A história da formação do Rainbow nas palavras de Ronnie James Dio

Relação profissional do então vocalista do Elf com o guitarrista Ritchie Blackmore teve início após o Deep Purple recusar-se a regravar “Black Sheep of the Family”, do Quatermass

No início dos anos 1970, muito antes de integrar bandas como o Rainbow e o Black Sabbath, Ronnie James Dio exibia seu impressionante talento vocal à frente do Elf. O quinteto de blues rock teve seu primeiro álbum, homônimo, lançado pelo selo do Deep Purple, a Purple Records, em 1972, e produzido por dois de seus integrantes, o baixista Roger Glover e o baterista Ian Paice.

Conforme o próprio Ronnie relata na autobiografia “Rainbow in the Dark”, lançada no Brasil em 2021 pela editora Estética Torta:

“Como estávamos no selo da banda e era do interesse dela tornar o disco um sucesso, fomos convidados para abrir alguns shows para o Purple nos Estados Unidos. […] Começamos com nove apresentações. […] Depois disso, o Purple voltou à turnê no Reino Unido, mas quando retomaram a outra etapa da turnê pelos Estados Unidos, em novembro, o Elf estava lá novamente para abrir: treze shows dessa vez, incluindo dois no Canadá.”

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Com Glover novamente na produção, o álbum de 1974, “Carolina County Ball” — também conhecido como “L.A. 59” nos Estados Unidos e no Japão — apresentou um Elf ainda melhor. Mais uma vez a banda abriu para o Purple e chamou a atenção do guitarrista Ritchie Blackmore.

“Abrir para o Deep Purple em uma grande turnê americana foi como voltar para a escola novamente. Musicalmente e em termos de performance, aprendemos com os mestres, especialmente Ritchie Blackmore. Sua presença de palco e sua aura incrível, junto com a enorme habilidade em sua Fender Stratocaster branca, que era sua marca registrada, tornaram-se os padrões pelos quais agora nos avaliávamos.”

Apenas mais um álbum, “Trying to Burn the Sun”, de 1975, seria lançado pelo grupo. Mas não era o fim daquela história.

Abaixo à ovelha-negra de Ritchie Blackmore

O alvoroço que o Elf causou no Deep Purple foi tamanho — e tal era o relacionamento crescente entre as duas bandas — que Ronnie James Dio e cia. também apareceram como convidados no álbum solo de Roger Glover, “The Butterfly Ball and The Grasshopper Feast”. Não foi surpresa, então, quando Ritchie Blackmore decidiu estreitar ainda mais os laços com Dio.

Quando, durante as gravações do álbum “Stormbringer” no final de 1974, os outros membros do Purple vetaram com veemência a sugestão de Blackmore de que fizessem um cover da faixa “Black Sheep of the Family”, do Quatermass, ele decidiu entrar em estúdio com os membros do Elf e gravá-la por conta própria.

Dio recorda:

“Uma noite, Ritchie me perguntou se eu já tinha ouvido uma música chamada ‘Black Sheep of the Family’ e fiquei surpreso ao saber que era uma das minhas favoritas de um, então pouco conhecido, grupo de rock progressivo inglês chamado Quatermass […] Alguns dias depois, fui contatado pelo escritório do Deep Purple e perguntado se estaria disposto a cantar ‘Black Sheep of the Family’ para a gravação que Ritchie queria fazer. Uau. Eu não tinha previsto isso. Por outro lado, suponho que mostrei meu valor, aos olhos dele, com o trabalho que fiz com Roger, no ‘Butterfly Ball’.”

A gravação, que contou com Matthew Fisher, do Procol Harum, nos teclados, correu bem. Mas então tudo ficou quieto e Ronnie não ouviu mais nada sobre isso até meses depois.

“Ritchie decidiu que ia lançar a versão de ‘Black Sheep of the Family’ que gravamos como single solo. Ele queria que o Purple a gravasse, mas a banda rejeitou a ideia. Estavam em outra pegada agora. O segundo álbum da era Coverdale-Hughes, ‘Stormbringer’, que tinha acabado de ser lançado, estava mais inclinado para uma fusão rock-funk, e Ritchie não estava curtindo nada. Acima de tudo, acho que se sentiu ofendido com o fato de os novos caras terem assumido a direção musical do Purple.”

