A história de “Pablo Honey”, o álbum de estreia do Radiohead

Como a banda mais importante do fim dos anos 1990 sobreviveu a um debut que lhe rendeu o apelido "Nirvana-lite"

Nem todo artista que define sua geração surge ao mundo capaz de fazê-lo. Às vezes as dores de desenvolvimento estão aparentes para todos verem, desde emulações das principais influências até falta de material.

Muitas bandas são assinadas antes da hora por gravadoras que enxergam algo que nem os artistas em si veem — seja potencial artístico ou a chance de aproveitar a moda da vez.

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Esse foi o caso do Radiohead, que, antes de se tornar a banda de rock mais influente do mundo no final dos anos 1990, precisou sobreviver à estreia, “Pablo Honey”.

Antes de Radiohead, On a Friday

Antes de serem Radiohead, eles eram On a Friday, uma banda formada em 1985 na Abingdon School, uma escola só de garotos em Oxfordshire. Desde o início formado por Thom Yorke, Ed O’Brien, Philip Selway e os irmãos Jonny e Colin Greenwood, o grupo representava aquilo comum a qualquer lugar: um bando de moleques unidos por gostos em comum tentando replicar os artistas que os reuniram.

No caso, esses artistas eram bandas punk e pós-punk como Talking Heads, Public Image Ltd, The Jam, Magazine, Siouxsie and the Banshees, além de nomes da cena indie britânica nascente como Echo and the Bunnymen e The Smiths.

Em entrevista ao canal de YouTube That Pedal Show, Ed O’Brien conta de maneira bem humorada o processo de como eles tentavam copiar seus heróis:

“A primeira coisa que você faz é comprar um pedal de delay. Você arranja um pedal de delay da Boss. Antes de comprar um pedal de distorção, é tipo: ‘tem que arrumar um desses’. A gente não tinha dinheiro, então era um pedal de delay, essa era a primeira coisa… amplificador Carlsbro, guitarra da Westone… o meu aprendizado de guitarra foi dentro da banda. O que aconteceu foi que a gente teve um período de incubação de seis anos antes da gente assinar com gravadora, então a gente pôde tirar muita coisa do nosso sistema. E a gente ainda não tinha o equipamento certo pra fazer coisas mais de textura, então era mais estilo The Smiths. Aí os Pixies apareceram, nós compramos pedais de distorção. Jonny comprou um Marshall Shredmaster, eu comprei o Guv’Nor, Thom pegou um Bluesbreaker. E aí nos focamos na dinâmica Pixies de quieto e barulhento.”

O grupo se chamava On a Friday porque era o dia da semana que ensaiavam. Eles tocaram ao vivo pela primeira vez em 1987 e só voltaram a se apresentar em 1991.

https://www.youtube.com/watch?v=gj57DcRYB3w

Quando retornaram aos palcos, o mundo havia mudado. O Nirvana havia popularizado a mesma dinâmica estilo Pixies que o On a Friday praticava. Apenas no oitavo show deles, já haviam representantes de gravadora na plateia procurando assiná-los.

Em 21 de dezembro de 1991, eles assinaram um contrato de seis discos com a EMI, que pediu para o grupo mudar de nome. O escolhido foi Radiohead, uma referência à canção “Radio Head”, do Talking Heads.

Em uma entrevista à Q, Thom Yorke explicou o porquê de escolherem esse nome:

“Resume todas essas coisas sobre receber coisas… É sobre como você assimila informação, o jeito como você responde ao ambiente em que é colocado.

O inauspicioso começo

O primeiro lançamento do Radiohead foi o EP “Drill”, produzido por Chris Hufford — que além de ser o empresário do grupo, havia trabalhado na estreia do Slowdive, “Just For a Day”. O trabalho não foi bem recebido pela crítica, sendo catergorizado pelo The Guardian como “um começo inauspicioso”, e não atingiu sequer o Top 100 na Inglaterra. 

