Nos últimos anos, adaptações de livros para as telas têm rendido grandes decepções. Felizmente, não é o caso de “Daisy Jones & The Six”. A minissérie de dez episódios, que chega ao Amazon Prime Video nesta sexta-feira (3) e terá capítulos sendo lançados semanalmente, expandiu o universo de um romance consagrado e construiu um cenário realista das bandas de rock dos anos 1970.
Inspirada no best-seller homônimo de Taylor Jenkins Reid, o seriado conta a história da banda fictícia que dá título à produção. Em meio às dificuldades clássicas do rock and roll — drogas, romances e conflitos entre os membros —, o grupo se torna um dos maiores do mundo, mas se separa repentinamente no ápice de seu sucesso.
Vinte anos depois, são realizadas entrevistas com os integrantes, amigos, familiares e jornalistas, que traçam os bastidores da banda e os diversos motivos por trás da separação.
Ritmo crescente e protagonistas fortes
“Daisy Jones & The Six” tem um início morno. Os episódios iniciais são dedicados à apresentação dos personagens, formação da banda Dunne Brothers — mais tarde The Six — e introdução da cantora Daisy Jones. O ritmo é elevado de acordo com o surgimento das questões que assombram os personagens.
Mesmo se tratando de um grupo fictício, a série consegue apresentar os músicos de uma forma intimista que desperta no espectador uma admiração fã/ídolo. É nesse ponto que a adaptação deve conquistar público para além de quem já gosta do livro, especialmente por ter potencial de agradar quem curte mergulhar de cabeça nas histórias e bastidores de grandes bandas e artistas.
É colocando o espectador na posição de fã curioso que a temporada ganha um ritmo frenético que desperta a vontade de devorar os episódios, o que vai acontecer ao longo do mês de março, por conta do lançamento de dois episódios por sexta-feira.
Nada disso, porém, seria possível sem Riley Keough (“O Chalé”) como Daisy Jones e Sam Claflin (“Como Eu Era Antes de Você”) na pele de Billy Dunne, um personagem complexo cujas nuances foram transmitidas por seu intérprete. O trabalho de Claflin se mostrou ainda mais brilhante nas cenas com Keough, marcadas por um conflito constante e convincente. Vale citar que a atriz, neta de Elvis Presley, encarna com excelência a rockstar problemática, desde os dilemas com o vício em drogas às atitudes impulsivas e inconsequentes.
Como deslize, há de se mencionar a caracterização dos personagens em 1997, momento que as entrevistas são gravadas. Vinte anos se passaram desde a separação do grupo e os personagem tem a mesma aparência. Billy ainda ganhou algumas rugas, mas Daisy não passa por nenhuma maquiagem de envelhecimento, assim como os outros integrantes, que só mudaram o corte de cabelo. Aqui se faz necessária uma grande suspensão de descrença para “comprar” um pulo de duas décadas.
Acerto na expansão da história
Personagens que na obra original são apoio dos protagonistas ganharam sua própria narrativa na série. Essa escolha, habitual em adaptações a exemplo da trilogia “O Hobbit”, costuma prejudicar muito o produto final, mas não é o que acontece por aqui.
O desenvolvimento da narrativa dos coadjuvantes não tira o foco do fio principal, nem toma o espaço de detalhes que deveriam ser adaptados para garantia da integridade da história. Na realidade, esta estratégia expande a história. Nesse sentido, duas personagens se destacaram na versão televisiva.
Retratada no livro como a esposa que fica em casa cuidando da família enquanto o marido rockstar está em turnê, Camila Dunne (vivida por Camila Morrone) ganha relevância ao estar ativamente envolvida com a banda. Ainda que sua intérprete falhe em expressar emoções para além das lágrimas e cara de choro, a personagem gera desperta empatia por estar em contato maior com o público, diferentemente do que ocorre no livro. Isso trouxe impacto e coerência no desfecho da narrativa, principalmente nas ações de Billy e Daisy.
Amiga de Daisy, Simone Jackson (interpretada belamente pela artista baiana Nabiyah Be), também ganha com essa expansão ao trazer questões sociais importantes, como o racismo estrutural da indústria musical, que dá mais oportunidades para cantoras brancas. O cuidado com a narrativa desta personagem respinga na protagonista, que tem muitas nuances pessoais expostas graças a interações como Simone.
Trilha sonora de “Daisy Jones & The Six”
Foco de grande expectativa dos fãs do romance, as músicas dos Six finalmente se tornaram realidade. Com 24 canções originais, a série consegue passar a sensação de que há ali artistas reais com suas composições autorais. Por outro lado, há algumas falhas na sonoridade em certos momentos.
Como estamos falando de uma banda de blues rock concebida em Los Angeles na década de 1970, a pegada musical fica bastante específica, por isso fez-se necessário expandir o leque de influências da banda fictícia. Contudo, em alguns pontos, as pitadas de pop rock soaram anacrônicas. Pelo envolvimento de artistas como Blake Mills e Phoebe Bridgers — e, claro, a intenção de ampliar seu público-alvo —, isso era esperado.
Além das faixas autorais, a trilha sonora conta com clássicos dos anos 1970 que são minuciosamente encaixados na narrativa. Entre os destaques que elevam as cenas, estão “Ballroom Blitz” (Sweet), cuja letra sobre uma briga generalizada é sobreposta aos atritos de Daisy e Billy, e “Gold Dust Woman” (Fleetwood Mac), composição de Stevie Nicks que trata o uso de cocaína e a dificuldade de estar em uma banda e cai como uma luva — não por acaso, o Fleetwood Mac é uma das inspirações por trás do livro.
Respeito à obra original
Por ser uma adaptação, “Daisy Jones & The Six” passa por mudanças na transição do escrito ao audiovisual. Ainda bem que as alterações só engrandeceram o resultado final. Além da mencionada expansão da narrativa de personagens secundários, a minissérie reorganiza alguns eventos do romance para ganhar fluidez. As inserções dos comentários dos personagens – seguindo o formato documental – entram na medida certa, apenas quando uma observação é realmente necessária.
O respeito à obra original é visto em pequenos detalhes, como roupas e pequenos trejeitos que não foram descartados. Dos minishorts e vestidos Halston de Daisy às situações que levam a composição de um grande hit da banda, tudo o que saiu do livro como essencial foi preservado.
“Daisy Jones & The Six” é uma fábula do rock setentista. Tanto no livro quanto na série, oferece uma experiência intensa e sedutora, principalmente àqueles que se deliciam com os bastidores da música.
*A estreia de “Daisy Jones & The Six” acontece nesta sexta-feira (3), no Amazon Prime Video, com episódios sendo veiculados semanalmente.
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.