Em uma banda, toda substituição de um ídolo gera controvérsia. Quando se trata de um vocalista, a história fica ainda mais complicada, porque vozes costumam ser mais peculiares do que timbres ou pegadas de instrumentos.
O caso de Tim “Ripper” Owens é um dos mais típicos de substituições dentro do heavy metal. Ele, que cantava em uma banda cover de Judas Priest, foi convidado para a original após a saída de Rob Halford. Owens teve a difícil missão de cantar no lugar de um ídolo, mas um fator adicional, pouco mencionado por quem analisa o período, merece ser ressaltado.
Ao lado da banda, Tim “Ripper” Owens foi responsável por dar continuidade a um trabalho de renovação que o Judas Priest já vinha fazendo desde “Painkiller”. Àquela altura do campeonato, o som do Priest precisava se renovar, pois, sob meu ponto de vista, a banda lançou os melhores (“British Steel”/”Screaming For Vengeance”) e os piores (“Turbo”/”Ram It Down”) discos da carreira na década de 1980. Comercialmente, as vendas sempre estiveram dentro do padrão, mas musicalmente, foi do luxo ao lixo.
O padrão heavy metal cru e de poucas firulas que o Judas Priest seguiu nos primeiros anos da década de 1980 se transformou em uma aposta fraca a um hard rock com exageros estéticos. “Painkiller” deu fim a isso e mostrou um novo Priest, que se desenvolveu em “Jugulator” e “Demolition” – aproximação a gêneros mais pesados do metal, especialmente do thrash. O som do Priest nunca esteve tão pesado quanto nos discos com Ripper. E me arrisco a dizer que talvez isso não fosse possível com Rob Halford.
Vale, ainda, uma comparação entre os dois álbuns de estúdio da fase Ripper. Em um embate, para mim, daria “Jugulator”. Para mim, trata-se de um dos discos mais pesados do heavy metal, considerando que “peso” não é só distorção cheia de ganho, mas escolha cuidadosa de timbres, passagens aceleradas na medida certa, gritos bem colocados, solidez na cozinha e até preparo de letras que se encaixem à temática. “Demolition”, apesar de utilizar os graves de forma mais precisa, fica para trás na proposta de renovação, por ser um disco menos dinâmico. Ainda assim, são dois grandes trabalhos – como a maioria da discografia do Judas Priest.
Rob Halford não explorou tanto essa vertente em sua carreira solo e “Painkiller”, por mais que seja pesado, é mais orientado à velocidade não segue o padrão de densidade da dupla “Jugulator” e “Demolition”, até mesmo pelas afinações e timbragens mais graves nestes. Vale destacar que, além do peso, a fase Ripper tem uma grande musicalidade e, por mais que Tim “Ripper” Owens tenha a voz semelhante à de Halford, algumas diferenças são notáveis – especialmente nos extremos, seja nos momentos mais graves, onde há mais drive, ou nos mais agudos, em que o agudo atinge uma forma distinta.
A fase Ripper do Judas Priest é uma pepita ainda a ser descoberta por muitos fãs mais extremistas de heavy metal, que ignoram formações alternativas e se prendem a clássicos. A aceitação tem crescido com o tempo.
A imagem de Tim “Ripper” Owens de metaleiro nerdão, que não se porta tão bem em um palco nem domina com tanta propriedade uma plateia, colabora para que Rob Halford seja visto ainda mais como deus. Em função disso, foi bom enquanto durou e o retorno de Rob fez bem à marca Priest. No entanto, instituições à parte, os atuais vídeos da banda gravados ao vivo mostram que, caso Rob pule fora, a volta de Owens, que é mais jovem e conservou muito bem o gogó, não seria nada mal. A competência já foi provada – inclusive nos registros ao vivo, até nas canções mais antigas.