Em dezembro de 2003, os editores da revista Rolling Stone escolheram “Rumours”, do Fleetwood Mac, como o 26º maior álbum de todos os tempos. Em resumo perfeito, o texto da publicação aponta que a banda “transformou a tempestade particular das vidas dos integrantes em arte reluzente”.
Em sua autobiografia, “Play On Now, Then and Fleetwood Mac”, ainda inédita no Brasil, o baterista Mick Fleetwood escreve:
“Quando começamos a escrever as músicas que entrariam em ‘Rumours’, estávamos todos em pedaços. Depois de sete anos de casados, John [McVie, baixista] e Christine [McVie, vocalista e tecladista] haviam se separado; o relacionamento de quatro anos de Lindsey [Buckingham, guitarrista] e Stevie [Nicks, vocalista] havia chegado ao fim; e meu casamento [com a modelo e atriz Jenny Boyd] estava a caminho do divórcio.”
Embora fosse o décimo-primeiro álbum de estúdio do Fleetwood Mac, “Rumours” seria apenas o segundo do grupo com a sua formação mais célebre. Havia, porém, uma meta alta a ser batida: o disco antecessor “Fleetwood Mac” (1975), que marcou a estreia de Buckingham e Nicks a bordo, dera à banda seu primeiro topo nas paradas dos Estados Unidos, com mais de cinco milhões de cópias vendidas, e rendera três singles no top 20.
Com “Rumours”, o Fleetwood Mac não apenas sustentou tal número, como dobrou a meta ainda no primeiro mês. O estilo pop-folk-rock adotado, em completo desvio às raízes blueseiras do grupo, caiu no gosto popular. Além disso, o sabor agridoce das letras reverberou naqueles que, além da forma, buscam na música conteúdo.
Os rompimentos
Dois casais se separaram pouco antes das gravações de “Rumours”. Como já mencionado, John e Christine McVie deram fim ao seu casamento de sete anos após seis meses de turnês incessantes para divulgar o álbum anterior. Por sua vez, Lindsey Buckingham e Stevie Nicks romperam com a relação que mantinham desde a década de 1960, quando começaram a trabalhar juntos – e muito antes de se juntarem à banda.
O processo poderia ter resultado em inúmeros momentos de tensão. Contudo, em grande parte graças aos produtores Richard Dashut e Ken Caillat, todo o ressentimento foi canalizado para as músicas.
O álbum foi todo construído a partir de sobreposições de instrumentos individuais, já que a banda, além do mais afundada em drogas, não estava em condições de gravar ao mesmo tempo. Segundo Nicks:
“Quando você termina com alguém, você não quer ver essa pessoa. Você não quer tomar café da manhã com ela, vê-la o dia todo e a noite toda, e tudo mais dia após dia. [A gravação] durou treze meses e exigiu toda a força interior que tínhamos. Foi muito difícil para nós. Foi como ser refém no Irã e, de certa forma, Lindsey era o aiatolá.”
“Canções-gêmeas”
Stevie Nicks define “Go Your Own Way” e “Dreams”, os dois maiores sucessos de “Rumours”, como “canções-gêmeas”. Em entrevista à Mojo, a vocalista explicou seu ponto de vista:
“‘Dreams’ e ‘Go Your Own Way’ são o que eu chamo de ‘canções-gêmeas’. São a mesma música escrita por duas pessoas sobre o mesmo relacionamento.”
Composta por Buckingham, “Go Your Own Way” é chamada pela Rolling Stone de “a quintessência do Fleetwood Mac”. Primeiro single de “Rumours”, a faixa descreve o término do relacionamento com Nicks do ponto de vista do guitarrista; ele conclui que se sai melhor sem ela e que ela pode seguir seu próprio caminho que para ele tanto faz.
“Fiquei bem ressentida por ele ter dito ao mundo que galinhar [‘shacking up’] com diferentes homens era tudo o que eu queria fazer”, disse Nicks à Mojo, garantindo que, ao contrário do que diz a letra e reza a lenda, nunca traiu Buckingham. Por mais que tenha insistido para que o ex mudasse o verso, ele se recusou a fazê-lo.
Em resposta a “Go Your Own Way”, Nicks criou “Dreams”, segundo single do disco. Seu maior trunfo seria se tornar a única música do Fleetwood Mac a chegar ao topo das paradas dos Estados Unidos.
Ao contrário de Buckingham, que não teve papas na língua nas acusações, a vocalista preferiu adotar um tom mais filosófico, “nas entrelinhas”, na letra que escreveu. Sua memória é vívida quanto ao passo a passo que resultou na canção, conforme narrado à Blender em 2005:
“Um dia, quando não fui requisitada no estúdio principal, peguei um Fender Rhodes e entrei em outro estúdio que diziam pertencer ao Sly, do Sly and the Family Stone. Era uma sala preta e vermelha, com um vão no meio onde havia um piano e uma grande cama ao estilo vitoriano coberta de veludo preto. Sentei-me na cama com o Rhodes na minha frente, encontrei um padrão de bateria, liguei meu pequeno toca-fitas e escrevi ‘Dreams’ em cerca de dez minutos.
