Crítica: “O Urso do Pó Branco” consegue divertir, mas desperdiça potencial

Limitação autoimposta traz lampejos do que poderia ser um grande filme, considerando que havia ideia extraordinária no papel

Um dos fenômenos inesperados de bilheteria em 2023, “O Urso do Pó Branco” diverte de forma inegável. Entretém com piadas e cenas nonsense na medida, além de sua violência gore muito bem desenvolvida.

Contudo, ele é produto de uma artista com ideais que não parecem casar com um longa do tipo. Mesmo com a perceptível evolução na carreira de diretora de Elizabeth Banks (“As Panteras” de 2019), parece haver medo de oferecer aquilo que a trama pede : uma comédia típica dos anos 1980 com piadas e situações inerentes àquele período.

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Rico argumento

Em 1985, o traficante Andrew Thornton (Matthew Rhys) voava em seu avião com cerca de 400 quilos de cocaína. Porém, após suspeitar estar sendo seguido, ele decidiu jogar a droga para fora do avião e saltar de paraquedas.

Só isso já seria uma história e tanto para os programas policiais, mas o desdobramento nos leva a algo ainda mais inusitado. O paraquedas do traficante não abriu, resultando em sua morte, e a cocaína acabou consumida por um urso.

Esta é a história verdadeira em que se baseia o filme “O Urso do Pó Branco”. Na vida real, o urso morre, mas a trama se propõe a imaginar como teria sido se ele só tivesse ficado alucinado. Aqui, a diretora tentou se inspirar em uma espécie de comédia de erros ao melhor estilo dos irmãos Coen (como “Fargo”, de 1996).

Então, diversas subtramas são adicionadas no caminho do urso descontrolado. Temos uma mãe (Keri Russell) em busca da filha desaparecida na floresta, traficantes atrapalhados no rastro da droga perdida, um policial (Isiah Whitlock Jr) com faros praticamente guiados por uma divindade e uma guarda florestal (Margo Martindale) linha dura, mas incapaz de manusear uma arma. O viciado urso é obrigado a se deparar com tudo isso de uma só vez.

História certa, diretor errado

Apesar de trágica e cruel, a história de “O Urso do Pó Branco” é absurda e repleta de elementos ricos para uma grande mescla de comédia e terror gore. Faz-se necessária uma visão mais arriscada, sem medo de ultrapassar barreiras que a própria diretora acabou impondo.

Com base na curta filmografia de Elizabeth Banks, não era o que ela poderia oferecer – o que pode significar um erro ou um acerto pelo direito de existir. A diretora claramente optou por uma comédia que faz rir sem machucar e pouco choca; a presença de crianças no elenco só reforça isso. Como resultado, o longa se torna esquecível.

Para traçar um paralelo: exemplo de comédia nonsense da década de 1980, “Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu!” não teme em chocar com piadas ácidas em meio a um argumento absurdo. O longa protagonizado por Leslie Nielsen (“Corra que a Polícia Vem Ai!”) entende o universo ao qual pertence – ainda que curiosamente também tenha crianças no elenco. Poderia ter servido de referência.

Evolução (auto)limitada

Em “O Urso do Pó Branco”, ao menos, Elizabeth Banks demonstrou evolução ao conduzir um filme. A diretora entregou uma obra honesta e que tentou ao máximo homenagear as comédias dos anos 1980 e até 1990 – apesar de alguns erros por não saber lidar com a mescla de tecnologia e precariedade adequada a esse tipo de tributo.

O problema está, mesmo, em tentar fazer uma obra atual se passando nos anos 1980. Alguns diálogos e situações soam anacrônicos. É visível a autolimitação a tal tipo de humor, o que deixa a impressão de que seria possível ir além.

Por outro lado, pode ser isso que tenha permitido a existência e a lucratividade de “O Urso do Pó Branco” no mundo atual. Até dava para apresentar o mesmo manejo de “The Boys” – que chega no limite do humor alinhado à contemporaneidade –, mas seriam necessárias uma estrutura e uma equipe bem mais consistentes.

Funcionamento correto

Apesar de não usar todo seu potencial e pecar na confecção do CGI do animal, “O Urso do Pó Branco” funciona. Para além do desenvolvimento mesclando comédia e terror gore, Elizabeth Banks acertou na escalação de um elenco carismático.

Dali, destacam-se o premiado Jesse Tyler Ferguson (“Modern Family”) como o expert em animais Peter e o extraordinário ator mirim Christian Convery (“Sweet Tooth”) na pele do garoto Henry – além, é claro, a possibilidade de nos despedirmos do falecido ator Ray Liotta (“Os Bons Companheiros”), aqui como o chefão do tráfico Syd.

“O Urso do Pó Branco” é uma boa comédia nonsense, com a chancela dos dias atuais, mas que poderia ir muito mais além do seu potencial. Entretenimento esquecível para o cinema, mas certamente uma boa pedida para serviços de streaming.

*“O Urso do Pó Branco” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (30).

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Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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