A história por trás do álbum de estreia do Rage Against the Machine

Banda se tornou extremamente bem-sucedida com trabalho de 1992, contrariando todas as convenções possíveis da indústria musical

O Rage Against the Machine é uma banda que no papel você não esperaria fazer tanto sucesso. É um grupo movido por políticas radicais de esquerda e que une rap, funk, punk e metal. Entretanto, eles são um dos nomes mais influentes, para o bem ou para o mal, das últimas três décadas.

Também são uma das bandas mais incompreendidas, ao menos para pessoas sem o menor interesse em compreender nada além do conteúdo do próprio umbigo.

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E tudo começou na estreia. Eles eram uma entidade que veio ao mundo quase pronta.

Essa é a história de como o Rage Against the Machine botou o mundo abaixo.

Origens do Rage Against the Machine

O Rage Against the Machine surgiu quando o guitarrista Tom Morello conheceu o vocalista Zack de la Rocha. Os dois faziam parte da grande cena musical de Los Angeles do início dos anos 1990, mas estavam à deriva.

A banda de de la Rocha, Inside Out, era parte da cena hardcore. Encerrou atividades em meio a diferenças criativas sobre perseguir uma sonoridade mais influenciada pelo hip hop ou fazer canções baseadas na ideologia Hare Krishna.

Zack, então, resolveu perseguir o hip hop ao fazer freestyle em boates na cidade. Foi em uma dessas oportunidades que chamou a atenção de Morello, que havia passado pelo término de sua própria banda, Lock Up, depois de lançarem um disco pela gravadora Geffen.

Apesar do Lock Up ser uma banda mais voltada para o metal, Tom sempre teve um interesse enorme em rap, sendo influenciado pelo Run-DMC e os malabarismos sonoros de Jam Master Jay. Ao ouvir de la Rocha fazendo rap, ele ficou impressionado com o conteúdo das letras e o convenceu a formar uma banda.

Tim Commerford, amigo de infância de de la Rocha, ficou encarregado do baixo. Brad Wilk, que havia feito um teste mal-sucedido para integrar o Lock Up, se tornou o baterista.

Política é parte da vida

Existem bandas que abordam política como manobra de marketing. No caso do Rage Against the Machine, era parte inexorável de seus integrantes.

Tom Morello era filho de uma ativista de direitos civis com um revolucionário queniano que veio a se tornar o primeiro embaixador do país nas Nações Unidas. Desde a adolescência ele desenvolveu uma consciência política baseada em anarquismo e socialismo. Formou-se em estudos sociais pela Universidade de Harvard

Zack de la Rocha é filho de um artista que fez parte do primeiro coletivo chicano a ser exposto em um museu americano. Seu bisavô lutou na Revolução Mexicana. Ele cresceu na cidade de Irvine, onde sua mãe fazia um doutorado em antropologia, e desenvolveu uma noção da realidade americana devido ao racismo sofrido por eles da comunidade predominantemente branca.

O termo Rage Against the Machine surgiu de Kent McClard, ex-colunista da Maximumrocknroll, que criou a frase em 1989 num texto para a zine No Answers (abaixo). O Inside Out inicialmente planejava dar esse nome ao seu segundo disco, a ser lançado no selo de McClard, mas a banda terminou antes disso acontecer.

Quando se viu formando o projeto novo com Morello, de la Rocha achou o nome apropriado, como contou ao Los Angeles Times em 1992:

“Eu simplesmente achei que se aplicava ao tipo de mensagem que estávamos tentando colocar em primeiro plano na nossa música. Eu queria pensar em algo metaforicamente que descreveria minhas frustrações com a América, com esse sistema capitalista.”

Combustão espontânea

A banda começou produtiva, mas o que viria a ser o maior sucesso apareceu como se fosse inspiração divina, ou combustão espontânea, de acordo com Tom Morello à Spin em 2012:

“Eu estava dando uma aula de guitarra sobre afinação drop-D. E no meio de demonstrar a afinação, alguns dos riffs de ‘Killing in the Name’ apareceram. Eles meio que espontaneamente entraram em combustão a partir dos meus dedos. Eu tinha o meu gravadorzinho de US$ 20 da RadioShack, então parei a aula para gravar eles e levei pro ensaio. Timmy C. contribuiu com aquele riff meio quebrado do início, Brad veio com a batida e tem as letras incendiárias do Zack. Nós tínhamos criado cinco ou seis músicas de cara, e essa foi a primeira da segunda leva de canções que nós compomos.”

Outro aspecto que chama atenção em “Killing in the Name” é a incorporação de elementos de produção do rap na sonoridade do grupo. O Rage fazia questão de colocar no encarte de todos seus lançamentos que não foram utilizados teclados, sintetizadores ou samples em nenhuma gravação deles. Morello era o responsável por transformar sua guitarra em um canivete suíço com auxílio da tecnologia.

