Desde sua fundação em 1985, o Guns N’ Roses nunca ficou tanto tempo sem subir num palco como no hiato entre 1993 e 2001. O retorno da banda do vocalista Axl Rose, agora acompanhado de outros músicos, ocorreu em dois atos: em apresentação intimista em Las Vegas, entre as últimas horas do ano 2000 e as primeiras do ano seguinte, e em gigantesca performance na terceira edição do Rock in Rio, no dia 14 de janeiro.
As notas de abertura de “Welcome to the Jungle” ecoavam pela House of Blues de Las Vegas quando Rose cumprimentou as 2 mil pessoas no local. Os presentes desembolsaram entre 150 e 250 dólares cada para testemunhar o primeiro show oficial do Guns em sete anos e meio.
Mesmo as quase três horas de atraso, em pleno Réveillon na Cidade do Pecado, não impediram o vocalista e a versão repaginada de sua banda – que agora incluía os guitarristas Buckethead, Paul Tobias e Robin Finck, o baixista Tommy Stinson, o baterista Bryan Mantia e os tecladistas Dizzy Reed e Chris Pitman – de serem recebidos sob ruidosos aplausos.
O repertório de quase duas horas antecipou o que fãs testemunhariam dias depois em solo brasileiro: ênfase total em “Appetite for Destruction” (1987), álbum representado com dez de suas doze músicas. De “Use Your Illusion” (1991) foram quatro faixas, incluindo as famosas versões para “Live and Let Die” (Wings) e “Knockin’ on Heaven’s Door” (Bob Dylan). “Patience” foi a única representante do EP “GN’R Lies” (1989).
Mas o que chamou mesmo a atenção da multidão – além do físico de Rose – foram as estreias ao vivo de algumas músicas previstas para o vindouro disco “Chinese Democracy”. Foram elas: “Street of Dreams” (à época apresentada como “The Blues”), “Riad N’ the Bedouins” (que Axl fizera em resposta às “mentiras” contadas sobre ele pela ex-mulher Erin Everly no tribunal) e a faixa-título.
Completaram o repertório da noite “Oh My God” (feita para a trilha sonora do filme “Fim dos Dias”, de 1999) e “Silkworms”, que ressurgiria das profundezas de forma revisada duas décadas mais tarde sob a alcunha de “Absurd”.
Do cassino à praia
Duas semanas depois, Axl Rose e cia. estavam de volta ao Rio de Janeiro para encerrar o terceiro dia do Rock in Rio 2001. Estima-se que 240 mil eram os presentes na Cidade do Rock naquele 14 de janeiro para as apresentações de Pato Fu, Carlinhos Brown (hostilizado pelo público, que o atacou a garrafadas enquanto gritava exaustivamente “Fora! Fora!”), Ira! com Ultraje a Rigor, Papa Roach, Oasis e do Guns N’ Roses, que subiu ao palco com duas horas de atraso.
Embora na ocasião a multidão tenha esperado pacientemente, o desconforto levou a organização do Rock in Rio a incluir uma “cláusula de atraso” nas vindas posteriores. Não que tenha surtido muito efeito: em 2011, o Guns entrou no palco às 2h40 da manhã. Representantes da banda culparam tanto a forte chuva quanto a “produção inadequada do festival”, mas é inegável o quanto o histórico de Rose depõe contra ele em situações do tipo.
“F*ck Guns N’ Roses”
O set tocado no Rio de Janeiro foi praticamente o mesmo de Las Vegas. Contudo, a apresentação na capital fluminense foi marcada por momentos no mínimo curiosos.
Durante “It’s So Easy”, a segunda da noite – ou devo dizer madrugada? –, Axl ordenou que os seguranças expulsassem da plateia um garoto que estava vestindo uma camiseta que dizia “F*ck Guns N’ Roses” (“F*da-se o Guns N’ Roses”). Sim, eram esses os dizeres, ainda que uma lenda urbana garanta que a peça de roupa do cidadão trouxesse apenas o rosto do então ex-guitarrista Slash.
Após a música seguinte, “Mr. Brownstone”, o vocalista valeu-se da oportunidade para falar sobre seus ex-colegas de banda:
“Sei que vocês estão desapontados porque alguns dos membros que conheciam e gostavam (o guitarrista Slash e o baixista Duff McKagan) não estão com a gente hoje aqui. Apesar de tudo o que ouviram, temos trabalhado muito. Sinto-me tão desapontado quanto vocês, mas não conseguimos, como o Oasis, encontrar um caminho onde todos pudessem se entender bem. Eu digo, que se f*da!”
