Falecido em 8 de junho de 2019, aos 47 anos, vítima de um infarto fulminante, o vocalista Andre Matos deixou um legado imenso para o heavy metal do Brasil e, por que não, do mundo. O cantor, pianista, regente, produtor e compositor graduado deixou obras relevantes com o Viper, Angra, Shaman e em carreira solo, além de projetos como o Virgo e participações com Avantasia, entre outros.
Para muitos, a porta de entrada para o trabalho de Andre Matos foi com o Angra, banda que integrou durante a década de 1990. Com o grupo, foram gravados três álbuns de estúdio: ‘Angels Cry’ (1993), ‘Holy Land’ (1996) e ‘Fireworks’ (1998).
Porém, a parceria acabou por ficar estremecida logo após o lançamento de ‘Holy Land’. Andre Matos quase saiu da banda naquele período – ou seja, antes mesmo de ‘Fireworks’. Ele acabou sendo convencido a permanecer, mas gravou o álbum em questão e saiu, dando lugar a Edu Falaschi. O baixista Luis Mariutti e o baterista Ricardo Confessori também deixaram a formação.
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A partir daí, Andre deu início, com Luis, Ricardo e Hugo Mariutti, a outra banda que ficou bastante conhecida e serviu para apresentar o trabalho dele a novos fãs: o Shaman. Novamente, não durou muito, já que apenas dois álbuns de estúdio, ‘Ritual’ (2002) e ‘Reason’ (2005), foram gravados.
Ainda que Angra e Shaman sejam os projetos mais famosos de Andre Matos, a carreira do Maestro não se resume a essas duas bandas. Antes de tudo, ele integrou o Viper, com quem gravou ‘Soldiers of Sunrise’ (1987) e ‘Theatre of Fate’ (1989). Entre o Angra e o Shaman, fez um trabalho em parceria com o guitarrista e produtor Sascha Paeth chamado ‘Virgo’ (2001).
Há, ainda, a própria carreira solo de Andre Matos, que teve três álbuns lançados: ‘Time to Be Free’ (2007), ‘Mentalize’ (2009) e ‘The Turn of the Lights’ (2012). Neste período, também integrou o supergrupo Symfonia, com membros do Stratovarius, Helloween e Sonata Arctica.
Por último, mas não menos importante, devem ser destacadas as participações em outros projetos. As mais célebres foram feitas com o Avantasia, a “metal opera” de Tobias Sammet (Edguy), mas ele também gravou com Aina, Dr. Sin (ao vivo), Soulspell, Luca Turilli, Korzus e HDK, só para citar alguns.
A lista a seguir reúne cinco álbuns que podem servir para mostrar um pouco da obra de Andre Matos. Não busquei apontar os “melhores”, até por esse critério ser subjetivo demais: são os discos que, na minha visão, apresentam a evolução cronológica e as facetas de um artista que fez história.
Para acompanhar a leitura, produzi uma playlist no Spotify com uma série de músicas da carreira de Andre Matos. Confira clicando aqui ou no player abaixo.
1) Viper – ‘Theatre of Fate’ (1989)
Na década de 1980, o heavy metal era algo bastante segmentado e visto como “exótico” no Brasil. Os trabalhos iniciais do Viper refletem isso muito bem: apesar das boas músicas, tudo era feito na marra, superando uma série de obstáculos técnicos e orçamentários.
Além disso, o metal brasileiro na década de 1980 era feito por moleques. Andre Matos tinha 14 anos quando se juntou ao Viper e seus colegas de banda não eram tão mais velhos do que isso.
Nenhum desses fatores impediu que o Viper fizesse história, já que, conforme citado, existiam boas músicas. Depois de produzir duas demos, a banda lançou, em 1987, o álbum de estreia ‘Soldiers of Sunrise’, que passeia entre o power e o speed metal e escancara a produção visceral, para dizer o mínimo, que caracterizava os trabalhos do gênero no Brasil.
Felizmente, o sucessor, ‘Theatre of Fate’, dá um passo além. As questões técnicas ainda eram um empecilho, mas a banda havia amadurecido tão rapidamente que conseguiu desenvolver uma pegada própria. Com as influências de Andre mais evidentes, a veia power ganhou força nesse trabalho, o que se percebe em músicas como ‘Living for the Night’ e ‘A Cry from the Edge’.
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Andre Matos saiu da banda pouco tempo após o álbum ter sido lançado e se juntou ao Angra. O Viper caminhou com as próprias pernas, tendo o baixista Pit Passarell também nos vocais, mas seguindo uma sonoridade mais punk rock.
2) Angra – ‘Holy Land’ (1996)
Ao longo de toda a década de 1990, Andre Matos integrou o Angra. Logo de cara, a banda lançou ‘Angels Cry’, um dos álbuns definitivos do heavy metal brasileiro. Refleti várias vezes sobre ter esse disco como um dos cinco dessa lista, porém, apesar de ser recheado de clássicos (e o meu favorito do grupo), ainda não mostra o potencial completo de Andre como artista.
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O registro seguinte, ‘Holy Land’, é o responsável por mostrar, de fato, quem é Andre Matos. Ao capitanear o processo criativo, conduzido em um sítio isolado, o cantor conseguiu apresentar melhor suas credenciais nas partes de composição e instrumentação.
Em sintonia com os demais músicos do Angra, foram incluídas uma série de referências artísticas à música brasileira, seja nas letras, melodias ou ritmos. O repertório engrossou, ficando mais elaborado. E, como cantor, Andre vivia um grande momento.