Ele contou à Spin como o pedal de guitarra DigiTech Whammy o ajudou a fazer isso, usando como exemplo o solo da canção mencionada:

“Eu tinha acabado de comprar aquele pedal DigiTech Whammy e estava explorando ele. Era um harmonizador num pedal, controlado da mesma maneira que um wah. Em muitas das músicas iniciais, eu estava tentando me aproximar da produção do Dr. Dre, ou Cypress Hill ou o Bomb Squad, as coisas do Terminator X. E o pedal fazia o som agudo de algumas dessas músicas. Então eu sei que pirei em muitas das canções, uma delas sendo ‘Killing in the Name’.”

“Killing in the Name”, o teste

O Rage Against the Machine atraiu interesse de gravadoras quase instantaneamente. Como Tom Morello explicou à Spin, “Killing in the Name” se tornou o teste para os executivos:

“Depois do nosso segundo show na história da banda. a gente tinha interesse de gravadora. Então esses executivos estavam vindo pro nosso estúdio imundo no San Fernando Valley. Nós tocamos para a Atlantic Records, eu acho, e finalizamos com ‘Killing in the Name’, que traz simplesmente um acachapante: ‘f#ck you, I won’t do what you tell me’, e esses caras estão jogados contra a parede de trás. Eu lembro um dos executivos dando um pio depois da música terminar: ‘então essa é a direção que vocês estão indo?’ [Risos]”

Eventualmente o Rage Against the Machine fechou com a Epic Records, e Morello detalhou as razões no site oficial da banda:

“Muitas gravadoras nos contataram e muitas delas não entenderam o que queríamos fazer. Elas ficavam falando da mensagem da música como se fosse uma jogada de marketing. Eles estavam interessados na gente simplesmente porque gerava burburinho… elas viam a gente como a banda de rock local mais recente a receber hype. Mas a Epic concordou com tudo que nós pedimos – e eles cumpriram… nunca vimos um conflito enquanto mantivéssemos controle criativo. Quando você vive numa sociedade capitalista, a disseminação de informação segue canais capitalistas. Noam Chomsky se oporia a suas obras sendo vendidas na Barnes & Noble? Não, porque é onde pessoas compram seus livros. Não estamos interessados apenas em pregar aos já convertidos. É ótimo tocar em cortiços abandonados administrados por anarquistas, mas também é ótimo poder atingir pessoas com uma mensagem revolucionária, de Granada Hills a Stuttgart.”

Ao vivo e a cores

O Rage Against the Machine entrou no estúdio com o produtor GGGarth Richardson em abril de 1992. A ideia era apenas: reproduzir a sonoridade ao vivo da banda.

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Contudo, como é sempre o caso, banda e produtor encontraram dificuldade em atingir isso. A solução, segundo Morello à Spin, foi basicamente replicar a experiência de tocar para os executivos da Atlantic.

“O jeito que conseguimos superar esse obstáculo foi que uma noite nós convidamos um monte de amigos pro estúdio e basicamente tocamos o set. Então foi como um show, em vez de: ‘agora vamos gravar o chimbal’. Conseguimos tipo metade das faixas base do disco naquela noite. Soava como o Rage Against the Machine. Demorou um bom tempo pra finalizar aquele disco, pela minha lembrança.”

Quando o álbum foi concluído, ao contrário das expectativas da banda, o próprio representante da gravadora sugeriu lançar “Killing in the Name” como o primeiro single, de acordo com Tom Morello.

“Nós ficamos tipo: sério, você quer que o primeiro single seja o que fala, ‘f#ck you, I won’t do what you tell me’, 16 vezes, e ainda um ‘motherf#cker’? E ele falou: ‘sim’. Achamos demais!”

Antirracismo e muito mais

“Killing in the Name” adquiriu uma fama estranha nos últimos 30 anos. Pessoas de inclinação política mais à direita se apegaram ao verso “f#ck you, I won’t do what you tell me”, preferindo não engajar com o resto da música, que conta com a seguinte parte:

“Those who died are justified
For wearing the badge, they’re the chosen whites
You justify those that died
By wearing the badge, they control your life”

Na tradução (via Letras.mus.br):

“Aqueles que morreram estão justificados
Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos
Você justifica aqueles que morreram
Usando o distintivo, eles controlam sua vida”

É uma canção explicitamente antirracista e que questiona o papel da polícia na opressão de minorias nos Estados Unidos – e, por extensão, no resto do mundo. “Rage Against the Machine”, o disco, é construído todo em cima dessa retórica.

A capa conta com a imagem do monge Thích Quảng Đức cometendo autoimolação em 1963 em protesto ao assassinato de budistas pelo primeiro ministro do Vietnã do Sul, apoiado pelos EUA.