Jon Lord bem que tentou…

O single “Black Sheep of the Family” repercutiu bem. Seu lado B, “Sixteenth Century Greensleeves”, que havia sido composta por Blackmore e Dio, mostrou que havia potencial na parceria.

O guitarrista, então, decidiu ir em frente e produzir um álbum completo com o Elf.

“Quando Ritchie me chamou num canto e começou a falar sobre como estava pensando agora, além de apenas fazer um single solo, que tinha uma ideia para um ‘tipo de banda mais focada’ que queria desenvolver nos últimos anos, que ele acreditava que eu era o cantor e parceiro certo para esse tipo de empreitada, precisei de todas as minhas forças para não pular de alegria.”

Ainda que o tecladista do Purple, Jon Lord, tenha tentado convencer Ronnie de que o Elf tinha um grande futuro — e que dizer não a Ritchie, caso ele o pedisse para cantar em seu novo projeto, era a escolha mais sábia a fazer —, a chance de unir forças com o guitarrista e toda a atenção que a mídia daria a tal empreitada provou-se irresistível

“Se Ritchie Blackmore queria que eu trabalhasse com ele, eu definitivamente não recusaria. […] Embora as palavras de Jon ainda soassem em meus ouvidos, era uma oferta que simplesmente não podia recusar. […] Eu faria 33 anos em breve, já era velho, em termos de ainda tentar fazer sucesso no mundo da música. […] Depois de três álbuns decentes, e comercialmente malsucedidos [com o Elf], eu sabia que era apenas uma questão de tempo, antes que a brincadeira acabasse.”

Blackmore então completaria o processo absorvendo o Elf – exceto pelo guitarrista Steve Edwards – sob uma nova alcunha. Craig Gruber no baixo, Gary Driscoll na bateria e Micky Lee Soule nos teclados formariam, com Ronnie e Ritchie, o projeto em questão.

Rainbow, uma homenagem ao bar

Um dos lugares favoritos de Ritchie Blackmore era um bar em Los Angeles, Califórnia, chamado Rainbow; espécie de ponto de encontro de personalidades do rock da época. Foi durante uma confraternização no Rainbow que ele e Dio decidiram formar uma banda e batizá-la com o nome do bar. Nascia o Ritchie Blackmore’s Rainbow.

“Sim, o nome era por causa do bar.”

https://www.instagram.com/p/Cdj_moIr4Lf/

Desfecho inevitável

Blackmore finalmente anunciou sua decisão de deixar o Deep Purple em abril de 1975, surpreendendo um total de zero pessoas. Enquanto o Purple iniciou os testes que finalmente resultaram na entrada de Tommy Bolin, o Rainbow radicou-se no Musicland Studios em Munique, Alemanha, para trabalhar em seu álbum de estreia.

A formação que gravou o disco “Ritchie Blackmore’s Rainbow” se desintegrou logo após as sessões. Ritchie manteve apenas Ronnie e dispensou todo o resto. As vagas foram ocupadas por Jimmy Bain (baixo), Cozy Powell (bateria) e Tony Carey (teclados), também responsáveis pelos discos seguintes, “Rising” (1976) e o ao vivo “On Stage” (1977). O resto é história.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

4 COMENTÁRIOS

  1. Acho estranho isso. O que leio na mídia é que Ritchie Blackmore queria um som mais comercial. Agora vem a notícia de que largou o Deep Purple porquê queria fazer rock’n rol. Fica complicado acreditar nisso. Como quando anunciaram que John Bonham morreu num acidente de moto, e hoje se sabe que o caboclo morreu encharcado de vodca. Fica difícil acreditar no que escrevem.

    • Ritchie Blackmore queria fazer um som comercial a partir de 1978/79, quando Ronnie James Dio se viu obrigado a sair. Em 1974/1975, a situação era diferente. E não foi dito que ele queria fazer mais rock ‘n’ roll: ele só queria fugir das influências funk de David Coverdale e especialmente Glenn Hughes. A pegada de Blackmore era outra, bem mais influenciada pelo neoclássico.

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