Entre tantas apresentações históricas, a primeira edição do Rock in Rio, realizada em 1985, marcou o início da relação de amor entre o Brasil e o Iron Maiden, uma das mais aguardadas atrações internacionais do evento.
O então quinteto tocou na noite de 11 de janeiro, a primeira do festival. Apresentaram-se logo antes do Queen, que fechou a noite, mas que ao contrário do Maiden faria mais um show no dia 18.
Aliás, dos artistas estrangeiros, o Iron Maiden foi o único que tocou apenas uma noite no Rock in Rio. O motivo é fácil de compreender: o grupo estava no auge de sua popularidade na época, bem no meio da World Slavery Tour, turnê que promovia o álbum “Powerslave” (1984) e que acabou se tornando uma das maiores já realizadas pela banda.
Em aproximadamente um ano, foram quase 200 shows em um ritmo de logística frenético. O show no Rock in Rio representou um desvio de cerca de 8 mil quilômetros, já que a banda tocou na América do Norte quatro dias antes e três dias depois da vinda ao Brasil.
O “circo” do Iron Maiden era gigantesco na época, com direito a palco com a temática egípcia do disco e uma série de efeitos especiais. Eram tantas peculiaridades que reza a “lenda” que o show começou exatamente às 23h58min da noite, ou seja, “2 Minutes to Midnight”. E esse foi apenas um dos vários detalhes que chamaram atenção do público.
A noite complicada de Bruce Dickinson
Apesar do show elogiadíssimo, o Iron Maiden viveu uma noite meio “Spinal Tap” no palco no Rock in Rio – especialmente o vocalista Bruce Dickinson, que precisou lidar com uma série de incidentes naquela noite.
Logo na abertura com “Aces High”, a voz de Dickinson parece levemente alterada. Em pelo menos dois momentos ao longo do show, foi possível vê-lo assoando o nariz. Estaria ele resfriado? De qualquer forma, a performance melhorou logo em seguida, mas aquilo era apenas o começo de uma curiosa e incômoda saga.
Ao conferir a filmagem (transmitida na época pela TV Globo e lançada anos depois como um extra do vídeo “Live After Death”, 1985), dá para notar em vários momentos que Bruce tem um diálogo ou até mesmo uma discussão em microfone aberto. Essas situações ocorrem entre solos e introduções e mostram que o cantor enfrenta um problema justamente com o tal microfone – algo que só é solucionado de vez nas últimas músicas do set.
Além disso, outros dois incidentes também marcaram a noite. Um deles ocorreu em “Revelations”, quarta canção do repertório. Era quando Dickinson ficava responsável por tocar uma terceira guitarra, oferecendo uma base a Dave Murray e Adrian Smith. Ao levantar o instrumento em uma interação com o público, ele acabou acertando a si próprio entre os olhos, o que lhe rendeu um corte na face.
O sangue derramado era visível, mas Dickinson seguiu firme. Pouco tempo depois, na sétima faixa do set, mais “perrengues”: um efeito do palco que deveria acender chamas na frente do cantor em “Powerslave” pareceu não funcionar direito. Além da demora, o fogo não se apagou como deveria e o vocalista teve que interpretar o refrão enquanto pisoteava alguns pequenos focos de incêndio.
De modo geral, o frontman do Iron Maiden parecia um tanto ansioso no palco, seja pela multidão de 300 mil fãs, seja pelos problemas técnicos. Em função disso, são recorrentes pequenos erros em letras de músicas e tempo dos vocais – algo que certamente não é comum na impecável performance dele.
O “satânico” e competente Iron Maiden
Apesar desses pequenos detalhes, o show foi de altíssimo nível. A presença de Eddie no palco e a performance de músicas como “The Number of the Beast” levaram os veículos de comunicação da época a rotularem o Iron Maiden como “satânica”. Mas nem mesmo essa propaganda contrária (e enganosa) apagou o impacto daquela performance, que contou com o seguinte setlist:
- Intro – Churchill’s Speech
- Aces High
- 2 Minutes to Midnight
- The Trooper
- Revelations
- Flight of Icarus
- Rime of the Ancient Mariner
- Powerslave
- Solo de guitarra de Dave Murray
- The Number of the Beast
- Hallowed Be Thy Name
- Iron Maiden
- Bis: Run to the Hills
- Bis: Running Free
- Bis: Sanctuary
A lista de músicas não é tão diferente do que já vinha rolando na World Slavery Tour. Entretanto, ainda vale a pena notar alguns detalhes. Um deles é o solo de guitarra após “Powerslave”, algo raro e até impensável nos shows mais recentes da banda, com Dave Murray mostrando sua técnica junto de um breve acompanhamento de Nicko McBrain na bateria.
A versão múmia do já comentado Eddie surgiu mais ao fim do show, na clássica “Iron Maiden”, que encerrava a etapa principal da apresentação. No bis, uma trinca matadora: “Run to the Hills”, “Running Free” e “Sanctuary”.
E assim, com algumas trapalhadas, muitos “scream for me, Brazil” e “cantem comigo” ditos em português num forte sotaque britânico, começou a história de amor entre o Brasil e o Iron Maiden.
Primeira de muitas
Apesar da correria da turnê, os integrantes do Iron Maiden tiveram tempo para conhecer os principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. Em entrevista de 2018 ao jornal O Estado de S. Paulo, Bruce Dickinson relembrou a atmosfera caótica da primeira edição do festival – o que para ele, foi um ponto positivo.
“Havia mais gente do que eu jamais vi em um só lugar em toda a minha vida. Era uma atmosfera de um pouquinho de caos, talvez não tão organizado quanto a maioria dos festivais, mas isso o tornou melhor. Porque todo mundo estava tão entusiasmado e tão maluco que as coisas estavam acontecendo. Foi um momento fantástico.”
O desvio gigante na World Slavery Tour para show único no Brasil valeu a pena. A banda conquistou uma popularidade enorme por aqui e voltou em várias outras oportunidades: em 1992, 1996, 1998, 2001 (de novo para o Rock in Rio), 2004, 2008, 2009, 2011, 2013 (incluindo mais uma vez o Rock in Rio), 2016 e 2019 (mais uma vez também no festival).
Até mesmo a agenda futura do Maiden conta com o Brasil no itinerário. Mais uma vez, o grupo retorna para o Rock in Rio, em edição de 2022, no que deve ser sua quinta apresentação no festival.
* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.
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