O Rush encerrou suas atividades em 2018, mas sua despedida do estúdio veio 6 anos antes, com “Clockwork Angels”. O trabalho não foi apenas aclamado pela crítica, como também mostrou que o trio ainda podia entregar peso em suas complexas melodias.
Toda a produção de “Clockwork Angels” foi feita entre turnês, o que tornou mais lento o processo, iniciado em 2009. Isso acabou atrasando o lançamento, mas a espera foi recompensada.
Em seu álbum anterior, “Snakes & Arrows” (2007), o Rush havia apostado em uma sonoridade mais “arroz com feijão” – o que não significa simplicidade, necessariamente, quando se fala do trio canadense.
O desafio para o próximo álbum era soar não apenas mais pesado, como, também, mais orgânico – algo que muitos fãs sentiam falta nos álbuns do Rush há alguns anos.
Clockwork Angels: primeiro e último álbum conceitual
Discos conceituais, que contam uma história através das músicas, não são raros no rock progressivo. Porém, até então, o Rush nunca havia optado por esse caminho.
A banda apostou em temas específicos para alguns álbuns no passado, ou resumiu os conceitos em suítes que ocupavam um lado inteiro do LP – como em “2112” (1976) e “Hemispheres” (1978) – mas nunca havia lançado um trabalho totalmente conceitual. Até agora.
Como de costume, as letras de “Clockwork Angels” ficaram a cargo do baterista Neil Peart, como de costume, enquanto Alex Lifeson (guitarra) e Geddy Lee (vocais, baixo, teclados) cuidavam da parte musical.
Peart costumava trazer influências de seus autores de ficção favoritos. Contudo, dessa vez, ele criou o conceito de forma um pouco mais livre.
As influências estavam na ambientação: um mundo pós-apocalíptico, com uma pegada “steampunk”, movido por máquinas a vapor, ao mesmo tempo em que elementos místicos, como a alquimia, se faziam presentes. A ideia pode ser notada na capa do álbum: cada um dos 12 símbolos alquímicos do relógio representa uma das 12 músicas.
Como curiosidade, vale notar que os ponteiros marcam 9h12, ou 21h12, em uma referência ao álbum “2112”.
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Posteriormente, o conceito do disco chegou a ser trabalhado pelo escritor Kevin J. Anderson, amigo de Neil Peart, transformando-se em um livro, que saiu no Brasil com o título “Clockwork Angels – Os Anjos do Tempo”. A obra ganhou uma sequência, “Clockwork Lives”, e uma adaptação em quadrinhos.
Resgatando o peso do Rush
As gravações de “Clockwork Angels” foram divididas em duas etapas, separadas pela bem-sucedida turnê “Time Machine”, de 2010, na qual o Rush executava o álbum “Moving Pictures” (1981) na íntegra.
A partir da segunda parte da turnê, o trio já começou a tocar ao vivo duas das novas músicas que estavam prontas: “BU2B” e “Caravan”.
A banda entrou em estúdio em abril de 2010, novamente sob a produção de Nick Raskulinecz, que já havia trabalhado em “Snakes & Arrows”. A orientação geral era a de que os três músicos fizessem suas partes de forma solta e direta, com encorajamento mútuo.
Alex Lifeson foi crucial para a sonoridade de “Clockwork Angels”. O guitarrista dando um direcionamento mais cru para seu instrumento e limitando o uso de “camadas”, algo que era tão comum no som do Rush.
Orquestra de um homem só
Neil Peart também apostou em um jeito novo de gravar a bateria, sendo literalmente “regido”, como uma orquestra, pelo produtor Nick Raskulinecz. O baterista falou sobre as sessões em um relato publicado em seu site oficial:
“Eu tocava cada música algumas vezes por conta própria, checando os padrões e partes que poderiam funcionar, então chamava ‘Booujzhe’ (Nick Raskulinecz).
Ele ficava na sala comigo, de frente para a minha bateria, com uma estante de partitura e uma só baqueta – ele era meu maestro e eu era a orquestra dele… eu atacava a bateria, respondendo ao entusiasmo dele e suas sugestões entre os takes, e juntos nós acertamos a arquitetura básica daquela parte.”
Despedida digna
A turnê “Time Machine” acabou indo além do planejado, até julho de 2011, atrasando a conclusão das gravações.
Dessa forma, “Clockwork Angels” saiu em 12 de junho de 2012, sendo precedido por dois singles: o primeiro trazia “BU2B” e “Caravan”, as duas músicas que a banda já estava tocando ao vivo. O segundo foi “Headlong Flight”, que sintetiza bem a sonoridade do álbum. “The Wreckers”, “The Anarchist” e “The Garden” também saíram como canções promocionais na sequência.
O álbum foi elogiado por apresentar o retorno a uma sonoridade mais direta, orientada ao hard rock, mas sem abrir mão do alto nível técnico dos músicos. Era, essencialmente, Rush.
No Canadá, terra natal do trio, o disco alcançou um merecido 1º lugar nas paradas. Outras boas colocações incluem a 2ª posição nos Estados Unidos, além da 4ª colocação na Noruega e na Finlândia e 8ª na Suécia.
A turnê de divulgação começou ainda naquele ano e rendeu um álbum ao vivo, intitulado “Clockwork Angels Tour” (2013), onde o disco foi executado quase na íntegra. Na ocasião, o Rush contou com um conjunto orquestral, regido por David Campbell.
“Clockwork Angels” seria o último álbum de estúdio do Rush, que encerrou as atividades em 2018, devido à batalha contra o câncer travada por Neil Peart, embora o fato não tenha sido divulgado na época. O baterista e letrista morreu em janeiro de 2020.
* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta, edição geral e argumentação-base por Igor Miranda; redação geral, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.
em minha opinião um dos melhores e mais surpreendentes albuns de despedida da história da musica, uma obra prima para encerrar com galhardia uma carreira primorosa de um dos melhores combos musicais de nosso tempo