É possível dizer que o Whitesnake foi a atração mais improvável da primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Todavia, o acaso acabou se tornando também um grande acerto.
David Coverdale e seus comandados estavam no início de sua fase mais popular e a participação – que só aconteceu graças ao cancelamento do Def Leppard – foi o início de uma ótima ligação com o Brasil.
Def Leppard e a lenda urbana
Criou-se com o tempo uma espécie de “lenda urbana” sobre a ausência do Def Leppard no Rock in Rio: muitos fãs acreditam que o acidente de carro sofrido pelo baterista Rick Allen, em 31 de dezembro de 1984, resultou no cancelamento. Como já mostramos aqui, isso não é verdade.
O grupo desistiu de se apresentar na Cidade Maravilhosa porque estava atrasado com as gravações do que se tornaria o álbum “Hysteria” (1987). Não à toa, a mudança no line-up foi anunciada antes do acidente que fez Allen perder um de seus braços.
Segundo o próprio Coverdale em entrevista ao G1, em 2019, as duas bandas eram agenciadas pela mesma pessoa, Rod MacSween, o que certamente facilitou a substituição.
“A gente tinha o mesmo empresário. Ainda temos. Acho que o Roberto Medina ligou para o Rod para resolver e ele falou que tinha outro artista que podia mandar no lugar. E aí ele me ligou e perguntou: ‘você quer ir para o Brasil?’.”
Novo festival, nova atração e nova fase
A alteração no line-up não trouxe grandes perdas, pois o Whitesnake vinha em uma fase tão boa quanto a de seus colegas. A banda de David Coverdale estava encerrando a turnê de divulgação de “Slide it In” (1984), álbum que representou uma guinada na carreira do grupo.
Foi a partir desse álbum – especialmente após a remixagem e o lançamento dele nos Estados Unidos – que o grupo abandonou suas raízes mais blueseiras, ou pelo menos passou a misturá-las com um hard rock mais contemporâneo à época. O “glam metal” daqueles tempos foi introduzido de vez no disco homônimo de 1987, mas “Slide It In” deu início a esse processo de mudança.
Com a nova pegada, o projeto de Coverdale atingiu um nível de popularidade inédito até então. E a nova formação que acompanhava o cantor parecia preparada para o novo momento: eram os talentosos John Sykes (guitarra), Neil Murray (baixo) e Cozy Powell (bateria), além de Richard Bailey fazendo os teclados atrás do palco.
“Isso é o sucesso” do Whitesnake
No Brasil, David Coverdale foi surpreendido por um convite inusitado para gravar um jingle comercial da marca de cigarros Hollywood. Os parceiros seriam ninguém menos que a banda brasileira Roupa Nova.
Quem viveu a época certamente se lembra do comercial com a voz do Whitesnake dizendo “aqui é David Coverdale do Whitesnake e isso é o sucesso” com seu forte sotaque britânico.
Também ao G1, Coverdale relembrou:
“Recebi uma mensagem perguntando se eu poderia gravar uma música para o ‘Hollywood sucesso’ (marca de cigarro Hollywood, que fazia coletâneas chamadas ‘O sucesso’). Saí mais cedo do hotel e fui gravar com super músicos de estúdio brasileiros (a banda Roupa Nova).
Acho que isso entrou no rádio e na TV por um tempo. Mas eu escrevi a letra como meu sentimento mesmo. ‘Every time you hear this song, remember me. When I am far away for you, remember me’ (‘Toda vez que você ouvir essa música, lembre-se de mim / Quando eu estiver longe de você, lembre-se de mim’). Acharam que era sobre cigarros, mas era uma mensagem para o público daí.”
Merchan à parte, os shows do Whitesnake no Rock in Rio aconteceram nos dias 11 e 19 de janeiro. O mesmo repertório foi tocado em ambas as noites.
“Slide it In” foi o álbum mais lembrado e por ser também o mais conhecido do público, suas versões ao vivo funcionaram muito bem. Coverdale estava em grande forma e acompanhado por uma banda de altíssimo nível, logo, não tinha como dar errado.
O setlist foi o seguinte:
- Walking in the Shadow of the Blues
- Guilty of Love
- Ready an’ Willing
- Love Ain’t No Stranger
- Crying in the Rain
- Solo de guitarra (John Sykes)
- Ain’t No Love in the Heart of the City
- Slow an’ Easy
- Slide It In
- Don’t Break My Heart Again
O sucesso transcendeu os palcos: John Sykes chegou a ser eleito o “mais bonito” do festival em revistas da época.
Relação de amor com o Brasil
O Whitesnake demorou a visitar o Brasil de novo: voltaram apenas em 1997, durante a turnê de “Restless Heart”, em uma época em que a banda funcionava já bem mais como um projeto solo de David Coverdale.
A partir da década seguinte, quando as coisas ficaram com mais cara de banda, as passagens ficaram frequentes. Rolaram shows no país em 2005, 2008, 2011, 2013, 2016 e 2019, quando retornaram ao Rock in Rio e ainda fizeram uma extensa turnê por fora.
O vocalista e líder do grupo não esconde seu amor pelo país e frequentemente interage com fãs brasileiros nas redes sociais, não raro compartilhando até memes e vídeos de “pegadinhas” de programas de TV do Brasil. Para uma história que começou “por acaso”, isso definitivamente é “o sucesso”.
* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.