[…] Entreguei a fita para o Lindsey; só eu cantando sozinha e tocando piano. Por mais que estivesse bravo comigo na época, Lindsey apertou o play e então olhou para mim e sorriu. O que estava acontecendo entre nós era triste. Éramos um casal fadado ao fracasso. Mas, como músicos, ainda nos respeitávamos – e conseguimos algumas músicas brilhantes em razão disso.”
Com a palavra, Christine McVie
“Don’t Stop” e “You Make Loving Fun”, respectivamente terceiro e quarto single de “Rumours”, guardam em comum o fato de terem sido escritos por Christine McVie.
Sem recorrer ao sentimentalismo, a tecladista e vocalista escreveu “Don’t Stop”, na qual propõe uma virada de página ao futuro ex-marido John, que só soube tê-la inspirado muito tempo depois, segundo depoimento à Mojo:
“Nunca liguei os pontos. Foram anos tocando essa música até que alguém me dissesse: ‘A Chris escreveu essa letra sobre você.’ ‘É mesmo?’.”
Paralelamente, Christine começou a sair com o técnico de iluminação da banda, Curry Grant. O affair resultou em “You Make Loving Fun”.
Em junho de 2009, Mick Fleetwood brincou com a revista Q dizendo:
“Conhecendo John, ele provavelmente pensou que [‘You Make Loving Fun’] era sobre um de seus cães.”
Mas a principal contribuição de Christine para o álbum foi a bela “Songbird”, que compôs no meio da madrugada e gravou sozinha na manhã seguinte. Em 2015, ela contou a história para a Mojo:
“Eu tinha um pequeno piano elétrico ao lado da minha cama e acordei uma noite por volta das 3h30 e comecei a tocá-lo. Letra e música ficaram prontas em cerca de 30 minutos. Foi como um presente dos céus, mas eu não tinha como gravá-la. Temi que fosse esquecê-la caso dormisse. Então voltei para a cama e me mantive acordada. […] No dia seguinte, entrei no estúdio tremendo feito vara verde porque eu sabia que era algo especial. Pedi ao Ken, [Caillat, coprodutor/engenheiro de som de ‘Rumours’ e pai da cantora pop Colbie Caillat] para que ligasse o gravador de dois canais porque queria gravar essa música o quanto antes!”
Ainda que o tom seja de melancolia, a tecladista assegura que “Songbird” não teve origem em seus problemas conjugais.
“Não é sobre ninguém em particular; mas serve para todos. Muitas pessoas tocam [‘Songbird’] em seus casamentos ou bar mitzvahs ou no enterro de seus cachorros. É universal. É sobre você e mais ninguém. É sobre você e o resto do mundo. É assim que gosto de escrever músicas. Se pudesse escrever mais músicas assim, seria a pessoa mais feliz do mundo”.
Ao vencedor, a longevidade
O sucesso de “Rumours” projetou o Fleetwood Mac para o reino dos superastros. Mesmo canções que não foram single, como o hino à infidelidade “The Chain” ou a ode às drogas “Gold Dust Woman”, fazem parte da cultura popular de hoje em dia.
A primeira delas, em especial, toca duas vezes no filme “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (2017) e vira e mexe é incluída em algum episódio de seriado. Recentemente, “O Sétimo Guardião”, da Rede Globo, promoveu novo resgate da faixa, popularizando-a junto ao público das telenovelas no Brasil.
Transparecer mágoa e perda nunca foi tão lucrativo. Com quase 30 milhões de cópias vendidas, “Rumours” ainda é um dos discos mais bem-sucedidos de todos os tempos. Pena, para o Fleetwood Mac, que o sucessor “Tusk” (1979) com seu ar de autoindulgência, acabou passando longe em números e distante do coração dos fãs.
Fleetwood Mac – “Rumours”
* Lançado em 4 de fevereiro de 1977 pela Warner Music.
- Second Hand News
- Dreams
- Never Going Back Again
- Don’t Stop
- Go Your Own Way
- Songbird
- The Chain
- You Make Loving Fun
- I Don’t Want to Know
- Oh Daddy
- Gold Dust Woman
Músicos:
- Lindsey Buckingham (vocal, guitarra, dobro, percussão)
- Stevie Nicks (vocal)
- Christine McVie (vocal, teclados, sintetizador)
- John McVie (baixo)
- Mick Fleetwood (bateria, percussão, cravo elétrico na faixa 11)
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