O heavy metal é racista, machista, xenofóbico, homofóbico e intolerante com religião

O recente caso envolvendo Phil Anselmo reflete muito sobre a questão do racismo no rock/metal. Não apenas por ele ter feito um gesto que remete à ramificação skinhead white power (chamada de “bonehead” – “cabeça-dura” – por skinheads não-nazistas). Mas pela reação de uma quantidade considerável de fãs que o apoiaram e voltaram a debater questões como “coitadismo” por parte dos negros e afins. É assustador que existam tantos apoiadores de uma atitude tão irracional em pleno 2016.
Aproveito o destaque que esse assunto deu ao cenário metálico para destacar que o heavy metal não é apenas racista. Também é machista, intolerante com a religião, xenofóbico e homofóbico. Curiosamente, não é essa a mensagem que grande parte dos artistas do gênero passa – a não ser o machismo, com músicas que têm letras tratando a mulher como objeto. Ainda assim, esse conjunto de comportamentos se desenrola de forma curiosa dentro do meio.  Talvez, por estarem presentes na sociedade em geral. Mas eles se fortificam dentro da “comunidade metal”.
Muito se falou sobre o ato racista de Phil Anselmo (Robb Flynn, Sebastian Bach, revista Metal Hammer, site Metal Sucks e por aí vai), mas nunca será suficiente condenar esse tipo de ação. Não é a primeira vez que Phil Anselmo tem esse tipo de atitude. De um discurso contestável em 1995 a várias ocorrências recentes em outros shows, Anselmo se mostrou adepto a ideologias racistas, de “supremacia branca” e que, em algum momento, reprimiram negros. É deprimente ver um artista do calibre de Phil, que foi vocalista de uma das bandas que seguraram o metal no mainstream nos anos 1990, portando-se desta forma. O seu poder de influência é muito grande e a disseminação desses ideais, infelizmente, flui de forma natural.

O vocalista chegou a se desculpar, em vídeo publicado online. Não sou ninguém para dizer se Phil Anselmo deve ou não ser perdoado, até porque imagino que, com toda a polêmica, algumas ideologias podem acabar mudando. No entanto, a desculpa de que estava emocionado enquanto relembrava do assassinato de Dimebag Darrell é bizarra e totalmente fora de contexto. Só mostra que ele realmente compactua com tais ideias.

Como disse anteriormente, é pior ainda ver a reação de fãs que o apoiam, seja por concordarem com a ideologia ou simplesmente por admirarem o cantor no âmbito artístico. Um reflexo disso está no site Whiplash, o maior do gênero e com trabalho colaborativo. Até a tarde de sexta-feira (29), apenas duas notas sobre o assunto haviam sido divulgadas – uma com o factual, reportando que Phil Anselmo havia feito o gesto, e outra com a declaração de Robb Flynn. Nada mais. Não é, necessariamente, culpa dos editores do site. Trata-se, muito mais, do retrato de seus leitores, que também são colaboradores.
Chega a ser depressivo pensar que o heavy metal surgiu do rock, um estilo construído por negros. Sem afrodescendentes, o metal, indiretamente, não existiria da forma que conhecemos. Mas os problemas não acabam no racismo.
Machismo

O machismo também se faz presente no metal. Nas letras que colocam a mulher em uma posição limitada, na segregação que existe dentro da “comunidade” (seja a mulher uma musicista ou apenas uma fã), na falta de integrantes do sexo feminino em bandas de diversos subgêneros, na “obrigatória” exploração da sensualidade e até em casos de assédio sexual, como aquele sofrido por Tarja Turnen no México. Existe. É necessário apontar e confrontar para, depois, melhorar.
E não sou apenas eu, por meio de vivência e tópicos, que aponto a existência disso. Elize Ryd, vocalista do Amaranthe, disse, em entrevista concedida em 2014: “leio comentários muito desrespeitosos voltados a mim porque sou uma mulher, não porque sou uma artista como os outros rapazes (da banda), então tem uma diferença. Você não deve levar para o lado pessoal, mas é realmente difícil”. Em passagem pelo Brasil, no ano passado, Tarja Turunen ergueu uma bandeira que pedia o fim do machismo no metal.
Camilla Raven, do Ravenland, afirmou, em 2008: “É certo que há bem mais mulheres envolvidas com o Metal nos dias de hoje, e esse número continuará a crescer, mas acho que as mulheres deveriam ser encaradas de outra forma e não apenas como ‘rostinhos bonitos no Metal’”.
(Leitura recomendada: Mulher feia no rock é raridade)
Intolerância religiosa

