Em 19 de fevereiro de 1980, morria Bon Scott, o vocalista do AC/DC, de intoxicação alcoólica aguda. Apenas cinco meses depois, em 25 de julho daquele ano, era lançado ‘Back in Black’, sétimo álbum de estúdio da banda – seu trabalho de maior sucesso e um dos discos mais vendidos, senão o mais comercializado, da história do rock.
O AC/DC não esperou nem mesmo o corpo esfriar para dar sequência às suas atividades? Por que eles voltaram tão rapidamente?
Se você der o play, vai entender o motivo. Mas eu explico.
É importante, antes de tudo, entender o contexto. O AC/DC lutou por quase toda a década de 1970 em busca de reconhecimento – que, em termos internacionais, chegou apenas com seu quarto álbum, ‘Let There Be Rock’ (1977). Mais um bom disco foi lançado, ‘Powerage’ (1978), até chegar naquele que realmente fez a banda estourar: ‘Highway to Hell’ (1979), que já havia conquistado disco de ouro nos Estados Unidos por suas 500 mil cópias vendidas.
Um elemento, que se repetiria em ‘Back in Black’, pode ser responsabilizado pelo grande sucesso de ‘Highway to Hell’. Trata-se do produtor Robert John “Mutt” Lange, conhecido por sua habilidade em “polir” algumas bandas. Ele deixou o AC/DC mais formatado e bem produzido, mas sem abrir mão da notável fúria do som deles.
Bon Scott, então, nos deixou. Os remanescentes do AC/DC consideraram seriamente dar fim à banda, mas foram incentivados por Charles, pai do vocalista, a seguirem adiante. O patriarca da família Scott deu a bênção para que o grupo continuasse e fez os músicos refletirem que, sim, Bon faria a mesma coisa se isso acontecesse com outro integrante.
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A banda não começaria do zero. Não só pelo sucesso já conquistado, como, também, pelo fato de já estarem com alguns rascunhos musicais prontos antes da morte de Bon Scott. Cita-se que ‘Have a Drink on Me’ e ‘Let Me Put My Love Into You’ já estavam sendo trabalhadas, curiosamente com Bon na bateria, antes do falecimento. A faixa ‘Back in Black’ também tinha uma estrutura concebida, pois nasceu de um riff que o guitarrista Malcolm Young tocava nas passagens de som da turnê de ‘Highway to Hell’.
“Estávamos realmente para baixo. Não estávamos conseguindo sair daquilo”, disse Malcolm, em uma antiga entrevista à revista ‘Classic Rock’, citando que insistiu para o irmão e também guitarrista Angus Young pegar a guitarra e começar a compor com ele. “Éramos apenas nós dois. Pegar a guitarra, só por terapia. Talvez seria a forma de sair daquilo”, completou.
Em busca do novo vocalista do AC/DC
Faltava, então, conseguir um substituto para Bon Scott. Diversos candidatos foram cogitados.
O sonho de consumo era Noddy Holder, do Slade, mas ele recusou. Terry Slesser (Back Street Crawler) e Steve Marriott (Humble Pie) também foram considerados, mas não rolou.
Os nomes desconhecidos que o AC/DC testava também não agradavam. “Deixávamos a eles a liberdade de escolherem uma canção para testar, e a maioria escolhia ‘Smoke on the Water’ (do Deep Purple). Era desesperador”, disse Angus Young, em relato recortado pelo ‘El País’.
Foi sugerido, então, o nome de Brian Johnson, um britânico que fez algum sucesso na década de 1970 com o Geordie – banda de glam rock que já havia se desfeito após não conseguirem outros hits. Curiosamente, os músicos do AC/DC souberam do nome de Johnson após Bon Scott contar que assistiu a um show da banda dele.