Da pesada ‘Nothing To Say’ à melódica ‘Make Believe’, passando pela balada ‘Deep Blue’, a complexa ‘Carolina IV’ e a bem arranjada ‘The Shaman’, não há como destacar nenhum momento específico em ‘Holy Land’. Trata-se de um álbum que funciona por completo.
3) Virgo – ‘Virgo’ (2001)
Antes mesmo de anunciar sua saída do Angra, Andre Matos estava acertado com o guitarrista e produtor Sascha Paeth para um trabalho em parceria. Não era uma nova banda, já que a intenção era só gravar um álbum, que também foi intitulado ‘Virgo’.
A ideia do Virgo era fugir do heavy/power metal onde os dois estavam imersos há anos. Sascha Paeth, vale destacar, era guitarrista do Heavens Gate, baixista de Luca Turilli e produtor de uma série de bandas do segmento. Em estúdio, inclusive, foi um dos produtores dos dois primeiros discos do Angra. Ao longo do século 21, Paeth também trabalhou com Avantasia, Kamelot, Rhapsody of Fire, After Forever, Epica e Edguy, só para citar alguns.
Diante disso, Andre e Sascha passaram a explorar outras influências. Os dois, por exemplo, eram apaixonados por Queen, cuja obra encontra ressonância em várias músicas de ‘Virgo’. Há, ainda, alguns flertes com o pop/rock da década de 1980 e referências do R&B e soul music. A sutileza e o bom gosto dessas inserções deixam as canções ainda mais gostosas de serem ouvidas.
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Com tudo isso, não é de se espantar que o Virgo foi o projeto mais versátil e curioso da carreira de Andre Matos. Apesar de sentir que há alguns “fillers”, o material reúne uma série de canções memoráveis.
4) Shaman – ‘Ritual’ (2002)
Há quem concorde que ‘Ritual’, do Shaman, é o melhor trabalho da carreira de Andre Matos. Não tem como negar que os motivos para reforçar essa tese são muito bons.
Obviamente, a atuação de uma década com o Angra fez com que Andre, Luis Mariutti e Ricardo Confessori aprendessem bastante. Em termos artísticos, os três primeiros álbuns da banda flertaram com muitas influências. Deu para ver o que dava certo e extrair o melhor daquilo ali.
Diante de todos os experimentos com o Angra, cabia ao novo projeto, que também contava com Hugo Mariutti, irmão de Luis, na guitarra, reunir as características que definiam aquele som. E isso foi feito com enorme classe logo no primeiro álbum, ‘Ritual’.
Como principal compositor, Andre Matos foi o responsável por condensar tudo isso, além de catalisar novos elementos. ‘Ritual’ traz o capricho criativo de ‘Angels Cry’, a complexidade dos arranjos de ‘Holy Land’ e a pegada heavy metal “internacionalizada” de ‘Fireworks’, bem como retoma as referências à música brasileira e acrescenta influências da world music.
Como resultado, o Shaman apresentou um disco sem músicas fracas. Do início ao fim, o patamar é mantido lá no alto. Pesado, melódico e experimental nas medidas certas.
O Shaman ainda lançou o álbum ‘Reason’, que muitos citam como o trabalho que deixou Andre Matos mais satisfeito até hoje. Também refleti sobre sua inclusão na lista, já que o material é bastante sofisticado e surpreende por sua melancolia intrínseca. Todavia, ‘Ritual’ é, talvez, o registro que mostra Andre em seu auge como cantor e compositor.
5) Andre Matos – ‘Time To Be Free’ (2007)
Mais uma vez, Andre Matos contrariou o óbvio e deixou uma banda que escalava para se tornar ainda mais gigante. Agora, ele saía do Shaman e, novamente, junto de Luis Mariutti, além de Hugo Mariutti. O Shaman seguiu com outra formação que nunca se consolidou, enquanto Andre rumou para uma carreira solo, com Luis e Hugo no grupo de apoio.
O sintomático título do primeiro álbum solo, ‘Time To Be Free’ (‘hora de ser livre’, em tradução livre), aponta o sentimento do cantor em poder tomar, sozinho, as decisões de sua carreira. Tudo indicava que essa falta de concordância com outros colegas de banda teriam motivado as saídas do Angra e Shaman.
Em ‘Time To Be Free’, Andre mergulha de cabeça no power metal com o qual sempre flertou, mas nunca de peito tão aberto. Há quem lamente a falta das típicas influências de música brasileira ou flertes com vertentes mais inusitadas, mas não dá para negar que, mesmo transitando em “lugares comuns”, trata-se de um álbum bem arranjado e com momentos de destaque.
A presença desse disco na lista serve para mostrar como era Andre Matos em uma ausência geral de filtros. Ao assumir 100% as rédes do processo criativo, o cantor surpreendeu com um trabalho do nível dos antecessores.
Sinto que nem ele mesmo conseguiu atingir esse patamar com os sucessores, ‘Mentalize’ (2009) e ‘The Turn of the Lights’ (2012), o que pode ter motivado a falta de outros álbuns solo, bem como a reaproximação para as voltas com o Viper e Shaman. Comenta-se, ainda, que Andre negociava uma reunião com o Angra, cujo formato não havia sido especificado e poderia culminar apenas em alguns shows, sem a saída de Fabio Lione. Nunca saberemos o que aconteceria.
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