Admiro o trabalho de Ace Frehley há pelo menos uma década e, por mais que seja considerado por muitos um músico simplório, continuo descobrindo detalhes em suas músicas e em seu estilo de tocar. Há uma dicotomia interessante nessa relação: o Spaceman faz clichês ficarem imprevisíveis.
Certa vez, em uma conversa informal, um amigo cravou que Ace Frehley era “Keith Richards sem a grife”. Com o passar do tempo, entendi o porquê. Aliás, há vários motivos que tornam essa premissa verdadeira.
Em primeiro lugar, estão os óbvios vícios. Por décadas, Ace Frehley e Keith Richards foram bombas tóxicas. Não só bebiam, como usavam todos os tipos de drogas. O destino foi um pouco mais ingrato com Frehley, que sofreu um acidente sério de carro no ano de 1983 enquanto dirigia alcoolizado e cuja percepção ficou afetada com os abusos.
Ainda assim, as trajetórias são semelhantes. Eles, inclusive, chegaram a se encontrar em determinado momento de suas vidas. Em entrevista ao Slusphile, o editor Jeremie Ruby-Strauss, que trabalhou na biografia de Ace Frehley, “No Regrets”, relembrou a história. “Em nosso primeiro encontro ele [Ace Frehley] contou sobre quando quis conhecer Keith Richards. Nenhum dos dois conseguia ficar de pé. Então, alguns assistentes os ajudaram, para que pudessem se cumprimentar. Apertaram as mãos antes que um desabasse para cada lado”, disse.
Nesse quesito – e é isso que dá a grife a Keith Richards –, a recepção é o diferencial. Os vícios de Richards são romantizados, pois o músico dos Rolling Stones é taxado de imortal. Já os de Ace Frehley são demonizados, já que, por inúmeras vezes, Paul Stanley e Gene Simmons creditaram as desavenças que o levaram para fora do KISS aos problemas do guitarrista com tóxicos. Os próprios fãs condenam o Spaceman – pode não parecer, mas a base de fãs do KISS é bastante conservadora.
Em termos musicais, nem se fala. Ace Frehley foi claramente influenciado por Keith Richards. Os dois também têm referências em comum: foram formados pela “escola Chuck Berry” de guitarristas de rock n’ roll, com uso de escalas pentatônicas, palhetadas aparentemente desordenadas e muita intuição no estilo de tocar.
Por outro lado, enquanto Keith Richards é, ao lado de Mick Jagger, uma das lideranças dos Rolling Stones, Ace Frehley era como a terceira (ou até quarta) força do KISS. Inicialmente, pouco participava do processo de criação, sempre capitaneado por Paul Stanley e Gene Simmons – e com Peter Criss querendo entrar nesse meio. Conquistou espaço com boas músicas e ganhou confiança até mesmo para cantar. Quando começava a ter mais participação nos discos, como teve em “Dynasty” e “Unmasked”, também teve início a sua derrocada causada pelos abusos.
Ace Frehley é Keith Richards sem a grife e isso só pode ser um elogio. Frehley fez história com o KISS – algo que, provavelmente, em alguma banda com músicos mais desleixados e indisciplinados, não conseguiria. Errático, o Spaceman sempre se segurou com seu talento. Faz até um disco de covers (“Origins Vol. 1”) soar diferenciado. Richards é um pouco mais disciplinado e criativo, mas ainda tem inúmeras semelhanças com o colega americano.