A intolerância religiosa no metal é justificada, muitas vezes, pelo preconceito que fãs do estilo sofreram, especialmente quando o mesmo se popularizou, entre os anos 1970 e 1980. Há resquícios disso na sociedade atual, mas já não é mais frequente associar “metal” ao “demônio”.
Ser intolerante nesse sentido pode ser interpretado, inicialmente, como uma forma de autodefesa. O problema é que acontece dentro do próprio estilo. Inúmeros fãs e integrantes de bandas segregam “semelhantes” que são cristãos ou trazem mensagem favorável a essa ideologia em suas composições. A desavença entre black metal versus white metal parece eterna, mas é mais frequente entre os mais experientes (quanto mais velho, mais cabeça-dura).
Durante grande parte do documentário “O mal que nos faz” (assista abaixo), produzido por Carlos Clinger, diversos nomes do underground – e alguns mais conhecidos, como Jairo Guedez (ex-Sepultura) – falam sobre a religião no metal. A reação intolerante é assustadora.

Xenofobia
Em proporções menores a meu ver, a xenofobia também atinge o metal, seja aqui ou fora. Quem não se lembra da infeliz mensagem online de China Lee (Salário Mínimo), afirmando que o Brasil deveria ser dividido após a reeleição de Dilma Rousseff para a presidência?
Há dificuldade de aceitar bandas que cantem em idiomas que não sejam o inglês. Existe xenofobia com o próprio nativo. É necessário “ir para a gringa” para mostrar que é bom, mesmo considerando que estamos em um país de proporções continentais e que, em tamanho e população, a Europa Ocidental não dá um Sudeste brasileiro.
Homofobia

Um dos pontos mais delicados ficou por último. Isso porque o argumento pronto de que “aceitamos Rob Halford” persiste. No entanto, em primeiro lugar, é obrigação ele ser aceito. Segundo, Halford até foi aceito – muito por sua história consolidada no gênero desde a década de 1970 –, mas Gaahl (Gorgoroth) e Otep Shamaya (Otep), que se assumiram, respectivamente, gay e lésbica na década passada, foram segregados e sofreram até ameaças.
Experiente, Rob Halford revelou que era homossexual somente em 1998, com quase 25 anos de carreira. Sabia que, se fizesse isso antes em um estilo como o metal, seria execrado como Gaahl e Otep Shamaya foram. Ainda assim, não é incomum ver comentários pouco educados sobre sua sexualidade dentro da “comunidade metal”.
Há, ainda, os fãs que utilizam da denominação “gay” (para não mencionar as mais ofensivas) para descrever bandas que não gostam, especialmente aquelas de sonoridade menos pesada. Além de ser um uso pejorativo do termo, é uma atribuição desnecessária a estilos diferentes dos tradicionais no metal, o que representa, também, um fechamento ao que é novo ou diferente – mas isso é conversa para outra hora.
Afastamento como resultado

Consegui constatar, progressivamente, esses elementos na “comunidade metal” desde que tentei me inserir, mais de dez anos atrás. Todo fã do estilo tenta se inserir com seus “semelhantes” ao passo que começa a descobrir que realmente gosta daquele tipo de música. O problema é que fui me percebendo muito diferente desses “servos do metal”. Até porque curto a música há mais de uma década, mas não me insiro em seus dogmas.
Não é um fenômeno individual. Muita gente relata ter se afastado da “comunidade metal” e deixado de ir a shows menores em função do pessoal que se simpatiza com as ideologias descritas ao longo deste texto. A falta de conexão nesse cenário, causada por seus eternos dogmas que envolvem tantos preconceitos, impossibilita qualquer crescimento do estilo no Brasil.
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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