A edição inaugural do Rock in Rio, realizada em janeiro de 1985, entrou para a história como um dos maiores festivais do mundo e o primeiro desse porte no Brasil. Em meio às atrações, é inegável que o Queen roubou a cena nos dois dias em que tocou.
Freddie Mercury (voz), Brian May (guitarra), John Deacon (baixo) e Roger Taylor (bateria) entregaram apresentações apoteóticas, com toda a pompa que consagrou a banda no exterior. E eles conseguiram fazer isso apesar dos conflitos internos que os colocavam uns contra os outros nos bastidores.
Na época, os britânicos já estavam em sua fase mais pop, tendo lançado o álbum “The Works” no ano anterior. As duas performances renderam a eles um cachê de 600 mil dólares – o maior daquela edição do festival.
O investimento era alto, mas praticamente garantido: os britânicos quebraram o recorde de público do evento, tocando para aproximadamente 300 mil pessoas no dia 11 e outras 250 mil em 18 de janeiro. Não foi surpresa, já que eles também lotaram duas noites seguidas no estádio do Morumbi quatro anos antes, em 1981, na estreia do grupo em nossas terras.
Os shows no Rock in Rio foram realmente antológicos, mas nem tudo foi fácil na passagem do Queen pela Cidade do Rock.
O furacão Freddie Mercury
Freddie Mercury até parecia bem à vontade durante a famosa entrevista concedida à repórter Glória Maria. Entretanto, a convivência com ele no backstage do festival foi bastante problemática.
As exigências de Mercury eram do tipo que os produtores de shows no Brasil não estavam acostumados a atender. Até as bebidas tinham temperatura exata para serem servidas. Além disso, o cantor queria ter exclusividade nos espaços onde transitava.
Um dos “chiliques” aconteceu quando ele viu artistas brasileiros como Erasmo Carlos, Elba Ramalho e Ney Matogrosso circulando na área comum, próximos de seu camarim. A reclamação foi levada a Amin Khader, produtor responsável pela recepção aos músicos. O profissional disse que todos aqueles artistas eram do mesmo nível que o frontman do Queen. A resposta do cantor se tornou famosa e até “folclórica”:
“Não são, porque eles me conhecem e eu não os conheço. Você tem cinco minutos para tirar todos de lá, senão meus seguranças farão isso.”
A atitude gerou mal-estar no backstage e Freddie foi alvo de ofensas homofóbicas em português – que ele certamente reconheceu como xingamentos, apesar de não entender o significado.
Amin também precisou atender o vocalista do Queen quando, ao chamá-lo para seu camarim, perguntou com um sorriso no rosto se furacões costumavam passar pelo Brasil. Quando o produtor entrou no local, deparou-se com um verdadeiro cenário de guerra: tudo estava jogado, com direito até a frutas espatifadas no teto.
Os outros integrantes do Queen também ficaram em camarins individuais, já que praticamente não se falavam naquela época. Em tempos sem internet e celulares, mensagens eram levadas por pessoas designadas na equipe apenas para isso, circulando pelas salas com o intuito de evitar contato entre os quatro músicos.
Shows históricos
No palco, a situação mudava completamente – e para a melhor. Não havia dúvidas de que quando era o momento de se apresentar ao vivo, aqueles caras entregavam tudo o que tinham.
Apesar das quase duas horas de atraso, o Queen subiu ao palco do Rock in Rio pela primeira vez em 11 de janeiro e entregou um show histórico. O repertório completo (que você vê abaixo) era focado no álbum mais recente, mas ainda assim soava primoroso e diversificado, com um passeio por várias fases da banda.
- Machines (Or ‘Back to Humans’) (Introdução)
- Tear It Up
- Tie Your Mother Down
- Under Pressure
- Somebody to Love
- Killer Queen
- Seven Seas of Rhye
- Keep Yourself Alive
- Liar
- Ay‐Oh
- It’s a Hard Life
- Dragon Attack
- Now I’m Here
- Is This the World We Created…?
- Love of My Life
- Guitar Solo
- Brighton Rock (Reprise)
- Another One Bites the Dust
- Mustapha (Intro)
- Hammer to Fall
- Crazy Little Thing Called Love
- Bohemian Rhapsody
- Radio Ga Ga
- Bis 1: I Want to Break Free
- Bis 1: Jailhouse Rock (Elvis Presley cover)
- Bis 2: We Will Rock You
- Bis 2: We Are the Champions
- Bis 2: God Save the Queen (Encerramento)
Para a segunda noite, em 18 de janeiro, a única mudança foi a inclusão de um momento de improviso de Freddie Mercury e Brian May, que foi chamado de “Rock in Rio Blues”.
