A Fundação Nacional de Artes (Funarte) causou polêmica ao justificar, em um parecer técnico, a recusa para colaborar, por intermédio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), com um festival de jazz que seria realizado na Bahia.
O Festival de Jazz do Capão é realizado desde 2010 na região da Chapada Diamantina e contou com o apoio do governo por mais de uma vez. Agora, porém, o evento não terá a colaboração estatal porque declarou ser “contra o fascismo, o racismo e nenhuma forma de opressão e preconceito”.
O parecer da Funarte foi emitido em 25 de junho desse ano, embora tenha repercutido na imprensa somente nos últimos dias. Ao argumentar a recusa, o órgão cita uma fala do compositor clássico Johann Sebastian Bach, que afirmava que “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”.
“Por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus. […] A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador.”
O próprio posicionamento do Festival de Jazz do Capão em relação ao fascismo e ao racismo, publicado na página oficial do evento no Facebook em junho de 2020, foi levado em consideração pela Funarte.
“Destarte, conforme consta no link https://www.facebook.com/FestivJazzCapao/, localizamos uma postagem do dia 1º de junho de 2020, com uma imagem, contendo um slogan para ‘divulgação’, com a denominação de Festival de Jazz do Capão, na plataforma Facebook, a qual complementou os fundamentos para emissão deste Parecer Técnico. Para tanto, printamos a imagem e a mesma foi encaminhada para à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, para upload no Salic, como complementação da apreciação deste parecer.”
O órgão governamental é o mesmo que já foi alvo de polêmicas recentes, quando seu então presidente, o maestro Dante Mantovani, associou o rock and roll à cultura do aborto e ao satanismo.
Festival de Jazz do Capão
O Festival de Jazz do Capão acontece desde 2010 e já trouxe vários nomes de peso da música brasileira e internacional. Surgido com apoio do Ministério da Cultura, o evento teve, em edições anteriores, shows de Ivan Lins, Hermeto Pascoal, João Bosco, Dori Caymmi e Michaella Harrison, entre outros.
Ao G1, um dos organizadores do festival, Rowney Scott, repudiou o parecer da Funarte com base na publicação no Facebook. O produtor cultural enfatizou o caráter laico do Estado brasileiro e criticou a análise estritamente religiosa feita sobre o caso.
“A postagem não foi feita com recursos públicos e não ataca diretamente ninguém, pelo contrário, fortalece a importância da democracia no nosso país. Por outro lado, o parecer tende a reduzir a função e características da Música a uma apreciação sob um aspecto unicamente religioso, cerceando a imensurável capacidade dessa forma de arte de expressar a humanidade em toda a sua complexidade e beleza. Isso nos causa muito estranhamento, sobretudo sendo o Brasil, sob a tutela da sua Constituição Federal, um Estado laico.”
Apoio de Paulo Coelho
Em meio à repercussão do caso, a Fundação Coelho & Oiticica, mantida pelo escritor Paulo Coelho, se disponibilizou a financiar o evento. O único pedido feito pela ONG é que o festival “seja antifascista e pela democracia”.
“A Fundação Coelho & Oiticica se oferece para cobrir os gastos do Festival do Capão, solicitados via Lei Rouanet (R$ 145.000). Entrem em contato via DM pedindo a alguém que sigo aqui que me transmita. Única condição: que seja antifascista e pela democracia.”