A trajetória de Malcolm Young, falecido neste sábado (18) aos 64 anos, no mundo da música parece discreta diante dos holofotes. Todavia, o guitarrista foi o responsável por arquitetar o AC/DC, uma das bandas mais bem-sucedidas e influentes do rock. Era o “cabeça” por trás da cozinha sólida, dos solos mirabolantes de seu irmão, Angus Young, e dos vocais de Bon Scott e Brian Johnson.
Malcolm obteve imenso êxito comercial – e, consequentemente, financeiro – com o AC/DC. Desfrutou de um estilo de vida reservado para poucos. Entretanto, seus últimos tempos foram marcados por melancolia: em 2014, foi anunciado que ele ficaria afastado da banda que tanto ajudou a construir devido a um diagnóstico de demência.
De forma resumida, a demência é um grupo de doenças relacionadas à perda progressiva das capacidades cognitivas. Os diagnósticos são variáveis, pois podem ser parciais ou completos e permanentes ou esporádicos. Há, no entanto, algo em comum com tais situações: no geral, elas deixam a pessoa debilitada e sem autonomia.
Evidentemente, não conheci Malcolm Young. Contudo, a partir dos diversos relatos sobre sua trajetória, a perda de autonomia parece ser um castigo e tanto para o discreto guitarrista.
A progressão
A situação já era melancólica na década passada, quando Malcolm Young já sofria dos sintomas iniciais da doença. Conforme revelado por Angus Young, em entrevista à Rolling Stone, Malcolm começou a sofrer com lapsos de memória e concentração ainda antes das gravações de “Black Ice”, disco lançado pelo AC/DC em 2008 – e último registro a contar com a participação direta do músico, embora seja creditado como co-autor de todas as faixas do sucessor, “Rock Or Bust” (2014).
Durante a “Black Ice Tour” – a quinta turnê mais rentável da história da música, com US$ 430 milhões de faturamento -, Malcolm chegou a ter problemas para se lembrar dos riffs que ele mesmo criou. “Era muito estranho para ele. Mas ele sempre foi um cara confiante, e fez com que funcionasse”, contou Angus, ainda à Rolling Stone.
A doença de Malcolm Young ficou insustentável na década seguinte. Ao afastar o guitarrista de forma definitiva – ele foi descrito como “permanentemente aposentado de suas atividades” -, o AC/DC anunciou, ainda, que ele permaneceria internado em uma instituição especializada na Austrália. Em uma de suas últimas fotos públicas, ele aparece sendo guiado, pelas mãos, por outro homem.
Legado
Imagino que, de certo modo, a condição imposta pelos sintomas da demência confronte, diretamente, com a natureza de Malcolm Young. A firmeza sempre foi a sua principal característica – seja nas decisões envolvendo a banda, seja em seu estilo de tocar.
Em todos os relatos sobre a trajetória do AC/DC, Malcolm Young é creditado como o “cabeça”. Até mesmo Angus já reconheceu essa condição em algumas entrevistas. O biógrafo Mick Wall, que escreveu “AC/DC – A Biografia”, afirma que Malcolm foi “um cara impiedoso, muitas vezes arrogante, que fez tudo para chegar ao sucesso. Angus é assim também, só que menos agressivo. Mas ele, como caçula da família, sempre teve o Malcolm para fazer o trabalho sujo”.
Firme e independente nas escolhas relacionadas ao futuro do AC/DC, Malcolm Young também teve enorme êxito na questão artística. Ele foi o criador de dezenas de riffs que entraram para a discografia da banda e para a história do rock. A “fórmula” do som do grupo – cozinha altamente rítmica e econômica, que dá espaço para guitarras brilharem – também surgiu de sua mente.
Angus nunca economizou palavras ao descrever como Malcolm – descrito como “sua grande inspiração” – era importante para o som do AC/DC. “Malcolm é realmente subestimado. Ele faz o som da banda ficar cheio. […] Muitas pessoas dizem: ‘AC/DC – é a banda com o baixinho correndo por aí com uniforme escolar’. Mas eu não poderia fazer isso sem Malcolm e os outros caras fazendo o ritmo. Eles fazem com que eu me saia bem. Mal é um ótimo guitarrista. Sei que o encarte dos discos afirma ‘guitarra rítmica’, mas se ele sentar para tocar um solo, ele faz melhor do que eu. No início, era ele quem fazia os solos, mas ele disse: ‘faça os solos, vou ficar por trás’. E ele realmente faz as bases. Ele não faz barulho; ele trabalha os sons e sabe quando não tocar”, contou Angus, anteriormente, à Guitar World.
Malcolm não era, obviamente, o único a liderar o AC/DC. Contou com as devidas contribuições de Angus e, especialmente nos anos iniciais, de George Young, produtor de diversos álbuns da banda e que também faleceu recentemente, aos 70 anos.
Contudo, não dá para imaginar AC/DC sem Malcolm Young. Basta ouvir a sincronia entre as guitarras rítmica e solo de músicas como “Thunderstruck” e “For Those About To Rock (We Salute You”), ou o entrosamento entre guitarra rítmica ec ozinha de faixas como “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, “Let There Be Rock” ou “Who Made Who”.
Neste dia 18 de novembro de 2017, chega ao fim o sofrimento de alguém que perdeu sua própria autonomia nos últimos anos. Em contrapartida, permanece o legado musical de alguém que costurou, efetivamente, a consagrada “fórmula AC/DC”. O trabalho de de Malcolm Young permanecerá, por bastante tempo, firme e sólido – tal qual a sua postura, empunhando ou não a sua guitarra.