“Essa é a minha frase!”, protestou, aos risos, o vocalista Robin Zander, quando citei que o Cheap Trick é a “banda de abertura mais popular do mundo”. Justiça seja feita: a frase é dele mesmo, que ainda definiu seu grupo como “o quinto favorito de todo mundo”.
Modéstia à parte, Zander e seus colegas – o guitarrista Rick Nielsen, o baixista Tom Petersson e o baterista Daxx Nielsen, filho de Rick – sabem que o Cheap Trick ainda desperta muito interesse por parte dos fãs. Trata-se de uma das bandas americanas de hard rock mais cultuadas de todos os tempos.
E mesmo com o longo tempo de carreira, os caras não querem parar. Eles lançam, nesta sexta-feira (9), o 20º álbum de estúdio do Cheap Trick: “In Another World”, que chega a público por meio da gravadora BMG.
Ouça a seguir, via Spotify:
Em entrevista exclusiva ao IgorMiranda.com.br, Robin Zander falou a respeito do novo trabalho e do momento atual do Cheap Trick. O vocalista contou que todas as músicas de “In Another World” foram gravadas antes da pandemia do novo coronavírus, mas que o material não saiu antes porque a ideia era lança-lo quando a banda pudesse voltar às turnês.
“Faz quase dois anos que o álbum foi feito. Então, ele reflete aqueles tempos, os 4 anos de divisão nos Estados Unidos (nota do editor: sob a gestão do agora ex-presidente Donald Trump). É uma coincidência que esteja sendo lançado durante a pandemia, pois concluímos tudo antes dela. As exceções foram o título e a capa. Acho que a gravadora queria adiar, pois queriam que a gente saísse em turnê e divulgasse o álbum. Eles não sabiam que a pandemia iria demorar tanto – aliás, ninguém sabia.”
Apesar da espera relativamente longa para lançar o álbum – os antecessores de “In Another World”, chamados “We’re All Alright!” e “Christmas Christmas” (com covers natalinos), saíram em 2017 –, o Cheap Trick liberou algumas músicas como singles digitais nesse ínterim. São elas: “The Summer Looks Good on You”, em 2018, e a versão para “Gimme Some Truth”, original de John Lennon, já em 2019.
Cover de John Lennon com Steve Jones
Vale destacar, aliás, que “Gimme Some Truth” foi a primeira faixa gravada para “In Another World”. A regravação conta com a participação do guitarrista Steve Jones, famoso pelo trabalho com o Sex Pistols, conforme recorda Zander:
“Fiz uma demo dessa música em casa, pois eu tinha uma ideia em cima dela. Queria mudá-la um pouco, deixá-la mais rock. Trabalhamos a demo em estúdio, mudando a tonalidade e os acordes. Steve Jones, do Sex Pistols, participou tocando nessa música. Foi muito legal. Nós demos uma entrevista para ele, em Los Angeles, enquanto estávamos gravando o álbum. Perguntamos a ele qual foi a última vez que ele havia feito algum show e ele respondeu: ‘ah, não tenho muitas chances de fazer isso nos dias de hoje’. Então, perguntamos: ‘por que você não vem e toca em nosso disco?’. E ele disse: ‘ok’. Acho que ele é um dos guitarristas mais subestimados da história.”
O diferencial de “In Another World”
Como o Cheap Trick lançou tantos álbuns, não é sempre que um trabalho será tão diferente do outro. Como toda banda veterana, eles encontraram um caminho sonoro e não abrem mão desse estilo.
Por isso, ao ser perguntado sobre qual seria a grande diferença entre “In Another World” e o disco de inéditas anterior, “We’re All Alright”, Robin Zander respondeu inicialmente:
“Há músicas diferentes (risos).”
Depois, claro, deu uma resposta de verdade:
“Acho que, basicamente, é a mesma coisa. Nós não mudamos. O Cheap Trick é a mesma banda, sempre foi a mesma banda. O álbum é um reflexo do que está em nosso entorno. Apenas pintamos uma imagem do que vemos. Há três compositores na banda. Tenho dois gênios próximos a mim: Rick Nielsen e Tom Petersson. Então, tudo o que preciso fazer é cantar.”
Discordamos nesse sentido. Comentei que senti “In Another World” como um álbum mais guiado pelas composições, pelos refrães, pelos ganchos melódicos. Enquanto isso, “We’re All Alright” parece colocar a guitarra de Rick Nielsen (ainda mais) na linha de frente.
Robin Zander não concordou, nem discordou:
“Depende das músicas que você está falando. ‘Light Up The Fire’ é, definitivamente, orientada pela guitarra, assim como ‘Boys & Girls & Rock N Roll’. Não sei se tudo isso seja um fato, mas talvez nosso álbum anterior tenha um pouco mais de guitarra… não tenho certeza. Não sei se concordo, no fim das contas. Somos uma banda de guitarra. Somos uma banda de rock.”
Química e longevidade do Cheap Trick
O que nunca muda no Cheap Trick é sua química. Robin Zander, Rick Nielsen e Tom Petersson trabalham juntos desde 1974, apesar do baixista ter ficado fora da banda entre 1980 e 1987. Daxx Nielsen assumiu o posto de baterista a partir de 2010, após o afastamento de Bun E. Carlos, e parece ter oferecido uma injeção adicional de energia ao grupo.