Nas duas noites, a banda fazia dois momentos “bis”. O primeiro trazia “I Want To Break Free” e o cover de Elvis, enquanto o segundo era representado por “We Wil Rock You” e “We Are the Champions”, seguido do tape de “God Save the Queen”.
“I Want to Break Free”, sucesso de “The Works”, foi um dos momentos mais lembrados das apresentações. Freddie Mercury usava a peruca e os seios falsos, em um visual parecido com o do clipe da música. Na metade da década de 1980, isso era algo significativo para ser exibido na TV aberta – e muita gente se chocou quando viu.
Mas provavelmente o momento mais lembrado do Queen no Rock in Rio foi a execução da balada “Love of My Life”, com o público cantando a plenos pulmões. Os integrantes do grupo ficaram visivelmente impressionados com a recepção. A cena entrou para a história do festival – e da banda, sendo retratada até na cinebiografia “Bohemian Rhapsody”, de 2018.
Um bom treino
Ninguém imaginava na época, mas os shows do Rock in Rio marcariam também a despedida da formação clássica do Queen do Brasil. A banda realizou shows até 1986, pois a saúde de Freddie Mercury se deteriorava a cada ano por conta da Aids – o vocalista morreu em novembro de 1991.
Meses após o festival carioca, o Queen ainda realizou outra performance emblemática, mas no estádio de Wembley, em Londres, para o evento beneficente Live Aid. Em apenas 20 minutos, o quarteto fez aquele que é considerado por muitos como o melhor show de rock da história.
Para Brian May, isso tem relação direta com o shows no Brasil meses antes, como ele disse em entrevista ao canal de YouTube Raised on Radio (transcrição via Ultimate Guitar).
“As coisas eram diferentes naquela época. O Live Aid foi ao vivo de verdade, a maioria nem trazia seu próprio equipamento: caixas de som, luzes, tudo era compartilhado. Todos deixaram os egos de lado. E muitas coisas deram errado na parte técnica. Paul McCartney sofreu, não dava para ouvi-lo. Por sorte, tínhamos uma boa equipe técnica e demos nosso melhor. E estávamos prontos, pois tocamos em estádios na América do Sul e no Japão. Nós sabíamos como fazer aquilo.”
Certamente, os fãs brasileiros ficam felizes em ter ajudado o Queen a fazer história!
* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.
Parabéns pela matéria mas dizer que o show do Queen no Live Aid foi o melhor show de rock da história é complicado, hein?
Tem literalmente um estudo que diz isso:
https://igormiranda.com.br/2021/04/queen-live-aid-show-mais-popular-estudo/
A matéria está boa, mas definitivamente nem o show do 1º festival Rock in Rio, nem o Live Aid ’85 foram as melhores performances do Queen. Anos atrás li em algum lugar(estou procurando de novo) que Freddie teria dito que sua voz não estava sob melhor momento por algum motivo, no Rio de Janeiro.
E o Live Aid foi um importante festival, claro, mas Queen fez um ”show curtinho pra Televisão”, com algumas musicas incompletas. Não fizeram aquilo pensando num ‘disco ao vivo’.
Live at Wembley ’86 foi muito superior e mais completo, tanto em qualidade de áudio dos equipamentos, quanto no vigor das performances.
Eu tenho até hoje, o CD duplo de 1992, e o DVD Live at Wenbley Stadium (25th Anniversary Edition) – com opção de áudio em DTS 5.1 surround multichannel.
Por isso não me surpreendi quando o próprio Brian May disse que, a banda atingiu um patamar elevado de performances na Magic Tour 1986. Acabou sendo uma grande despedida do Freddie Mercury com o grupo.
E não foi apenas, por causa da doença que Freddie parou de fazer shows com o Queen. Ele também queria realizar coisas na carreira que, com a banda sob intensos compromissos de viagens em turnês mundiais não haveria tempo hábil.
Os membros da banda se ”uniram” totalmente após o diagnóstico. E seguiram trabalhando em discos estúdio, com todas as musicas creditadas entre todos eles —como se pode verificar nos discos ”1989 – The Miracle”, e ”1991 – Innuendo”.