“Lembro de Bon tocar Little Richard para mim e contar uma história de quando viu um show de Brian cantando (com o Geordie). Ele diz que aquele cara estava lá, gritando tudo o que seus pulmões conseguiam, e logo em seguida caiu no chão, rolando e gritando. No fim, como uma espécie de bis, a banda teve que arrancar o cara de lá”, relembrou Angus Young. Na ocasião, Brian Johnson foi diagnosticado com apendicite, o que explica tudo isso.
Johnson, por sua vez, não fazia ideia que era cogitado para o AC/DC. A banda começou a procurá-lo, mas era impossível fazer contato com ele. No auge de seus 32 anos de idade, o cantor já tinha vivido seus sonhos de rockstar com o Geordie, então, retornou à realidade: mudou-se para a casa dos pais, em Gateshead, na Inglaterra, e abriu uma oficina de pequenos reparos em carros, sua outra paixão. Se você quisesse trocar seu para-brisas ou personalizar seu possante, era só falar com Brian!
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O cantor, claro, não estava 100% afastado da música. Ele havia montado uma espécie de Geordie II, uma nova versão de sua banda, e tocava em bares locais. Nada com o glamour de outros tempos. A ocupação principal era a oficina, já que ele sustentava a esposa, Carol, e as duas filhas, Joanne e Kala.
Por isso, o AC/DC – que, vale destacar, também não gozava de boa situação financeira por ter investido muito em ‘Highway to Hell’ – não conseguia encontrá-lo. Em tempos pré-internet, levaram dias para achar o cara. Mas conseguiram.
A audição de Brian Johnson
Já em março de 1980, Brian Johnson foi convidado para fazer uma audição. Ele já gostava do AC/DC e até tocava ‘Whole Lotta Rosie’ em shows. Topou sem pensar duas vezes.
“Estávamos esperando enquanto pensávamos: ‘Cadê esse tal de Brian? Ele deveria estar aqui há uma hora’. ‘Oh, ele? Ele está lá embaixo jogando sinuca com os roadies’. Pensamos: bem, pelo menos ele joga sinuca”, comentou Malcolm Young, no livro ‘AC/DC: A Biografia’.
A audição envolveu músicas ‘Whole Lotta Rosie’ e ‘Nutbush City Limits’ (Ike and Tina Turner). “Ele cantou as músicas de forma incrível e colocou um pequeno sorriso em nossos rostos – pela primeira vez desde Bon. Então, começamos a trabalhar com ele”, disse Malcolm.
Brian, por sua vez, conta que a situação não foi tão simples assim. Eles fizeram audições em dois dias diferentes com ele – que, paralelamente a isso, tinha que continuar com seu negócio automotivo. Só que o “sim” acabou chegando.
“Nunca vou esquecer do dia em que fui aceito. Era aniversário do meu pai e eu estava jogando sinuca em um pub. Voltei para casa e não tinha ninguém, meus pais tinham saído. Mal(colm) ligou e disse: ‘temos um álbum para fazer, vamos sair daqui algumas semanas, então, se você quiser…’ Eu falei: ‘o trabalho é meu?’. Ele disse que sim e eu falei que iria desligar, pedindo para que ele me ligasse em 10 minutos para eu ter certeza de que não era trote. Ele concordou, ligou de novo e perguntou se eu iria. Ele ainda não havia dito as palavras! Mal não era assim. Era: ‘você vem ou não?’. Eu comemorei tanto que comprei uma garrafa de uísque para meu pai, de aniversário, e tomei um baita copo. Estava tão empolgado, mas não tinha ninguém para contar a novidade”, relembrou, à ‘Classic Rock’.
A concepção e gravação de Back in Black
Seis semanas após a morte de Bon Scott, Brian Johnson foi oficializado como vocalista do AC/DC. A novidade foi divulgada à imprensa no dia 1° de abril de 1980 – sim, no Dia da Mentira. Nem o irmão de Brian acreditou, devido à data… mas era verdade!
Alguns dias depois, Johnson, os irmãos Young, o baixista Cliff Williams e o baterista Phil Rudd embarcaram para Nassau, nas Bahamas, para gravar seu novo álbum. A ideia veio da gravadora por duas razões: além de não ter nenhum bom estúdio disponível no Reino Unido naquele momento, os impostos e custos gerais de se gravar no país insular seriam menores.
