Crítica: “A Mulher Rei” peca ao apostar no grandioso em vez de profundidade

Longa protagonizado por Viola Davis tem em mãos história densa e repleta de verdade, mas opta por criar um épico de ação tecnicamente impecável, mas comum

Não sou muito chegado em Fórmula 1. Quem gosta, diz que é um dos esportes mais emocionantes que temos. Porém, se eu fosse assistir a uma corrida e resolvesse apostar meu dinheiro em algum carro, qual seria a estratégia mais sábia? Esse foi o dilema enfrentado pela Sony Pictures e as pessoas envolvidas em “A Mulher Rei”.

Havia ali dois carros para se apostar: um era belo; o outro, veloz. Todos decidiram pelo veículo mais bonito e deixaram de lado o mais potente, que, logicamente, venceria a disputa – ainda que, em se tratando de cinema, o mais vistoso também possa representar a melhor jogada.

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Protagonizado por Viola Davis – atriz que considero a melhor do mundo na atualidade –, “A Mulher Rei” é um belo filme, mas que opta pela grandiosidade da ação e, com isso, abdica da potência oferecida pela densidade e dramaticidade que tal história poderia ter. Torna-se, assim, uma obra normal.

Épico real

As Agojie foram guerreiras do reino de Daomé, que hoje leva outro nome (Benin), mas existiu entre 1600 e 1904 na África. Naquela época, devido à alta demanda masculina em guerras e conflitos no geral, o reino de Daomé decidiu criar um exército de mulheres treinadas para travar todos os tipos de batalhas que lhes eram apresentadas.

Acredita-se que tenham existido por volta de mil a 6 mil Agojies. Todas eram capacitadas em um nível surreal e faziam coisas que muitos homens não conseguiriam.

 “A Mulher Rei” apresenta essa história real das guerreiras africanas, aqui lideradas por Nanisca (Viola Davis). A partir de tal premissa, nota-se que havia a opção de focar na grandiosidade do roteiro em busca de ir ao interior desse enredo. Além das lutas travadas contra seus colonizadores, as Agojies também tinham que lidar com os traficantes de escravos – e, pasmem, há brasileiros envolvidos nisso (no filme e na história real).

Este não foi o foco. “A Mulher Rei” acerta no tom da grandiosidade – é um espetáculo colossal em tela com boa filmagem, cores fortes, trabalho de figurino espetacular e fotografia arrepiante –, mas não passa disso.

No entanto, havia motivos para esperar algo além?

Arte vs. mercado

Meses atrás, compartilhei minhas visões sobre o épico “O Homem do Norte”. O longa dirigido pelo genial Robert Eggers se vendeu como um grande épico de ação brutal viking – o que achei estranho, por conhecer o trabalho do cineasta. No fim das contas, era uma obra minimalista focada na construção interna daqueles brutos homens e daquele período tão violento.

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Nesse sentido, “A Mulher Rei” foi promovido de forma honesta. A divulgação primou pela ação e magnitude, portanto, a obra foi vendida de forma coerente ao que é. Ainda assim, há a sensação de que faltou algo.

O cerne do problema está no roteiro, assinado pela também diretora Gina Prince-Bythewood (“The Old Guard”) ao lado de Dana Stevens, que peca em algumas questões históricas e decisões novelescas sem necessidade. Não dá para inventar um “Jack and Rose in Titanic” no meio de uma obra como essa.

Faltou abordar, por exemplo, quem eram essas mulheres e o que pensavam e sentiam ao serem transformadas em armas humanas. Um potencial desperdiçado diante dos olhos do público.

Viola Davis é o filme

Ao visar a ação, o roteiro de “A Mulher Rei” não oferece especialmente a Viola Davis o que lhe é de direito. Ainda assim, ela faz para além de seu melhor e mostra ter o dom de corrigir qualquer um dos problemas anteriormente citados. Até por isso, o longa vale o ingresso pago como entretenimento e por Davis.

Vale também mencionar os trabalhos de Thuso Mbedu (“The Underground Railroad”) e Lashana Lynch (“Capitã Marvel”), ambas perfeitas em suas atuações. Não se surpreendam ao ver o nome de uma das duas em futuras premiações em categorias de coadjuvantes – eu, inclusive, colocaria minhas fichas em Thuso.

Tema que merece debate

É possível traçar um paralelo entre “A Mulher Rei” e “300”. É um bom entretenimento, belo na tela e, como já dito, vale o ingresso. Só poderia oferecer mais.

Por outro lado, a decisão é compreensível. O supracitado “O Homem do Norte” traz a profundidade que se esperava desta nova obra e, no fim das contas, não foi bem na bilheteria. “A Mulher Rei” poderia ter o mesmo destino se tomasse o mesmo caminho e não era esse o objetivo da Sony.

Além de impecável tecnicamente e com destaques na atuação, o filme está acima de qualquer ideologia e, como já dito, oferece um grande entretenimento que compensa a ida ao cinema. Só está um pouco longe de ser a obra de arte esperada. É apenas mais uma boa história de ação.

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Raphael Christensen
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Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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