Tudo isso resultou em um momento atual de bastante produtividade para o Cheap Trick. Quatro álbuns foram lançados em cinco anos: “Bang, Zoom, Crazy… Hello” (2016), os já mencionados “We’re All Alright” e “Christmas Christmas” e o novo “In Another World”.
Zander aponta que a banda não pretende deixar de lançar álbuns, diferentemente de muitos de seus contemporâneos no rock.
“Acho que sempre fomos uma banda que faz turnês, grava álbuns e gosta de compor músicas. Acredito que quando perdermos isso, a banda terá acabado. Não haverá motivo para continuar.”
Se dependesse do vocalista, inclusive, mais álbuns seriam lançados, o que evitaria hiatos criativos como o vivenciado entre 2009 e 2016, em que nenhum disco foi divulgado pela banda.
“Por termos continuado a fazer álbuns ao longo dos anos, além de termos feito turnês por 45 anos, nos inspiramos uns com os outros. Nos juntamos, fazemos álbuns e essa inspiração é mostrada. O nível de energia nesse álbum está alto. Acho que, às vezes, esperamos demais para gravar um disco (risos). Há um medo de não termos músicas o suficiente, material o suficiente. Mas assim que entramos em estúdio, começamos a compor. É incrível como as coisas se dão.”
Volta à estrada
Sem poder fazer turnês como nos “velhos tempos” (que saudade do mundo pré-pandemia), o Cheap Trick projeta com cuidado seus planos de divulgação para “In Another World”.
Robin explica:
“Vamos gravar um show ao vivo com algumas músicas do novo álbum em Nashville (Estados Unidos). Também vamos fazer alguns shows na Austrália. Serão os primeiros shows nossos em alguns anos. Somos como você, somos como todo mundo: estamos presos aqui por mais de um ano. Tem sido complicado para todos. Acho que todos gostaríamos de assistir a shows ao vivo e ter alguma diversão. Chegaremos lá.”
E será que existe alguma chance de termos a turnê de “In Another World” no Brasil? Se a pandemia permitir, sim, poderemos ver a “banda de abertura mais popular do mundo” – desta vez, não como uma atração de abertura.
“(Risos) Essa (‘a banda de abertura mais popular do mundo’) é a minha frase! Sim, pretendemos voltar e fazer um show solo, em um local menor ou algo do tipo. Somos a quinta banda favorita de todo mundo. Não enchemos estádios por conta própria – até enchíamos antes, mas não nos dias de hoje. Por isso, fazemos turnês com os grandões, como Lynyrd Skynyrd e Deep Purple.”
As menções ao Deep Purple e Lynyrd Skynyrd não foram feitas por acaso. A única passagem do Cheap Trick pelo Brasil ocorreu em 2017, com o festival itinerante Solid Rock, que trazia o Purple e o Tesla no line-up. Na ocasião, a banda de Robin Zander não estava nos planos do evento – só entraram na escalação de shows porque o Skynyrd precisou cancelar suas apresentações.
O vocalista, como esperado, abriu um sorrisão ao lembrar-se da turnê pelo Brasil, que passou por Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro:
“Foi muito divertido (risos). A comida era ótima. Conhecemos o Lynyrd Skynyrd desde sempre. Ficamos felizes em podermos ajudar, fazendo a substituição naquela ocasião. O Deep Purple é uma banda amiga há muito, muito tempo. Você ficaria surpreso ao perceber que o mundo do rock é um mundo bem pequeno. Todos nos conhecemos, especialmente aqueles como nós, que estão na estrada há tanto tempo. Quando há um problema com alguém, temos prazer em poder ajudar.”
Duas curiosidades sobre o Cheap Trick
A entrevista ainda rendeu duas respostas curiosas por parte de Robin Zander com relação a trabalhos passados do Cheap Trick. A primeira revela qual é o álbum mais subestimado da banda, na opinião dele:
“Acho que o primeiro álbum, o homônimo, ‘Cheap Trick’, de 1997, é provavelmente o mais subestimado. Apenas porque quando o fizemos, o álbum foi lançado duas semanas antes da gravadora fechar as portas. Então, a distribuição não foi a que gostaríamos. Como resultado, foi um dos trabalhos de vendas mais baixas da nossa carreira. Além disso, por conta do título ser apenas ‘Cheap Trick’, houve confusão nas lojas com relação ao nosso primeiro trabalho, também homônimo, de 1977.”
Ainda em um momento “teste de memória”, o vocalista comentou sobre a ocasião em que o Cheap Trick gravou a música de abertura da série de TV “That ‘70s Show”, da Fox. Exibido em oito temporadas divididas entre 1998 e 2006, o programa trazia como tema, a partir de seu segundo ano, uma versão da música “In the Street”, do Big Star, tocada por Zander e seus parceiros (no vídeo a seguir, a partir de 28seg).
“Oh, preciso me lembrar. Nós a gravamos em Los Angeles. A banda que compôs a música é o Big Star. Quando nos pediram para gravar, apenas dissemos: ‘claro’. Aconteceu que um dos produtores da série tinha como sobrenome Zander – um sobrenome bem legal (risos). Ficamos felizes em podermos gravar. Foi muito divertido.”
“In Another World” está disponível em todas as plataformas digitais via BMG.
Bela entrevista. O disco que ele diz ser o mais subestimado é Cheap Trick de 1997 que tem o mesmo nome do LP de estreia de 1977. A gravadora (independente) Red Ant faliu duas semanas após o lançamento do CD o que atrapalho todo a divulgação.