A escalação do primeiro Rock in Rio, em 1985, é até hoje lembrada pelo peso de suas atrações principais. Uma delas era Ozzy Osbourne, que vivia grande momento em carreira solo e ainda oferecia extravagâncias que entraram para o folclore do heavy metal.
Ozzy foi o primeiro artista estrangeiro a assinar contrato com Roberto Medina para tocar no Rock in Rio. O documento, cuja primeira página chegou a ser divulgada nas redes sociais do festival em 2019, tem ares de lenda: há quem diga que havia uma cláusula proibindo o Madman de comer morcegos no palco, em referência a um acidente ocorrido três anos antes.
Pouco apreço pelo Rio
Como em boa parte da década de 80, Ozzy estava quase sempre “daquele jeito”. Dessa forma, provavelmente não deve ter muitas lembranças dos dois shows que fez no festival, nos dias 16 e 19 de janeiro de 1985.
Em sua autobiografia, “Eu Sou Ozzy”, o vocalista faz uma breve citação ao Rock in Rio e revela uma primeira impressão bem negativa a respeito das ruas do Rio de Janeiro.
“O show era o Rock In Rio, um festival de dez dias com Queen, Rod Stewart, AC/DC e Yes. Um milhão e meio de pessoas compraram ingressos. Mas eu fiquei desapontado com o lugar. Tinha esperado ver a Garota de Ipanema em cada esquina, mas não vi nenhuma. Havia só um monte de crianças pobres correndo pelo lugar como ratos. As pessoas eram ou absurdamente ricas ou viviam nas ruas – parecia não haver nada no meio.”
Uma reportagem do jornalista britânico Mick Wall, que veio ao país para cobrir o Rock in Rio, reforça de forma ainda mais verborrágica essa imagem pouco positiva que o Madman teve da Cidade Maravilhosa.
“Ozzy passa por mim e apertamos a mão um do outro. ‘O que você está achando até agora?’, eu pergunto. De saco cheio, ele me encara: ‘Eu, particularmente, acho que o Rio é uma p*rra duma m&rda. É uma p0rra duma privada, não é? A comida é horrível, você não pode beber a água e eu não posso sair do hotel, porque senão vou ser assaltado. Ficarei feliz quando for embora. Te digo uma coisa, eu sinto muito mesmo por Ronnie Biggs (ladrão de trens envolvido no maior assalto da história do Reino Unido e que se refugiou no Brasil após fugir da cadeia na Inglaterra) estando aqui! Sei que as pessoas dizem que ele fez coisas ruins pelas quais ele nunca foi punido, mas, p%ta que pariu, ter que passar o resto da vida nesse lugar deve ser pior! Eu preferiria ter cumprido minha pena antes de eu vir correndo pra essa p@rra de lugar. Honestamente, eu preferiria’. Com olhar preocupado, ele completa: ‘E te digo outra coisa. Eu tô com uma p&rra duma c^ganeira desde que cheguei aqui’. E ele sai andando para uma mesa no canto, de volta para sua água mineral e sua esposa.”
Ozzy Osbourne no Rock in Rio 1985
Um dos segredos para o sucesso de Ozzy Osbourne em sua carreira solo foi estar sempre acompanhado de um time de músicos acima da média. No início de 1985, isso não era diferente.
Naquela época, a banda solo do Madman era composta por Jake E. Lee (o primeiro substituto de Randy Rhoads a permanecer na formação) na guitarra, Bob Daisley no baixo, Tommy Aldridge na bateria e Don Airey nos teclados. Os dois últimos já estavam prestes a sair do grupo.
O vocalista divulgava seu terceiro álbum solo, “Bark at the Moon” (1983), embora apenas duas músicas desse trabalho estivessem presentes no repertório. A maior parte do setlist era composto por faixas de sua estreia, “Blizzard of Ozz” (1981). Ainda havia espaço para duas canções do Black Sabbath – ele ainda era muito associado à banda, especialmente no Brasil.
O repertório da primeira noite foi o seguinte:
- I Don’t Know
- Mr. Crowley
- Bark at the Moon
- Over the Mountain
- Revelation (Mother Earth)
- Steal Away (The Night)
- Suicide Solution
- Centre of Eternity
- Solo de bateria de Tommy Aldridge
- Flying High Again
- Iron Man
- Crazy Train
- Paranoid
A lista de músicas foi a mesma para a segunda data. A única alteração foi a retirada do solo de Tommy Aldridge.
As apresentações mostraram o que de melhor o Madman tinha na época, com a banda muito afiada. As naturais desafinações e as interações com o público mescladas com correria também estiveram presentes na performance do cantor, que chegou a usar uma camisa do Flamengo com as mangas cortadas em uma das datas.
De morcego a galinha
É claro que a atenção de todos tinha relação com a cláusula do morcego no contrato. E em alguns momentos, muita gente achou que Ozzy Osbourne não a respeitaria.
Na primeira noite, alguém conseguiu jogar uma galinha viva no palco, para a apreensão de todas as sociedades protetoras dos animais que já viam a apresentação no Rock in Rio com maus olhos. Mas o cantor não incomodou a ave, que ficou sem saber o que fazer naquele lugar e logo foi retirada.
Os shows no festival carioca foram os únicos realizados por Ozzy em 1985 e os últimos da turnê de “Bark at the Moon”. No ano seguinte, o Madman apostaria em um som ainda mais glam no álbum “The Ultimate Sin”, mas não retornaria ao Brasil em turnê.
A volta ocorreria apenas 10 anos depois, para outro festival, o Monsters of Rock 1995. Ainda rolaram outras quatro visitas, nos anos de 2008, 2011, 2015 e 2018 – nenhuma delas no Rock in Rio.
* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.
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Bastantes curiosidades legais. Grande matéria. Estou me tornando leitor assíduo dos conteúdos.
Obrigado, Rafael!
A matéria foi muito bem redigida. Mas as datas posteriores a 2011 não foram em 2013 e 2016 com o Black Sabbath?
Obrigado, Rômulo! Não, essas datas se referem a visitas em carreira solo. Ele veio em 2015 no Monsters of Rock e 2018 como atração única, sem festival.