A entrevista que fez David Donato ser demitido do Black Sabbath

O Black Sabbath estava, novamente, em frangalhos no ano de 1984. Em uma só tacada, a banda havia perdido o vocalista Ian Gillan, que alegara problemas vocais mas logo se reuniu ao Deep Purple, e o baterista Bev Bevan, que participou do retorno do ELO.

O guitarrista Tony Iommi e o baixista Geezer Butler logo convidaram Bill Ward para voltar ao banco da bateria. Contudo, faltava uma importante figura: a do vocalista.

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Desde a saída de Ozzy Osbourne, o Black Sabbath apostou em duas figuras consagradas. Ronnie James Dio tornou-se conhecido no Rainbow, enquanto o já mencionado Ian Gillan foi um dos grandes cantores da década de 1970. Musicalmente, ambos se deram bem no grupo – especialmente Dio, que fez história com o Sabbath -, mas, a longo prazo, não funcionou.

Apesar da imprensa especializada cravar nomes como David Coverdale e Robert Plant para o posto na época, a aposta foi em um completo desconhecido: David Donato. Antes disso, o também pouco notável Ron Keel fez um teste para a vaga, mas não agradou.

Com a escolha de Donato, armou-se o circo para o “novo Sabbath”. O consagrado produtor Bob Ezrin, nome por trás de trabalhos de Alice Cooper, Kiss e Pink Floyd, foi contratado para trabalhar nos ensaios e nas novas composições, que viriam a integrar um disco de inéditas.

Enquanto isso, a banda começou a trabalhar na divulgação da nova line-up. Uma sessão de fotos foi feita e uma entrevista foi concedida à revista Kerrang!, referência no assunto.

Logo depois, David Donato foi demitido. A versão oficial aponta que os músicos não haviam gostado do resultado das sessões com Bob Ezrin. Por fora, diz-se que a entrevista que David Donato concedeu à Kerrang! não agradou à banda. Os integrantes teriam considerado como “horríveis” as declarações do cantor.

Desiludidos, os músicos do Black Sabbath optaram por encerrar suas atividades naquele período. O material das sessões foi todo descartado, com exceção de “No Way Out”, que vazou e hoje pode ser conferida no YouTube. A faixa viria a ser “The Shining”, lançada no álbum “The Eternal Idol”, em 1987.

Cada integrante cuidou de seu respectivo projeto solo. O de Tony Iommi, curiosamente, se transformou no disco “Seventh Star” (1986), lançado com o nome do Sabbath.

David Donato, por sua vez, entrou para o White Tiger, banda montada por Mark St. John após ter sido dispensado do Kiss. O projeto durou apenas um disco, se desmanchou e Donato caiu no esquecimento.

Abaixo, segue a entrevista traduzida de David Donato à Kerrang!, em 1984. Em outras palavras: a entrevista que teria custado o emprego do vocalista.

“Never say die” – por Laura Canyon (pseudônimo da jornalista Sylvie Simmons)

“Tenho tentado chegar a algum lugar por 15 anos e venho cantando muito antes disso – tenho colocado minhas aplicações nisto, por todo este tempo, e agora que tenho este emprego, tenho que provar que merecia a chance.”

Ao contrário de seus antecessores, David Donato à banda como um desconhecido.

“Minha opinião é que queriam outro membro para a banda, queriam de novo o sentimento de, ‘ei, vamos ser uma banda’, não uma unidade com um vocalista que fica como, ‘aqui estou eu, lá está a banda’. E foi isto que sempre quis, senão teria lançado uma carreira solo há um bom tempo. Gosto do sentimento de ‘gangue’, ‘aqui estão os caras’. E eles foram ótimos em me fazer sentir desta forma. Deve ficar ainda melhor.”

Dentro e fora de várias bandas, ao longo dos anos, que nunca fizeram sucesos fora de pequenos clubes, David fez seu nome como modelo masculino. “Pelo dinheiro – fiz isto para continuar cantando.” Ele trabalhou para a Playboy e para o programa de TV da Dinah Shore (“tinha o cabelo curto e tudo o mais”), até receber uma ligação da Armageddon, uma banda cujo frontman era Keith Relf, dos Yardbirds. Ele trabalhou com a banda por volta de um mês. “Estavam procurando por um vocalista porque Keith Relf teve uma forte asma e não conseguia seguir por uma música sem sair do palco.”

“Então eu fui até eles, mas nunca me pediram para entrar, só ensaiamos por um mês. Então, Keith Relf se eletrocutou, todos voltaram para a Inglaterra e foi a última coisa que ouvi deles – nunca fizeram mais nada, nem lançaram um disco. O material era datado, mas era meu estilo, um verdadeiro, pesado e velho metal inglês.”

“Então voltei para os trabalhos como modelo, ganhar dinheiro assim e fazer um projeto original, com meu material, e contratar as pessoas, ter o controle. Mas quanto mais você ganha, mais você gasta – então, estive em Palm Springs mais vezes do que pensava. Eventualmente, me enchi de ser modelo. Então voltei e fiz a coisa dos clubes, voltei com a minha voz.”

Após flertar com bandas como Virgin, Hero e Headshaker, David finalmente chegou a um projeto com Glenn Hughes e Mark Norton (Mark St. John), com o nome Dali. O projeto era financiado por um homem rico, dono de várias pinturas caras. Eram composições de David e ele cantou sobre elas.

“Se eu tivesse mantido aquilo junto de Mark, teria sido um supergrupo também.”

Mas tudo deu certo. A fita com as demos do Dali fez com que David entrasse para o Sabs e deu o emprego de Mark Norton ao Kiss. “E Glenn está fazendo um disco solo e o baterista daquela demo vai trabalhar com ele, então foi bom para todos.”

Mas estaria ele no mesmo estilo do restante do Sabbath, musicalmente?

“Sim, completamente. Lembro de dizer a Don (Arden, empresário do Sabbath) que se eu tivesse que pensar em qual das três melhores bandas de todos os tempos eu gostaria de substituir o vocalista, Sabbath provavelmente seria a número um.”

Números dois e três foram Zeppelin e Deep Purple. O rapaz mira alto. Mas sobre o mesmo estilo pessoal, o que dizer de David ser um americano e todos os outros americanos que estiveram na banda, a deixaram embaixo de uma nuvem?

“Nada parece ser um problema ainda. Todos têm sido solidários e há vários apertos de mãos e tapinhas nas costas. A liberdade parece estar ali. Não prevejo problemas e não aconteceu nada até agora.”

Ele vai começar a contribuir com suas músicas se aparecer com as coisas certas, ele diz. E quanto ao material antigo, “eles disseram, ‘temos todos aqueles discos se você precisar’ – mas eu já os tenho. Sei todas as músicas. Não tenho que me esforçar tanto em aprender as minhas músicas favoritas! Fui baterista por vários anos (em uma banda cover), então tocávamos muitas coisas do Black Sabbath quando ‘Paranoid’ era popular.”

Não parece um pouco estranho, ele diz, cantar em uma banda que ele tanto admirava. “Tudo parece estar indo muito bem. Sempre tive uma imagem sobre qual cantor o Sabbath deveria ter – e era eu!”

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

1 COMENTÁRIO

  1. Essa entrevista do vocalista americano, soou presunçosa, e portanto, deve ter sido vista naquele momento, como ‘uma afronta’ pelos membros ingleses Tony, Butler, e Bill. Você é contratado para ser vocalista da histórica banda Black Sabbath, tem de respeitar o trabalho de cada membro anterior, Ozzy, Dio, etc que deram sua parte na construção de sua história.

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