A maturidade do trio Space Truck me impressionou desde que os vi ao vivo, no Festival Timbre, no ano passado, em Uberlândia (MG). Conhecia a banda pela música “Back To Gyn”, mas ao vivo é, sempre, outra conversa. Mesmo com uma regulagem de som que pouco favoreceram a performance – eles abriram o evento -, mandaram muito bem e preencheram o ambiente sonoro, mesmo com apenas três jovens goianos no palco.
A banda venceu um festival organizado pela Monstro Discos e entrou para o casting do selo, o que possibilitou o trabalho no disco de estreia, intitulado “How The World Ends” e lançado no fim de 2014. O álbum mostra algo raro no rock nacional cantado em inglês: originalidade. Ao longo das onze faixas, uma série de referências anteriores se misturam. Há um pouco do hard clássico do Deep Purple e do Grand Funk Railroad, uma pitada de Rush em certos momentos, uma inserção grandiosa aos moldes do Led Zeppelin e a leve influência do country e southern rock.
O rock costuma ser a opção de muitos aspirantes a músicos pela facilidade com a qual se prepara uma canção do gênero. Mas o Space Truck transcende o básico e se preocupa com algo que muitos grupos do estilo deixam passar batido: o refrão. Praticamente todas as faixas de “How The World Ends” são cantaroláveis e grudam na cabeça. Não se trata de um amontoado de riffs, mas sim de uma obra completa. Os caras mandam bem até nas letras, mais reflexivas, que saem do óbvio e falam da vida na estrada até de questionamentos sobre fé.
“Knife Edge” abre o disco com pegada, swing e ganchos melódicos. O instrumental é bem técnico. O único ponto inicialmente negativo é o sotaque forte demais de Rogério Sobreira, que às vezes cansa a audição – nada que comprometa, no entanto. “Back To Gyn”, já conhecida do público, tem o formato de um hard clássico da década de 1970, especialmente pela guitarra de Rodrigo Sobreira. Acima da média, a faixa faz menção à cidade natal dos caras: Goiânia, a terra do rock alternativo no século XXI.
“On The Road” segue a perspectiva setentista da anterior, mas com mais cadência e melodia. A construção e a performance dos vocais de Rogério se sobressaem. “Nothing Can You Say” tem um refrão grudento e poderoso aliado a passagens repletas de groove e acidez nos demais momentos. Incrível mistura. “Shadow Of Myself” tem uma tonalidade épica intrigante e um balanço interessante, mas não surpreende tanto quanto as outras faixas.
A banda abre o leque e o ritmo cai um pouco a partir de “Flesh And Bones”. A faixa em questão tem uma pegada country/southern rock bem sacada, apesar da paulada no riff inicial. Métricas são relativas, mas acho que o suposto refrão abafado não caiu bem. Único ponto negativo por aqui. O estilo se mantém na boa balada “Rainbrush”, semi-balada que também faz referências instrumentais ao Led Zeppelin. Ótimo poder de interpretação vocal de Rogério e solo arrepiante de Rodrigo. O piano guia parte da grudenta “Girl From The Countryside”, que, assim como as duas anteriores, trabalha com pitadas de country, southern e Zeppelin, além de ganchos melódicos poderosos.
A vinheta que dá título ao álbum, com apenas piano e voz, serve de introdução para a climática “About Faith”, guiada por guitarras praticamente limpas e cozinha muito bem construída. Ótima balada. O encerramento fica por conta da retrô e volátil “The Ballad Of The Ill Fortune”, que tem mudanças melódicas e rítmicas que parecem se enquadrar em alguma história, narrada pela letra. O trabalho vocal merece destaque – não somente pela principal, mas também pelas vozes de apoio. Apesar disso, me pareceu um encerramento morno.
Sem entusiasmos exagerados, “How The World Ends” é um dos melhores discos de estreia que ouvi de uma banda brasileira que canta em inglês até hoje. Trata-se de um trabalho poderoso, conciso e focado na construção de músicas, não de apanhados de riffs e instrumentais desconexos ou batidos. Vale a pena dar o play.
01. Knife Edge 02. Back To Gyn 03. On The Road 04. Nothing Can You Say 05. Shadow Of Myself 06. Flesh And Bones 07. Rainbrush 08. Girl From Countryside 09. How The World Ends 10. About Faith 11. The Ballad Of The Ill Fortuned Rogue
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.
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