A primeira edição do Rock in Rio foi um batismo de fogo para todo um país. Da indústria, passando pelos artistas e chegando aos fãs, ninguém estava acostumado com um evento de grande porte, cheio de atrações internacionais que só eram vistos através das escassas fontes de informação da época. Em um cenário desses, a tendência de radicalização é ainda maior. E foi o que artistas nacionais, como Erasmo Carlos, precisaram enfrentar nos 10 dias do evento.
Nomes como Ney Matogrosso, Eduardo Dusek e Kid Abelha (à época com o complemento & os Abóboras Selvagens) foram alvos de xingamentos, vaias e basicamente tudo o que o público roqueiro tivesse em mãos para jogar no palco. Mas a situação foi ainda mais cruel justamente com um dos precursores do rock no Brasil.
Erasmo Carlos estava escalado para fazer o segundo show da tarde/noite inaugural do festival. Na mesma escalação estavam o já citado Ney Matogrosso, a dupla Baby Consuelo e Pepeu Gomes (que viram a enrascada em que se meteram e alteraram o set, dando mais ênfase aos números instrumentais do guitarrista), além dos pesos pesados internacionais Whitesnake, Iron Maiden e Queen.
Impulsionados pelo início do verdadeiro culto que se formaria em torno da banda, os fãs da Donzela de Ferro tomaram de assalto a Cidade do Rock. Houve respeito aos comandados de David Coverdale e ao headliner – embora Freddie Mercury não tenha escapado de algumas reclamações ao aparecer vestido de mulher em “I Want to Break Free”. Mas os donos da festa eram Bruce Dickinson, Steve Harris e companhia, que colaboraram com uma performance explosiva.
O fato é que o Tremendão não esperava a reação que teve. Contribuiu o figurino escolhido para o momento, adotando um visual de clara inspiração Mad Max, visto pelos metaleiros (termo criado durante o Rock in Rio pela Rede Globo para descrever os headbangers, até hoje detestado por muitos) como uma provocação – embora o próprio sempre tenha dito que apenas achou a roupa bonita.
Erasmo Carlos e Rock in Rio 1985
Em declaração à revista Showbizz em 2000, para matéria que celebrava 15 anos do festival, Erasmo declarou:
“Nunca imaginei que fossem reagir dessa forma. Eles acreditavam que o Ozzy comia rato, estavam motivados por aquilo.”
Na mesma publicação, o empresário e até hoje organizador do evento Roberto Medina admitiu o equívoco.
“A gente errou. Erasmo não podia ter tocado antes dos grupos de heavy metal.”
Ajuste na programação
Como foi de praxe na edição inaugural do Rock in Rio, cada artista faria duas apresentações – as exceções foram o Iron Maiden e Rita Lee, cada um tocando apenas uma vez. O segundo show de Erasmo Carlos estava marcado para o dia 19 de janeiro, justamente a noite mais recheada de atrações do rock pesado, com Whitesnake, Ozzy Osbourne, Scorpions e AC/DC – além de Pepeu e Baby.
Restou fazer uma contenção de danos e transferir o show do cantor para a diversificada data de despedida, no dia seguinte. Ali, o eterno parceiro de Roberto Carlos se encontrou mais à vontade junto a Yes, B-52’s, Nina Hagen, Blitz, Gilberto Gil e Barão Vermelho.
Com o passar dos anos, a maior abertura (de informação e da cabeça do público) e o reconhecimento, Erasmo passou a ser visto como o que sempre foi: um gigante do rock nacional, admirado e respeitado como uma das figuras mais relevantes dos primórdios do estilo no Brasil. As reações à sua morte, aos 81 anos, falam por si só. Ainda que tardia, uma redenção.
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Se os brasileiros de hoje são mal-educados, ignorantes, prepotentes e estúpidos (vide bolsonaristas bloqueando estradas porque não aceitam uma simples derrota nas urnas), imaginem os daquela época! Em resumo, num país em que há autodeclarados “roqueiros de direita” já dá pra imaginar o nível do tipo de gente que estamos lidando.