Depois de embarcar em sua carreira solo, Ace Frehley não deu lá muita bola ao que estava acontecendo com o Kiss. Como conta na autobiografia “Não me arrependo” (Belas Letras, 2020):
“O início dos anos 1980 foi um período problemático, até que formei minha nova banda, o Frehley’s Comet. Foram anos desperdiçados em grande parte com drogas e álcool. Todo esse período passou como um borrão, pois eu me isolava em casa. Tentei manter meu nariz limpo (por assim dizer).”
Raramente focado, Frehley trabalhou intermitentemente em novas músicas até ter material suficiente para um álbum, mas não estava em condições de gravar.
“Eu acordava de manhã e, se não estivesse de ressaca, juraria passar o dia escrevendo e gravando. Invariavelmente, o trabalho dava lugar a pesca, bebida e a ficar na m#rda. Eu abria a primeira cerveja no meio da manhã e tomava alguns analgésicos para aliviar a ressaca. Se começasse a me sentir cansado, dava uma cheirada. Em seguida, tranquilizantes à noite para pegar no sono. Logo meu uso de drogas estava fora de controle.”
Do divórcio ao cometa
Um novo começo se fazia necessário, e parte do processo envolveu o divórcio com Jeanette, com quem se casou em 1976, e mudar-se para o quadragésimo terceiro andar de um arranha-céu no Upper West Side de Nova York.
Com Anton Fig na bateria, John Regan no baixo, Arthur Stead nos teclados e Richie Scarlet na segunda guitarra, Ace estabeleceu a formação original do Frehley’s Comet. O quinteto gravou várias demos e fez alguns shows em caráter de teste na região metropolitana da Big Apple em 1985.
Sacando o potencial comercial da nova empreitada, Eddie Trunk — sim, o jornalista —, à época profissional de Artístico & Repertório (A&R) da Megaforce Records, ofereceu a Frehley um contrato de gravação. O guitarrista não pensou duas vezes antes de assinar.
Com Tod Howarth substituindo Scarlet e Eddie Kramer na produção, reeditando a parceria do álbum solo de Ace lançado ainda com o Kiss em 1978, o Frehley’s Comet deu início aos trabalhos utilizando quatro estúdios diferentes no decorrer do processo. Em seu livro, Ace conta:
“Trabalhei intensamente no primeiro disco do Frehley’s Comet, coproduzindo com Eddie e compondo sozinho ou em parceria oito das dez músicas do álbum. Antes mesmo de terminar, eu sabia que tinha feito alguns dos melhores trabalhos da minha carreira e estava ansioso para ver como ele seria recebido pelo público.”
Para quem estava fora de cena havia cinco anos, a recepção não poderia ter sido melhor. Lançado em 27 de abril de 1987, o disco “Frehley’s Comet” vendeu mais de 500 mil cópias e alcançou o número 43 na parada de álbuns da Billboard.
Com o Diabo na carona
O single de maior sucesso de “Frehley’s Comet” foi “Into the Night”, de Russ Ballard — mesmo autor de “New York Groove”, hit do disco solo de Ace —, mas a música que melhor sobreviveu ao implacável teste do tempo foi outra.
Escrita por Frehley em parceria com Chip Taylor — autor de “Wild Thing”, do The Troggs —, “Rock Soldiers” evoca imagens de um acidente de carro que quase matou o guitarrista e o baterista Anton Fig.
Por mais convincente que a descrição em primeira pessoa seja, a letra não está em total acordo com os eventos. Começando pelos primeiros versos, que dizem “It was back in the summer of ’83 / There’s a reason I remember it well” (em português: “Foi no verão de 83 / Há uma razão pela qual me lembro bem”). Nem tão “well” assim: o acidente ocorreu de fato na primavera de 1982.
Mais adiante, Frehley afirma que “[t]he Devil sat in the passenger’s side / Of DeLorean’s automobile” (em português: “[o] Diabo se sentou no banco do carona / Do DeLorean”), sendo que quem estava no banco do carona era o próprio guitarrista, com Fig ao volante. Por último, mas não menos importante, o carro era um Porsche, não um DeLorean.
Vale observar que Frehley teve um incidente não relacionado enquanto dirigia seu DeLorean em 1983, mas não houve acidente, apenas uma prisão por dirigir embriagado.
Acenos ao Kiss
Outro destaque do repertório de “Frehley’s Comet” é “Breakout”. Coescrita pelo baterista Eric Carr durante as gravações de “Music from ‘The Elder’” (1981), do Kiss, a instrumental seria usada como base da homenagem “Carr Jam 1981” presente em “Revenge” (1992).
No disco de Frehley, a música conta com letra escrita por Richie Scarlet cantada por Tod Howarth. Segundo Scarlet, em entrevista para os autores de “Partners in Crime” (2019) Alex Bergdahl e Carl Linnaeus, a única contribuição de Ace com a letra foi nos versos “The food here sucks / I am not about to wait” (em português: “A comida aqui não presta / Não vou ficar esperando”).
Mas os vínculos com o Kiss não param por aí: a faixa derradeira de “Frehley’s Comet”, “Fractured Too”, é uma continuação de “Fractured Mirror”, número que encerra o supracitado disco solo de Ace de 1978.
Cometa raríssimo
Para promover o álbum, o Frehley’s Comet caiu na estrada, percorrendo os Estados Unidos de ponta a outra e parte do Canadá. Durante a turnê, Ace gravou seu primeiro ao vivo (“Live +1”), começou um relacionamento com a modelo Kim Howe e deu início à pré-produção de “Second Sighting”, que saiu em 1988 – e não repetiu a boa performance comercial do debut homônimo, fazendo com que o Comet encerrasse atividades ainda naquele ano.
Frehley’s Comet – “Frehley’s Comet”
- Rock Soldiers
- Breakout
- Into the Night
- Something Moved
- We Got Your Rock
- Love Me Right
- Calling to You
- Dolls
- Stranger in a Strange Land
- Fractured Too
Músicos:
Ace Frehley (vocal, guitarra)
Tod Howarth (vocal, guitarra0, teclados)
John Regan (baixo, backing vocals)
Anton Fig (bateria, percussão)
Músicos adicionais:
Robert Sabino (teclados)
Gordon G.G. Gebert (sintetizador e samples nas faixas 2, 4 e 8)
Chay Lentin, David Spinner, Frank Simms, Lara Kramer, Monique Frehley, Tom Ayers (backing vocals)
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