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O estúdio escolhido foi o Compass Point Studios. O produtor “Mutt” Lange estava com a banda novamente. Apesar do otimismo com relação ao futuro, o local não tinha as melhores condições de conforto – o hotel mais parecia um alojamento militar e uma sessão chegou a ser interrompida por caranguejos que invadiram a sala de gravação – e, para piorar, tempestades tropicais atingiam Nassau naquele momento.
Por um lado, as tempestades causaram danos na rede elétrica do estúdio. Por outro, elas foram responsáveis pelo nascimento da música ‘Hells Bells’, que acabou se tornando a faixa de abertura do álbum. Brian estava responsável pelas letras, mas sofria um bloqueio criativo com aquela canção.
“”Mutt disse: ‘oh, estão rolando trovões’. E eu: ‘trovões rolando, chuva caindo, chegando como um furacão, com relâmpagos’”, disse o cantor, em menção a frases próximas dos versos originais de ‘Hells Bells’: “oh, it’s rolling thunder” e “rolling thunder, pouring rain, coming on like a hurricane, there’s white lightning flashing”. Os trechos da conversa foram adaptados e deram origem aos primeiros versos da música. “Eu estava, literalmente, dando um boletim meteorológico. Quando coisas incríveis acontecem tão rapidamente, você nunca percebe, né? É fabuloso. Parece tão fácil. Quando você tenta fazer isso de novo, nunca funciona”, completou.
‘Hells Bells’ e sua aura pesada, quase heavy metal, é apenas um dos vários destaques de ‘Back in Black’. A faixa-título, uma marcha fúnebre de ótimo gosto, trazia um groove irresistível em seus riffs. O AC/DC queria fazer uma música em homenagem a Bon, um fanfarrão de primeira, mas que não fosse triste. A ideia era relembrar os bons tempos com o saudoso cantor.
Não à toa, a expressão “back in black” foi aproveitada para dar nome ao álbum. A capa também buscava expressar o sentimento de luto e seria, inclusive, apenas uma imagem preta, sem o nome da banda ou do disco. A gravadora se recusou a lançar daquela forma e só houve acordo quando todos concordaram com a ligeira alteração, com grupo e título escritos timidamente ali.
Essas duas faixas já mencionadas foram, respectivamente, segundo e terceiro singles do álbum. O carro-chefe, a primeira música de divulgação, foi ‘You Shook Me All Night Long’, que era quase uma balada para os padrões do AC/DC. Sua levada sexy combinava com a letra, que trazia alguns versos com duplo sentido – do jeito que Bon Scott – gostava.
O biógrafo Jesse Fink, inclusive, acredita que ‘You Shook Me All Night Long’ foi feita ainda com Bon Scott, mas que o AC/DC não quis creditá-lo. “Caras como Doug Thaler (antigo empresário do AC/DC nos Estados Unidos) diziam: ‘você pode apostar sua vida que Bon escreveu a música’. Há pessoas que nunca aceitarão nada que não seja uma confissão assinada dos Youngs e de Brian Johnson e não há evidências, mas há informações que dão credibilidade à teoria”, conta ele, citando até mesmo que seria uma loura de Miami a dona das “coxas americanas” (“american tights”) e, curiosamente, proprietária de um cavalo chamado Doubletime.
Os êxitos
Teorias à parte, o AC/DC realmente se acertou em ‘Back in Black’. Trata-se de um álbum honesto, orgânico e inteiramente bom, que aprimora o já excelente ‘Highway to Hell’.
Nenhuma música soa deslocada ali. Não apenas os três primeiros singles, já mencionados, como outros petardos como a clássica ‘Shoot to Thrill’ (com seu breakdown inspirado no filme italiano ‘The Good, The Bad and the Ugly’), a intensa ‘What Do You Do for Money Honey’, a sugestiva ‘Let Me Put My Love into You’ e o encerramento ‘Rock and Roll Ain’t Noise Pollution’, composta em 15 minutos no estúdio porque faltava mais uma canção para a tracklist.