No encarte, o fundador do Partido dos Panteras Negras, Huey Newton, e Bobby Sands, membro do Exército Republicano Irlandês (IRA) morto durante uma greve de fome em 1981, foram homenageados por sua inspiração ao grupo. 

O clipe de “Freedom”, quarto e último single do disco, faz um caso contundente pela inocência de Leonard Peltier, um dos líderes do American Indian Movement, condenado injustamente pelo assassinato de dois agentes do FBI em 1975.

Mas não é uma banda política, né, Ellen Jabour?

Tudo legal é apreciado primeiro no Reino Unido

“Killing in the Name” não foi um sucesso imediato nos Estados Unidos. Não que a banda esperasse, como Morello contou à Metal Hammer em 2012:

“Nós não tínhamos nenhuma expectativa de sucesso dado o fato que a música era uma combinação de gêneros em guerra um com o outro – punk, metal e hip hop. Além disso éramos uma banda interracial, o que nunca ganhava espaço no rádio, especialmente em rock. E havia o conteúdo político das canções, que era bem mais à esquerda do que bandas como The Clash e Public Enemy. Antes de 1992, isso não era uma receita para chegar ao topo das paradas. Quando estávamos escrevendo as músicas do primeiro disco, nós nem achávamos que conseguiríamos marcar um show. Nem sonhávamos com um acordo de gravadora ou turnê, a gente achava que a música era muito além do que era aceitável.”

Isso podia ser realidade nos EUA, mas no Reino Unido, terra dos Sex Pistols, The Clash e todo tipo de artista politizado bem-sucedido, eles chegaram ao top 40. Em fevereiro de 1993, um DJ da BBC tocou a versão sem censura da faixa sem querer durante o programa das paradas, gerando 138 reclamações.

Enquanto essas 138 pessoas desocupadas reclamavam, o resto do público inglês abraçava a música, como Morello contou à Spin:

“Numa parada de turnê em Sheffield ou Manchester, eu fui numa boate com o empresário da turnê. A gente estava lá, eles estavam tocando ‘Killing in the Name’ e as pessoas perdendo a linha. Ele disse: ‘vocês podem vir a escrever canções melhores, mais sofisticadas, fazer muitos discos criticamente aclamados, mas acho que as pessoas vão lembrar de vocês por causa dessa música daqui a 20 anos’. E na época, eu estava pensando, daqui a 20 anos? Quem vai lembrar de qualquer coisa do que estamos fazendo?”

O sucesso do Rage Against the Machine

Eventualmente, o álbum “Rage Against the Machine” atingiu o mainstream americano e recebeu três discos de platina. O segundo disco do grupo, “Evil Empire”, de 1996, estreou em primeiro lugar na Billboard. Eles ainda lançariam mais dois trabalhos de estúdio, incluindo um de covers, antes de encerrarem as atividades em 2000.

Tom Morello, Brad Wilk e Tim Commerford formaram o Audioslave com Chris Cornell, que lançou três discos de sucesso antes de terminar em 2007. Em 2009, contudo, o Rage teve um retorno ao mainstream de maneira inusitada. Um DJ inglês, insatisfeito com o estado das paradas britânicas (principalmente o domínio de participantes do programa de talentos “X-Factor”), começou uma campanha para que “Killing in the Name” chegasse ao número 1 na semana do Natal.

No que a iniciativa começou a ganhar embalo, os integrantes prometeram fazer um retorno aos palcos caso o single chegasse ao topo das paradas. Além disso, toda a renda recebida por eles via royalties seria doada à caridade.

O próprio DJ que lançou tudo isso, Jon Morter, fez parte da campanha ser em prol de arrecadar fundos para a caridade Shelter, de auxílio à população sem teto.

Quando “Killing in the Name” chegou ao primeiro lugar de Natal no Reino Unido, a banda cumpriu sua palavra e organizou um show gratuito no Hyde Park, em Londres. Desde então, eles fizeram algumas turnês, mas nada de disco novo.

Rage Against the Machine – “Rage Against the Machine”

  • Lançado em 3 de novembro de 1992 pela Epic Records
  • Produzido por GGGarth e Rage Against the Machine

Faixas:

  1. Bombtrack
  2. Killing in the Name
  3. Take the Power Back
  4. Settle for Nothing
  5. Bullet in the Head
  6. Know Your Enemy
  7. Wake Up
  8. Fistful of Steel
  9. Township Rebellion
  10. Freedom

Músicos:

  • Zack de la Rocha (vocal)
  • Tom Morello (guitarra)
  • Tim Commerford (baixo, backing vocals0
  • Brad Wilk (bateria, percussão)

Músicos adicionais:

  • Maynard James Keenan (vocal adicional na faixa 6)
  • Stephen Perkins (percussão adicional na faixa 6)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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