Jake E. Lee é o exemplo concreto de um guitarrista que conquistou o seu lugar ao sol, mas que poderia ter ido ainda mais além. É um dos músicos mais competentes que tive o prazer de ouvir nas seis cordas dentro do segmento hard rock/heavy metal.
Digo isto porque Jake E. Lee deixou de ser um músico realmente produtivo a partir da década de 1990. E sei que há motivos para essa decisão. Por mais que Lee seja considerado alguém difícil de se lidar, ele se lascou com algumas armadilhas impostas pela indústria fonográfica, especialmente, quando estava com Ozzy Osbourne.
Nascido em 15 de fevereiro de 1957, em Norfolk, Virginia, nos Estados Unidos, Jakey Lou Williams é o resultado da mistura de famílias galesa e japonesa. Desde cedo, fez aulas de música. Começou com piano, aos 6 anos, e partiu para a guitarra aos 13, após ouvir discos de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Jimi Hendrix Experience.
A partir de então, Jake E. Lee não parou mais. Ele aproveitou o conhecimento que obteve ao estudar piano e aprendeu a tocar guitarra praticamente sozinho. E não viu muita alternativa na escola. Jake abandonou o colégio após ser expulso: ele foi pego mudando as suas próprias notas na sala dos professores.
No início da década de 1980, já morando em San Diego, na Califórnia, Jake E. Lee tocou com algumas bandas – incluindo o Teaser, que ele nomeou em homenagem ao disco de mesmo nome que Tommy Bolin lançou em 1975 – até integrar o Mickey Ratt, que viria a se tornar o Ratt futuramente.
Com o Mickey Ratt, Jake E. Lee gravou a música “Top Secret”, que viria a ser lançada na coletânea “The Garage Tape Dayz 78-81”. O grupo se mudou para Los Angeles e, mesmo após conquistar algum reconhecimento local, Jake decidiu sair em busca de outros projetos que o deixassem mais satisfeito musicalmente. Havia uma suposta desavença com o vocalista Stephen Pearcy e seu alcoolismo, mas essa história nunca foi confirmada. Ele ainda indicou o seu substituto: um de seus alunos, Warren DeMartini.
Após isto, Jake E. Lee integrou o Rough Cutt, banda que foi descoberta por Ronnie James Dio. O vocalista quis trabalhar com Jake, mas apenas algumas músicas foram feitas antes do guitarrista pular fora. Na época, Ozzy Osbourne já estava de olho no músico, em busca de um substituto definitivo para a vaga do falecido Randy Rhoads.
Escolhido após outros 500 guitarristas terem sido ouvidos, Jake E. Lee deu início aos trabalhos do próximo disco de Ozzy Osbourne, que viria a ser “Bark At The Moon” (1983). E aqui começam os problemas de Jake com a indústria fonográfica: ele alega ter composto praticamente todo o álbum ao lado do baixista Bob Daisley.
“A maior parte do disco foi escrita por mim e Bob Daisley. Ozzy aparecia e mexia com o que tínhamos composto. Lembro que ele ouviu o riff e decidiu a faixa que levaria o nome do álbum, que já estava escolhido. Ele chegava, enchia a cara e desmaiava, deixando tudo para nós dois. Bob escreveu todas as letras, ele era ótimo nisso”, conta Jake, em entrevista ao Ultimate Classic Rock.
Só que a empresária e esposa de Ozzy, Sharon Osbourne, tentou fazer com que ele não recebesse os créditos pelo seu trabalho. “Me disseram que eu seria creditado. Depois, quando a guitarra já havia sido gravada, eles disseram que tinham um novo contrato. E dizia: ‘Ozzy Osbourne escreveu tudo e você não teve relação com a parte autoral, não tem direito a royalties e não pode falar disto publicamente”, contou, em entrevista ao programa de rádio de Eddie Trunk.
Jake conta que caso ele recusasse, as contribuições seriam apagadas e retrabalhadas sem o seu consentimento. “Sharon dizia: ‘Te daremos uma passagem de avião, você volta para casa e entra na fila do processo judicial. No meio tempo, arrumaremos outro músico para refazer as faixas e você não terá nada'”, disse.
O guitarrista acabou por aceitar, já que tudo estava pronto, e “Bark At The Moon” foi um sucesso comercial. Mais calejado, Jake disse que não faria nada para o próximo disco – que viria a ser “The Ultimate Sin” (1986) – se o contrato não fosse minimamente honesto daquela vez.
Shot in The Dark-Ozzy Osbourne from Joe Clarfort III on Vimeo.
No fim das contas, Jake E. Lee também obteve créditos – tardios – por suas colaborações em “Bark At The Moon”. E, é claro, só começou a trabalhar em “The Ultimate Sin” depois que seus direitos foram garantidos. Ele é o co-autor de todas as faixas do álbum de 1986, com exceção de “Shot In The Dark”.
O consistente trabalho que Jake E. Lee fez ao lado de Ozzy Osbourne fez com que muitos fãs enxergassem um futuro do Madman sem Randy Rhoads. Antes, diversos admiradores pensavam que Ozzy não conseguiria alguém a altura de Rhoads, mas Lee fez um bom trabalho.
Por outro lado, Jake E. Lee pegou um dos períodos mais conturbados da vida de Ozzy Osbourne. Ele estava praticamente perdido em seus vícios. Há duas versões sobre a demissão de Jake, mas ambas não explicam o motivo: a primeira diz que ele foi liberado por meio de um telegrama enviado por Sharon, enquanto a segunda afirma que ele foi dispensado após um ataque de nervos de um Ozzy completamente chapado.
No fim das contas, Jake E. Lee resolveu montar sua própria banda, o fabuloso Badlands, ao lado de dois integrantes dissidentes do Black Sabbath: o vocalista Ray Gillen e o baterista Eric Singer. O baixista Greg Chaisson completou a formação.
Com o Badlands, dois discos foram gravados: o debut autointitulado, de 1989, e “Voodoo Highway”, de 1991. Nenhum deles atingiu um verdadeiro êxito comercial e a banda acabou, no ano seguinte, com Jake E. Lee odiando Ray Gillen e vice-versa.
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– Badlands: a “treta impressa” entre Ray Gillen e Jake E. Lee na Kerrang
Desde então, a carreira de Jake E. Lee tem passado por altos e baixos, seja em qualidade musical ou em frequência de atividade. Ele trabalhou com a banda de metal alternativo Wicked Alliance e esteve no projeto Bourgeois Pigs, com o baixista Tony Franklin, mas ambos os projetos não lançaram discos.
Paralelamente, Jake E. Lee participou de discos-tributos a bandas como AC/DC, Van Halen e outros, bem como registrou quatro discos solo, entre 1996 e 2008, e um álbum com o Enuff Z’Nuff – “Dissonance”, de 2009. Em 2014, lançou o primeiro álbum de uma nova banda, chamada Red Dragon Cartel, mas além do material não ser grande coisa, o grupo teve uma curiosa instabilidade com mudanças de vocalistas em sua única turnê.
O que Jake E. Lee fez após o Badlands foi muito pouco para a sua grandeza. E com a chegada da idade avançada, é utopia esperar que ele volte a fazer bons trabalhos. Ainda assim, vale a pena revisitar a discografia do músico.