Não foi acidente que fez show do Def Leppard no Rock In Rio 1985 ser cancelado

Um texto que publiquei no Whiplash.Net, há algum tempo (também presente aqui – clique para acessar), apontava que o show do Def Leppard marcado para acontecer no Rock In Rio 2017 pode apagar o fiasco de público ocorrido duas décadas antes, quando, em 1997, o grupo fez shows vazios no Brasil.

Ainda neste texto, comentei que o Def Leppard estava escalado para tocar no Rock In Rio de 1985, mas que cancelou a apresentação e acabou substituído pelo Whitesnake. E reforcei que o quinteto britânico não veio em função de atrasos nas gravações de “Hysteria”, disco que só viria a ser lançado em 1987.

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Veja o que foi escrito no texto em questão:

“Existe, inclusive, um rumor de que o cancelamento ocorreu em função do acidente de carro que fez Rick Allen perder seu braço esquerdo. No entanto, a performance não aconteceu porque o Def Leppard estava com problemas na concepção do disco “Hysteria”, que seria lançado em 1985, mas estava com as gravações atrasadas.

Uma questão lógica, visto que não daria tempo de contratar e trazer o Whitesnake em tão pouco tempo entre o acidente e o show. A colisão automobilística ocorreu em 31 de dezembro de 1984 e o Rock In Rio de 1985 começou em 11 de janeiro de 1985.”

Houve contestação nos comentários. Alguns leitores disseram que o show do Def Leppard, no Rock In Rio 1985, só foi cancelado graças ao acidente. E afirmaram que a informação descrita no texto estava equivocada – apesar de uma questão lógica ter sido apresentada na argumentação e de registros apontarem que “Hysteria” começou, sim, a ser composto em 1984.

Em contrapartida, o leitor Ricardo Maudonnet trouxe, também nos comentários, um documento interessante. De acordo com ele, no dia 18 de novembro, o jornal Folha de S. Paulo havia noticiado o cancelamento do show do Def Leppard no Rock In Rio. Ou seja: foi, sim, antes do acidente que Rick Allen sofreu, em 31 de dezembro de 1984.

Veja:

“O conjunto norte-americano Def Leppard, que estava programado para se apresentar no festival ‘Rock In Rio’, em janeiro, cancelou sua vinda. Em seu lugar, será apresentado o grupo Whitesnake, também americano”, diz a nota, publicada na coluna “Estilo e Prazer”, presente no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 18 de novembro de 1984 – mais de 40 dias antes do acidente.

Apesar de não remeter ao assunto deste artigo, vale destacar, inclusive, um pequeno erro na nota da Folha. O texto em questão diz que Def Leppard e Whitesnake são grupos americanos, mas, na verdade, são britânicos.

O motivo do cancelamento não é especificado na curta nota publicada pela Folha. No entanto, além de ser possível afirmar que não foi graças ao acidente de Rick Allen, basta pesquisar um pouco sobre a concepção do disco “Hysteria” para entender o motivo do show ter sido cancelado.

O Def Leppard havia encerrado a turnê de divulgação de “Pyromania” em fevereiro de 1984. Após isso, a gravadora Vertigo Records deu alguns meses para que o grupo começasse a trabalhar no sucessor, que viria a ser “Hysteria” e que só chegaria a público em agosto de 1987 – neste caso, sim, graças ao acidente sofrido por Rick Allen.

O processo de composição de “Hysteria”, até então intitulado provisoriamente de “Animal Instinct”, teve início já em fevereiro de 1984, com o produtor “Mutt” Lange, o guru de “Pyromania”. No entanto, Lange abandonou o projeto após a pré-produção, alegando exaustão da puxada agenda que cumpriu nos anos anteriores.

O compositor de Meat Loaf, Jim Steinman, foi trazido para ajudar na composição das músicas com o Def Leppard. No entanto, não deu certo: Steinman queria que o grupo promovesse uma “volta às raízes” do NWOBHM praticado em seus primeiros registros, enquanto o Leppard queria apostar na pegada comercial presente em “Hysteria”.

Um dos poucos resultados deste período com Jim Steinman foi uma versão de “Don’t Shoot Shotgun” que não agradou a ninguém. Jim Steinman, então, foi dispensado. Depois, os próprios integrantes do Def Leppard tentaram produzir o disco, com o engenheiro de mixagem Nigel Green. Também não deu certo.

Depois de meses de tentativas, o Def Leppard não havia saído do zero. Não havia nada preparado para o disco que viria a ser “Hysteria”. A gravadora, por sua vez, queria que o disco fosse lançado ainda em 1985 – sem, obviamente, saber do acidente que faria Rick Allen perder o seu braço esquerdo.

Até o último dia de 1984 – data do acidente de Allen -, a gravadora pressionou o Def Leppard para que “Hysteria” ficasse pronto e fosse lançado em 1985. A ideia era que o disco saísse ainda no primeiro semestre daquele ano, para emendar uma turnê de verão.

Devido a todos esses problemas na concepção de “Hysteria”, o show no Rock In Rio foi cancelado. Diferente do que diversos veículos de comunicação brasileiros afirmam, o Whitesnake não foi chamado às pressas para cobrir a vaga do Def Leppard. Seria inviável negociar com David Coverdale e seus músicos e trazê-los, com a devida documentação, num prazo de 10 dias.

Alguns mitos são perpetuados no imaginário do fã de rock por motivos que até hoje desconheço. E este foi um deles.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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