Às vezes, nos prendemos a polêmicas e fatos pouco relevantes para falar de determinados artistas. David Coverdale, vocalista do Whitesnake, é um desses nomes que sofrem com preconceitos ou comentários bobos a seu respeito.
Há quem diga que ele não tenha o melhor vocalista do Deep Purple nem mesmo enquanto esteve na banda – ele era co-vocalista, ao lado do genial baixista Glenn Hughes. Alguns fazem piada com o fato de suas letras tanto repetirem a palavra “love” (“amor”, em português). E há quem destaque o fato de que a formação do Whitesnake, banda que formou após sair do Purple, ter sofrido tantas mudanças.
Muitos se esquecem, porém, que David Coverdale teve méritos grandiosos ao longo de sua carreira. Especialmente quando se trata do Whitesnake, que é, praticamente, seu projeto solo.
David Coverdale: surgido do nada
Nascido em 22 de setembro de 1951, no balneário de Saltburn-by-the-Sea, Inglaterra, David Coverdale meio que surgiu do nada. Sempre gostou de cantar, mas não tinha nenhum conhecido ou familiar para dar um empurrão até a indústria musical.
Até que, em 1973, viu um anúncio no jornal Melody Maker que dizia que o Deep Purple procurava um substituto para Ian Gillan. Inicialmente, a banda queria manter Glenn Hughes como vocalista e baixista, mas foram convencidos de que precisavam de um frontman, alguém que intermediasse a interação banda-público.
Demorou para que David Coverdalde desenvolvesse tanto sua voz quanto sua persona. Arrisco-me a dizer que ele não conseguiu explorar todo o seu potencial no Deep Purple, seja como cantor ou como “entertainer” – apesar de seus álbuns com a banda serem excelentes e “Burn” (1974) permanecer como o meu favorito da discografia.
Foi somente no Whitesnake que David Coverdale mostrou-se disposto a trabalhar em seu diferencial. Voz, carisma e habilidade para composição foram trabalhadas ao longo de muitos anos.
E demorou para que o Whitesnake despontasse de vez. Os discos lançados até “Slide It In” (1984) fizeram sucesso somente na Inglaterra e em alguns países europeus isolados, como Noruega e Suécia. Ótimos trabalhos, diga-se de passagem, mas que ainda não mostravam Coverdale em seu auge.
David Coverdale só começou a apresentar o melhor de si a partir de “Slide It In” (1984). Também foi neste momento que o Whitesnake começou a fazer sucesso a nível mundial, já que chegaram aos Estados Unidos, principal mercado musical que existe.
Perseverança com o Whitesnake
A perseverança de David Coverdale é algo a se destacar. Foram quase oito anos, desde que saiu do Deep Purple, até que conseguisse obter sucesso semelhante ao que conquistou com sua antiga banda. E foi o que fez com que, hoje em dia, seu período no Purple não fosse enxergado como um mero “momento alternativo”. O êxito futuro de Coverdale transformou até a imagem de seus trabalhos passados.
Isso também passa pelo senso artístico que David Coverdale teve ao se reinventar. Os demais discos lançados pelo Whitesnake na década de 80 – “1987” (1987) e “Slip Of The Tongue” (1989) – entregam um produto ousado, próximo ao hair metal praticado naquele período. Coverdale soube como e quando mexer no time.
Vale destacar que “1987”, maior êxito comercial da carreira do Whitesnake, tinha todos os ingredientes para fracassar. Mudanças na formação, conflito de gênios entre Coverdale e John Sykes (o guitarrista saiu demitido desta e sequer concluiu as gravações), problemas de saúde (o vocalista sofreu uma crise de sinusite e precisou ficar seis meses afastado), troca de produtor em cima da hora, entre outras situações.
Ainda assim, o álbum soa como uma produção legítima, feita por uma banda de rock, sem irregularidades.
Outras iniciativas
O Whitesnake praticamente não existiu durante a década de 1990 – muito em função de um David Coverdale cansado, que não estava tão disposto a tocar o projeto como o fez nos anos passados.
Não quer dizer que tenha ficado parado. Ao lado do guitarrista Jimmy Page, lançou, em 1993, o único disco da união Coverdale/Page. O Whitesnake voltou no ano seguite, impulsionado pelo sucesso da compilação “Greatest Hits” (1994). Logo entrou em um hiato. A banda retornou novamente em 1997, com direito a passagem pelo Brasil, mas acabou no mesmo ano.
A partir de 2002, David Coverdale desencanou: voltou com o Whitesnake de vez, com uma nova formação – somente Tommy Aldridge havia tocado com o músico em outros momentos. E, enfim, passou a desfrutar um pouco de suas conquistas, ainda frescas na memória de quem acompanhou o rock na década de 1980. Desde então, Coverdale e seus asseclas não pararam mais.
É válido reforçar que o Whitesnake não tem vivido do passado. Os dois discos de inéditas lançados após o retorno da banda são excelentes: tanto “Good To Be Bad” (2008) quanto “Forevermore” (2011). Ok, o tributo ao Deep Purple – “The Purple Album” (2015) – foi um pouco decepcionante, mas vale pela tentativa.
A trajetória de David Coverdale merece aplausos justamente por não ter sido perfeita. Teve altos e baixos, hiatos e momentos superprodutivos, escolhas assertivas e períodos não tão bons assim. Coverdale surgiu do nada e seu desenvolvimento pode ser acompanhado ao longo das últimas quatro décadas.