porque é muito corrido. Estamos com a turnê e muitas coisas para terminar de fazer. Mas esse é o foco: fazer algum trabalho autoral novo e seguir o meu projeto também, quando der. De repente, posso fazer um show desse DVD mesmo. O prazo para as gravações do novo disco do Angra é esse ano, nada de datas”.
E sobre o novo curso de marketing e business?
“O músico brasileiro tem carência de entender tudo que não seja relativo a escalas, acordes e notas. As pessoas falam muito disso na hora de transformar música em profissão, ficam perdidas. Pessoas que tocam bem, mas não sabem o que fazer, qual o caminho para se monetizar. A experiência do curso já deu certo. Coloquei só no Facebook e apareceram muitos e-mails de pessoas que querem fazer. Serão 16 horas de aula sobre temas como conciliar carreira com outros compromissos, informações sobre contratos, royalties, marketing, gravadoras, viagens pelo mundo, entre outros. Vejo que isso está em falta. Tem muitos bons músicos que ficam sem enxergar as possibilidades que existem. O cara atua só como professor, ou como músico de bar, sendo que existem outras possibilidades. O curso será oferecido no final de agosto”.
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