O álbum ao vivo ‘Alive!’, lançado em 10 de setembro de 1975, foi o álbum responsável por expor o Kiss à fama. E o Boston, com seu multiplatinado disco de estreia, quase atrapalhou esse plano por conta de uma variável curiosa: o produtor Eddie Kramer.
Em 1975, o Kiss já era bem conhecido pelos bons shows que fazia, mas os três primeiros discos de estúdio, divulgados antes de ‘Alive!’, não venderam bem. A Casbalanca, gravadora que apostou todas as fichas na banda, estava indo à falência com todo aquele investimento que, até então, não estava dando retorno.
Surgiu, então, a ideia de gravar um álbum ao vivo. Uma iniciativa curiosa, diga-se de passagem, pois, naquela época, apenas artistas perto da aposentadoria apostavam em trabalhos desse tipo.
Para dar certo, era necessário que o disco ao vivo capturasse a essência do Kiss no palco, que era matadora, e não aquela sonoridade insossa que era apresentada pela banda em estúdio. O produtor deveria ser alguém competente. Foi assim que Eddie Kramer, que já havia trabalhado com Jimi Hendrix e Led Zeppelin, foi chamado.
Kramer era um velho conhecido do Kiss, pois produziu a primeira demo da banda, ainda em 1973. Todavia, ele acabou não trabalhando no primeiro álbum dos caras, autointitulado ‘Kiss’, de 1974 – um enorme erro, já que os profissionais chamados para a função, a convite da Casablanca, simplesmente “estragaram” o som.
“Eu os vi pela primeira vez tocando no Hotel Diplomat, Nova York, em 1973, e eles eram impressionantes. A maquiagem, as botas e tudo o mais era tão primitivo, mas a energia era incrível. Tecnicamente, ainda não estavam tocando tão bem, mas a plateia ficou muito empolgada. Estavam adorando o show. Foi genial combinar teatro Kabuki com glam rock, bombas e fogos de artifício. Era entretenimento em larga escala”, comenta Kramer, em entrevista ao ‘Metal Express Radio’.
Os destinos de Kiss e Eddie Kramer voltaram a se cruzar quando pintou a ideia de gravar ‘Alive!’, já que precisavam de alguém bastante experiente para o trabalho. Foi aí que o Boston, com o material que se tornaria seu primeiro álbum – o segundo disco de estreia mais vendido da história da música –, quase atrapalhou esse “casamento”.
“Neil Bogart, da gravadora, me ligou e convidou para gravar ‘Alive!’. Eu disse que retornaria em um minuto. Na minha mesa, estava a fita com a qual eu iria me comprometer, de uma banda chamada… Boston. Liguei para Tom Scholz (guitarrista) e falei para ele lançar o disco daquele jeito que estava na fita, pois soava incrível. A demo era incrível”, conta o produtor.
E por que Eddie Kramer abdicou de trabalhar com o Boston, naquele que seria um dos álbuns mais vendidos da história do rock, para gravar um Kiss que ainda soava tão visceral? “Eu adorava o desafio de gravar o Kiss. Eu pensava: aqui está uma banda que era bem primitiva e que ainda está se desenvolvendo, mas que me empolgava e que poderia fazer um grande disco. Então, acabei aceitando o convite deles”, disse.
As gravações de Alive!
Ao todo, ‘Alive!’ reúne gravações de quatro shows realizados nos Estados Unidos em 1975, que foram:
- Cobo Arena, Detroit, no dia 16 de maio;
- Cleveland Music Hall, Cleveland, no dia 21 de junho;
- RKO Orpheum Theater, Davenport, no dia 20 de julho de 1975;
- Wildwoods Convention Center, Wildwood, no dia 20 de julho de 1975.
Eddie Kramer revela, ao ‘Metal Express Radio’, que levou as fitas com todas aquelas apresentações para o Electric Lady Studios – aquele mesmo, fundado por Jimi Hendrix. Era muito material, já que o produtor gravou até os aplausos da plateia. “Tivemos que consertar muita coisa (com os overdubs, que são regravações do material em estúdio). Muitos sons rolavam no palco, com aqueles caras pulando enquanto usavam sapatos com saltos de 15 centímetros, além das bombas e dos fogos de artifício. Por isso, tivemos que consertar, mas, ei, o álbum soa incrível, não é?”, explicou, defendendo-se da alegação de que ‘Alive!’ não é, de fato, ao vivo.
Ninguém esperava que o álbum fizesse tanto sucesso. “Achávamos que venderia umas 300 mil ou 400 mil cópias, já que muitos fãs acompanhavam o Kiss, mas acabou estourando. Nunca mais aquela banda foi a mesma”, refletiu o produtor.
Kiss e Eddie Kramer no futuro
Apesar de não ter sido contratado para o álbum seguinte, ‘Destroyer’ (1976), Eddie Kramer trabalhou com o Kiss em várias outras ocasiões e é lembrado com carinho pelos músicos e fãs como um produtor competente. Ele comandou as gravações de ‘Rock and Roll Over’ (1976), ‘Love Gun’ (1977), ‘Alive II’ (1977) e ‘Alive III’ (1993), além do disco solo do guitarrista Ace Frehley, de 1978.
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“Gravamos ‘Rock and Roll Over’ no Star Theatre, em Nova York, e foi bem divertido. Ace chegava e falava: ‘ei, Curly, olha essas luzes todas’. Daí, pegava uma pistola pneumática e atirava nas lâmpadas. Era insano. Gravamos naquele grande espaço com um caminhão”, relembrou ele sobre ‘Rock and Roll Over’.
Kramer pontua, ainda, que o Kiss estava tocando bem melhor quando gravou ‘Alive II’. “Na época, o caminhão usado para gravações era um pouco melhor e a banda estava mais afiada. As coisas realmente melhoraram, assim como a tecnologia. Gravamos algumas coisas no Japão, mas não era para lançar como um álbum ao vivo e, sim, para um programa de TV japonês”, disse.
Eddie Kramer e Ace Frehley
Um ponto de destaque da relação entre Eddie Kramer e o Kiss é a amizade que ele desenvolveu com Ace Frehley. Além de produzir o mencionado álbum solo de 1978, Kramer trabalhou nos álbuns ‘Frehley’s Comet’ (1987) e ‘Trouble Walkin’’ (1989), lançados quando o guitarrista já estava fora da banda.
Foi com Eddie Kramer, inclusive, que Ace Frehley se sentiu confiante para gravar os vocais de sua primeira música no Kiss: ‘Shock Me’, que saiu no álbum ‘Love Gun’. Por isso, Kramer foi chamado para produzir o primeiro disco solo do guitarrista.
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“Ele estava sempre um pouco autoconsciente sobre cantar, mas isso mudou no álbum solo dele. Fomos ao Plaza Sound gravar alguns overdubs e falei para ele cantar deitado no chão com um travesseiro na cabeça. Ele estava com uma cerveja em uma mão e uma arma na outra, aí começou a cantar e se sentia mais confortável. Ele foi ficando cada vez mais à vontade e quando terminamos aquela música, ele já estava de pé. Ace é um grande músico. Pode não ser o melhor cantor do mundo, mas ele tem muita personalidade”, disse.