A morte de Raul Seixas, cantor que combateu o ostracismo até o fim

Triste batalha contra o alcoolismo e tentativas feitas Marcelo Nova para resgatar o amigo marcaram os tempos finais do Maluco Beleza

Antes de morrer, em 21 de agosto de 1989, Raul Seixas havia amargado uma década onde comeu o pão que o diabo amassou. Após o período de sucesso estrondoso dos anos 1970 durante o qual solidificou sua imagem para as gerações subsequentes, o cantor começou a sofrer com o alcooslimo, que pesava negativamente em sua carreira.

Raul chegou a um ponto de chegar tão bêbado em shows a ponto da plateia não acreditar que ele era o próprio, mas sim um impostor. Mesmo sendo ainda capaz de produzir sucessos de vendas, passou a maior parte da década sem um contrato com uma gravadora, tamanha sua infâmia.

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Quando faleceu, ainda era um dos artistas mais populares do país – e mesmo assim pode-se falar que estava no ostracismo.

O alcoolismo de Raul Seixas

Antes de abordar sobre os percalços todos, é preciso falar sobre o que acabou sendo a causa da morte de Raul Seixas.

Em 1978, devido a seu consumo inveterado de álcool, o cantor passou por um procedimento cirúrgico no qual teve parte do pâncreas removido. Ele foi avisado pelos médicos que precisaria parar de beber, mas nenhuma tentativa de sobriedade durava.

Essa batalha acabava gerando recaídas cada vez mais fortes, em que Raul se afundava no álcool e drogas para afogar sua depressão.

Altos e baixos

O fim da década de 1970 também viu sua parceria lendária com o escritor Paulo Coelho terminar em meio a brigas. O artista deu a volta por cima com o álbum“Abra-te Sésamo” (1980), mas a espiral na qual Raul se encontrava era forte demais.

No mesmo ano de 1982, Raul passou por altos e baixos. Houve picos como um show para 150 mil pessoas na praia do Gonzaga, na cidade de Santos. Porém, eram seguidos por momentos em que atingia o fundo do poço, como a apresentação em Caieiras, no estado de São Paulo, durante a qual foi quase linchado por uma plateia crente de não se tratar do cantor verdadeiro e sim um impostor bêbado.

Em 1983, foi convidado pela Globo a participar do especial “Plunct-Plact-Zum!”, no qual interpretaria o papel do Carimbador Maluco. Raul conseguiria graças a essa participação um contrato de gravação. O álbum intitulado apenas “Raul Seixas” viria a se tornar seu segundo disco de ouro, puxado pela canção “Carimbador Maluco”.

No entanto, suas batalhas com alcoolismo e pancreatite afetaram sua capacidade de fazer shows. Entre 1985 e 1988, Raul não fez turnês, mesmo quando tinha na manga o hit “Cowboy Fora da Lei”, lançada no álbum “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!” (1987).

Enquanto isso, ele era maltratado na rua, como mostra um relato dele presente no livro “O Baú do Raul”, de Kika Seixas e Tárik de Souza:

“Às vezes minha música estava tocando numa padaria que não queria me servir, mas por causa da minha música que tocava na rádio era eu servido pelo cara que por certo achava que eu tinha alguma importância. Eu salvo pelo gongo. Ali naquele momento, com pose de artista, eu aproveitava e bebia enquanto o cara achava que eu era o Raul Seixas e não um bêbado…”

Raul precisava de ajuda. Alguém determinado em botar pra f*der.

Raul Seixas e Marcelo Nova

Com sua banda, Camisa de Vênus, Marcelo Nova passou os anos 1980 se mostrando a salvação do rock baiano e a maior e melhor alternativa à música influenciada por new wave das bandas do Rio, São Paulo e Brasília.

Mesmo às turras com a censura ainda vigente, seu grupo vendeu quase 500 mil cópias entre seus dois discos lançados em 1986, “Viva” e “Correndo o Risco”. Esse último continha uma cover de “Ouro de Tolo”, canção de Raul Seixas oriunda do álbum “Krig-ha, Bandolo!” (1973).

Nova havia decidido ser músico quando adolescente após ver um show do primeiro grupo do cantor, Raulzito e as Panteras. Os dois vieram a se conhecer após Raul ir em um show do Camisa de Vênus e ser convidado a subir ao palco para tocar com a banda.

Em 1988, Seixas lançou “A Pedra do Gênesis” em meio a uma mágoa profunda com a indústria musical que o tratava como cachorro sem dono. No livro “Raul Seixas: não diga que a canção está perdida”, de Jotabê Medeiros, ele é citado dizendo:

“Não sou obrigado a vestir paletó e gravata na música brasileira, nem visto a camisa da seleção. Não sou obrigado a dar continuidade a qualquer trabalho. Meu único compromisso é com meu público. Este disco, ‘A Pedra do Gênesis’, marca a retomada da minha carreira. Sou louco, mas coloco todo ano um disco de ouro nas paradas. Sim, estou sozinho. Só querem me ver passando fome. Não conseguirão.”

O álbum foi um fiasco de vendas e crítica. Ainda naquele ano, o músico precisou retirar todos os seus dentes, tamanho era o dano causado por álcool e drogas.

Raul estava no fundo do poço e precisava de um amigo. Vendo a situação, Marcelo Nova, agora em carreira solo, chamou Raul para participar de um show na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador.

A apresentação mostrou ao cantor que o público ainda não havia esquecido dele, como Hagamenon Brito escreveu para a revista Bizz:

“Raul jogou ‘Maluco Beleza’ e mexeu com o coração da galera. Mostrando-se feliz por voltar a Salvador, Raul passou a dividir os vocais com Marcelo na antológica ‘Rock das Aranhas’ e na apoteótica ‘Sociedade Alternativa’, quando Raul leu as ‘leis’ da Sociedade … Foram apenas três músicas em pouco mais de 15 minutos no palco, mas que valeram por todo o show.”

Nova levou Raul por uma turnê de 50 shows pelo país, que o colocaram novamente em evidência na TV. Contudo, o cantor estava visivelmente com problemas. Estava gordo, inchado e se cansava muito fácil, mesmo quase não se mexendo durante suas participações.

O fim

A turnê rendeu a Raul Seixas um contrato para gravar um novo álbum pela WEA com Marcelo Nova e sua banda de apoio, Envergadura Moral. O resultado foi “A Panela do Diabo”, que vendeu mais de 150 mil cópias, rendendo mais um disco de ouro para o cantor.

Entretanto, a certificação foi póstuma. Dois dias antes do lançamento, Raul foi encontrado morto em seu apartamento. Era a manhã de 21 de agosto de 1989, uma segunda-feira. Ele, que tinha 44 anos, não havia tomado sua insulina na noite anterior e uma crise de pancreatite aguda causou uma parada cardíaca.

Infelizmente, Raul Seixas foi vítima de seus próprios demônios, incapaz de conseguir vencer seu alcoolismo. E sua morte revelou mais uma vez algo que ele parecia não entender: multidões de fãs compareceram ao seu velório para prestar suas homenagens. 

Ninguém o esqueceu. Ele nunca foi ostracizado. Ele sempre foi amado pelo Brasil.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

3 COMENTÁRIOS

  1. Tenho que parabenizar o autor pelo texto, muito bem pensado e escrito; trouxe de forma resumida, mas com grande profundidade a trajetória de Raul Seixas. Confesso que me emocionou.

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