Conflitos entre a banda e Hufford durante as gravações deixaram ambas as partes convencidas que eram necessários outros produtores para capturar o som desejado. Os escolhidos foram Sean Slade e Paul Q. Kolderie, conhecidos por seus trabalhos com dois dos grupos preferidos do Radiohead: Dinosaur Jr e Pixies.

A dupla recebeu a missão de gravar duas músicas com a banda para serem mostradas à EMI. Nenhuma delas causou impacto na reunião com a gravadora, mas aí o Radiohead resolveu tocar na hora uma terceira. Era “Creep”.

Em uma entrevista de 2013 à MTV.com, Kolderie contou sobre a reunião e os efeitos posteriores dela:

“Quando eles tocaram a música, Thom resmungou algo tipo: ‘essa é a nossa canção estilo Scott Walker’, mas eu achei que ele tinha dito: ‘essa é uma canção DO Scott Walker’, e na época eu não era um grande entendido do Scott Walker, então na volta pro estúdio Slade falou algo do tipo: ‘uau, aquele cover foi ótima’. E então quando estávamos encalhados no estúdio uns dias depois, tentando arrumar uma gravação boa e não conseguindo nada decente, eu falei: ‘pra mudar de assunto, por que vocês não tentam aquela música do Scott Walker?’ Eles fizeram, tocaram apenas uma vez, e no final do dia eu liguei pro cara de A&R da EMI e falei: ’a gente tem essa outra música, acho que vale a pena trabalhar nela’.”

Um dos aspectos mais marcantes de “Creep” é como Jonny Greenwood golpeia as cordas de sua guitarra logo antes do refrão, como se estivesse dando ignição numa serra elétrica. Essa parte surgiu como uma reação do guitarrista à serenidade da canção. À Rolling Stone, ele conta:

“Eu não gostava. Era quieto demais. Então eu golpeei a guitarra com força – muita força.”

Ed O’Brien resumiu na mesma entrevista a saga toda:

“Ele não gostava da música da primeira vez que nós tocamos, então ele tentou estragar. E acabou fazendo a canção.”

A técnica de Greenwood, apelidada de “O Barulho” pelo resto do grupo, chegou a fazer a EMI questionar a perspectiva de “Creep” como single, mas acabou sendo mantida.

Na entrevista à MTV.com em 2013, Sean Slade falou sobre sua perspectiva de produtor com relação ao “Barulho”:

“Eu ouvi de alguns produtores superprofissionais que expressaram espanto da gente ter deixado na gravação. É claro que não só deixamos na gravação: deixamos o volume tão alto a ponto de te bater na cara. E, realmente, ‘O Barulho’ se tornou quase tão famoso quanto a canção em si.”

De Israel a “Beavis and Butt-Head”

“Creep” foi lançada como single de estreia do Radiohead, mas não conseguiu atenção imediata da imprensa ou do público. O grupo continuou a trabalhar no resto do que viria a ser “Pablo Honey”, regravando algumas faixas de “Drill” e escavando seus primórdios atrás da canção “Stop Whispering” – existente desde os tempos de On a Friday. 

Durante o processo, ainda arrumaram outra música pela qual o disco seria lembrado: “Anyone Can Play Guitar”, descrita por Thom Yorke ao San Francisco Chronicle (via Ultimate Classic Rock) como uma crítica ao arquétipo Jim Morrison de rock star:

“Quando eles lançaram as letras do Morrison como poesia, eu pensei: ‘meu Deus do céu’. Só mostrou o que ele era: um bebum. Tinham lampejos, é claro, e ele era muito bonito. Nesse sentido, eu gostaria de ser Jim Morrison.”

“Pablo Honey”, nome inspirado pelos Jerky Boys — uma trupe americana famosa por gravações de trotes telefônicos —, foi lançado em 22 de fevereiro de 1993, e não causou impacto inicial. A crítica inglesa tratou o disco com mais bondade que o EP “Drill”, mas ainda assim apontaram o quanto o Radiohead soava como uma cópia de outros artistas.

A mudança começou a vir quando “Creep”, lançada quase seis meses antes, se tornou um hit inesperado em Israel. Na mesma época, o clipe da canção entrou na programação da MTV e fez uma aparição crucial no programa de “Beavis and Butt-Head”, durante a qual os dois personagens demonstraram aprovação pelo refrão.