Impressiona, inclusive, que esse disco seja um dos poucos grandes clássicos do rock em que é possível ouvir e imaginar, ao mesmo tempo, toda a banda tocando junta em estúdio. A sonoridade de cada instrumento é tão bem resolvida e uniforme em cada música que tocar sua tracklist do início ao fim é como escutar os caras tocando em um ensaio no estúdio, bem na sua cara. Essa é, de certa forma, a essência do rock and roll e isso, talvez, explique por que o álbum caiu no gosto de tanta gente.
Outro ponto é que em ‘Back in Black’, a fórmula presente em ‘Highway to Hell’ ficou ainda mais robusta com Brian Johnson, que não era tão “selvagem” como Bon Scott em termos de performance. Bon é uma figura lendária, mas esse álbum sairia bem diferente com ele.
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Com instrumentistas entrosados, uma dupla de compositores melódicos (Angus e Malcolm) extremamente criativa e um produtor que conseguia deixar tudo perfeitamente formatado e timbrado, Brian Johnson era o elemento que faltava para a banda decolar de vez nas vendas.
E como decolou.
Um dos mais vendidos da história
‘Back in Black’ é um dos álbuns de maior sucesso da história da música. Há quem diga que seja, inclusive, o disco mais vendido entre todos do rock.
Foram 29 milhões de cópias comercializadas de forma oficializada, mas fala-se em 50 milhões entre as certificadas e as “alegadas”, já que a contagem em diversos países não funciona tão precisamente.
É muita coisa. Em vendas “alegadas”, só é superado por ‘Thriller’ (1982), de Michael Jackson, com seus 66 milhões. Já em números oficiais, cai para o quinto lugar, atrás de dois álbuns dos Eagles (‘Hotel California’ e ‘Their Greatest Hits’, ambos de 1976) e ‘Come On Over’ (1997), de Shania Twain, além do imponente ‘Thriller’.
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Somente nos Estados Unidos, ‘Back in Black’ teve 25 milhões de cópias vendidas. O país já era – e, pelo visto, sempre será – o epicentro do mercado fonográfico mundial, então, o sucesso feito por lá credenciou a banda a obter êxito em todo o mundo.
Seria exagero dizer que os músicos do AC/DC esperavam tamanho sucesso, mas eles tinham consciência de que o álbum era muito bom. Caso contrário, não seria lançado tão rapidamente. O feeling dos caras apontava que, sim, aquele material era de ótima qualidade e que Brian Johnson foi uma escolha acertada para substituir Bon Scott.
A turnê de divulgação de ‘Back in Black’ contou com quase 150 shows, entre 1980 e 1981, percorrendo América do Norte e Europa, além de quatro datas no Japão – talvez, o único país onde o AC/DC nunca foi realmente grande. Eles já estavam tocando em grandes arenas e os próximos passos seriam os shows em estádios.
Embora tenha construído uma grande carreira no futuro, não soa nem um pouco pretensioso dizer que o AC/DC nunca mais repetiu o êxito de ‘Back in Black’, seja comercial ou artisticamente. A banda lançou outros bons discos com Brian Johnson – muitos deles, construídos com a fórmula deste álbum –, mas os astros nunca mais se alinharam da mesma forma como naquele turbulento primeiro semestre de 1980.
Brian Johnson (vocal)
Angus Young (guitarra)
Malcolm Young (guitarra)
Cliff Williams (baixo)
Phil Rudd (bateria)
1. Hells Bells
2. Shoot to Thrill
3. What Do You Do for Money Honey
4. Given the Dog a Bone
5. Let Me Put My Love into You
6. Back in Black
7. You Shook Me All Night Long
8. Have a Drink on Me
9. Shake a Leg
10. Rock and Roll Ain’t Noise Pollution
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