Outros momentos peculiares
Mais adiante, Robin Finck surpreendeu a todos falando português e tocando um cover de “Sossego”, de Tim Maia. Uma escolha inusitada dado seu histórico junto ao industrial Nine Inch Nails e o visual gótico que ostentava não obstante o calor infernal que fazia no Rio de Janeiro.
O virtuoso Buckethead também fez sua graça, e em dose dupla e nada rock ‘n’ roll. Primeiro, sacou um nunchaku e realizou uma exibição ao melhor estilo Bruce Lee. Depois, arriscou um estilo de dança robô ao som da mesma música eletrônica que se tornaria onipresente na assinatura musical da banda.
Como se não bastasse tanta presepada, a presença de passistas e ritmistas da escola de samba Unidos do Viradouro assegurou que parte das garrafas de água consumidas nas últimas horas realizasse voos precisos em direção ao palco.
Emoção à flor da pele
A noite também foi marcada por uma estreia. “Madagascar”, outra das músicas previstas para “Chinese Democracy”, fez seu debute ao vivo, com direito a Axl empunhando uma guitarra durante a passagem instrumental que inclui samplings do filme “Rebeldia Indomável” (1967) – o mesmo utilizado na introdução de “Civil War”, de “Use Your Illusion” – e do famoso discurso “Eu tenho um sonho”, do pastor e ativista Martin Luther King.
Mas o melhor ainda estava por vir. Quase ao final do show, depois de uma “Paradise City” ilustrada no telão por fotos de Maracanã, Corcovado e outros cartões-postais da Cidade Maravilhosa, um Axl sem camisa, barrigudo e com a bandana vermelha de outrora chamou ao palco sua “mãe adotiva brasileira” Beta Lebeis, responsável pela tradução simultânea de toda a apresentação, para um abraço emocionado seguido de choro.
Eis o discurso de Axl na íntegra:
“Eu gostaria de dizer que sem todo o amor e apoio de uma pessoa, eu não estaria aqui hoje. Na América, pelos últimos sete anos, a banda tem sido cuidada, nos ensaios, gravações, contratos e em todo tipo de aporrinhação que costumo causar, por uma família brasileira. Esta é Elisabeth Lebeis, Beta, minha assistente pessoal, que com seus três filhos, Alexandre, Vanessa e Fernando, tem sido uma mãe para mim, minha empresária, e uma babá sempre à minha disposição e da banda. Agradeço a ela e agradeço a todos vocês por ela. Fiquem em paz. Eu amo vocês. E nos aguardem no próximo verão com uma porrada de músicas novas. Sejam bons uns com os outros que nos veremos em breve. Boa noite!”
Aparentemente não fomos tão bons assim: o Guns N’ Roses levaria nove anos para voltar ao Rio de Janeiro. Ou talvez os próprios músicos não foram: novas mudanças de formação deixaram a banda fora dos palcos por mais vezes.
Fato é que o grupo de Axl Rose tem uma relação especial com o Brasil – e o show no Rock in Rio 2001 reflete isso de muitas maneiras.
Guns N’ Roses no Rock in Rio 2001
Show realizado no dia 14 de janeiro de 2001, na Cidade do Rock, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
- Welcome to the Jungle
- It’s So Easy
- Mr. Brownstone
- Live and Let Die (cover dos Wings)
- Oh My God
- Think About You
- You Could Be Mine
- Solo de guitarra de Robin Finck (com trecho de “Sossego”, cover de Tim Maia Cover)
- Sweet Child o’ Mine
- Knockin’ on Heaven’s Door (cover de Bob Dylan)
- Madagascar
- Primeiro solo de guitarra de Buckethead (Big Sur Moon)
- November Rain
- Out ta Get Me
- Rocket Queen
- Chinese Democracy
- Segundo solo de guitarra de Buckethead (Chicken Binge)
- The Blues (futuramente chamada Street of Dreams)
- Patience
- Nightrain
Primeiro bis:
- My Michelle
- Silkworms (futuramente chamada Absurd)
Segundo bis:
- Paradise City
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Fico feliz em ler sobre este show, lembro de ver gente correndo como manada em direção ao palco, quando os riffs de “Welcome to te Jungle” ecoaram.
Surreal saber só agora que o Buckethead tocou com o Guns. Como ninguém ainda revelou quem é ele? Ele não foi flagrado em bastidores ou em viagens com a banda?
Buckethead é Brian Patrick Carroll, ex-aluno de Paul Gilbert (Mr. Big). Há fotos dele no Google. Dê uma pesquisada por lá. Abs!