O impacto dessa aparição foi tamanho que a EMI resolveu incorporá-la à estratégia de marketing de “Pablo Honey”, colocando “music that doesn’t suck” [“música que não é uma porcaria”] nos anúncios, junto com as risadas características dos personagens:

Peça publicitária de "Pablo Honey", álbum do Radiohead, usando "aprovação" dos personagens de "Beavis and Butt-Head"

“Creep” chegou à 34ª posição da Billboard Hot 100 e o álbum eventualmente foi certificado como ouro nos Estados Unidos, pelas 500 mil cópias vendidas. Em julho de 1993, o grupo ainda protagonizou um dos momentos mais infames da história da MTV com sua apresentação de “Anyone Can Play Guitar” na MTV Beach House, com direito a Thom Yorke berrando letras improvisadas, tendo um surto ao vivo e pulando na piscina enquanto segurava o microfone, quase se eletrocutando.

O desejo por mais

Entretanto, “Pablo Honey” acaba por apontar que, naquela época, a ambição do Radiohead ainda era muito maior do que a capacidade deles como músicos e compositores.  Como Ed O’Brien resumiu numa entrevista para a Select em 1999:

“Deus me livre de alguém nos julgar com base em ‘Pablo Honey’. A gente tava endividado até as sobrancelhas com Dinosaur Jr e os Pixies nessa época.”

Apesar de “Creep” ter virado um sucesso, a banda rapidamente se voltou contra ela, seja por enjoo ou instinto de não se deixar definir por ela.

O período do resto dos anos 1990 até o início dos anos 2000, no qual lançaram “The Bends”, “OK Computer” e “Kid A”, é marcado quase por um desejo de afirmar não apenas quem o Radiohead é, mas quem não é – especificamente, quem o público e a imprensa acham que é.

Na entrevista à MTV.com em 2013, Sean Slade falou sobre como era evidente o quanto o Radiohead era diferente, mesmo então:

“Tinha essa corrente de seriedade, especialmente com Thom. Uma seriedade de propósito e de tentar criar música que fosse um pouco diferente. Eles tinham muitas influências – U2, Ride, Sonic Youth –, mas eles estavam ainda sempre tentando conciliar tudo. Eu lembro de uma manhã em que cheguei no estúdio e escutei alguém tocando um piano jazz quase tipo Dave Brubeck. Falei: ‘uau, quem tá fazendo isso?’ E era o Jonny, só tocando. Então era bem óbvio que eles eram uma banda supertalentosa.”

Slade continou, falando:

“Quando terminamos o álbum, achei que eles poderiam ser uma banda muito boa, mas eles eram tão jovens que não eram fisicamente capazes de chegar a esse patamar. E eu pensei: ‘se esses caras saírem em turnê por um tempo, pegar um fôlego e tocar muito, eles serão uma banda completamente diferente’. E acabou acontecendo porque ‘Creep’ virou esse sucesso enorme, então eles ficaram na estrada por um ano e meio. Atribuo esse salto incrível que eles deram ao falo deles terem feito shows por um ano inteiro e fisicamente se tornarem uma banda diferente. Uma grande banda.”

Radiohead — “Pablo Honey”

  • Lançado em 22 de fevereiro de 1993 pela Parlophone / Capitol Records
  • Produzido por Sean Slade, Paul Q. Kolderie e Chris Hufford

Faixas:

  1. You
  2. Creep
  3. How Do You?
  4. Stop Whispering
  5. Thinking About You
  6. Anyone Can Play Guitar
  7. Ripcord
  8. Vegetable
  9. Prove Yourself
  10. I Can’t
  11. Lurgee
  12. Blow Out

Músicos:

  • Thom Yorke (vocal, guitarra)
  • Jonny Greenwood (guitarra, piano, órgão)
  • Ed O’Brien (guitarra, backing vocals)
  • Colin Greenwood (baixo)
  • Philip Selway (bateria)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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