Em 15 minutos de um bate-papo amigável conduzido ainda em um quarto de hotel no Chile, o carismático Phil Collen repetiu por mais de 10 vezes a palavra “work” – em contexto de “trabalho”, não de “funcionar”. Na maioria das vezes, o guitarrista do Def Leppard dizia a combinação “work hard”, no sentido de “trabalhar duro”, “esforçar-se”. Mesmo que esse não fosse o gancho inicial, muitas de suas respostas levavam a isso naturalmente.
É mais uma prova de algo que muita gente nem se dá conta: para chegar ao topo, você precisa ralar. Não é por acaso ou só por talento que o Def Leppard figura entre as bandas que mais venderam discos na história, com mais de 100 milhões de cópias estimadas em toda a sua carreira e 20 milhões delas apenas de “Hysteria”, álbum de 1987. Os caras são workaholics. E os fãs só têm a comemorar por isso.
Um bate-papo com Phil Collen
Def Leppard e Mötley Crüe juntos
Collen e sua banda – completa por Joe Elliott (voz), Vivian Campbell (guitarra), Rick Savage (baixo) e Rick Allen (bateria) – estão prestes a fazer sua terceira passagem pelo Brasil, desta vez para show único, nesta terça-feira (7), no estádio Allianz Parque em São Paulo, junto do “desaposentado” Mötley Crüe. Ambos os grupos estão com a turnê mundial The World Tour, que dá continuidade à bem-sucedida The Stadium Tour, que rodou pelos Estados Unidos e se tornou uma das excursões de maior arrecadação do planeta em 2022.
Mesmo tendo feito milhares de shows por todo o planeta em décadas de carreira – sua entrada para o Def Leppard ocorreu em 1982 –, Phil garante que a atual turnê pela América Latina tem sido uma das melhores de toda a sua vida. Seu grupo e o Mötley Crüe, agora com o guitarrista John 5 na vaga do retirado Mick Mars, tocaram para “plateias loucas e afetuosas” no México, Colômbia, Peru e Chile antes da chegada ao Brasil, que se deu no último domingo (5).
Mas como o Leppard e o Crüe, duas bandas um pouco diferentes em suas essências, resolveram viajar o planeta em conjunto? O guitarrista explica que a “sementinha” foi plantada após uma temporada de shows como residente em Las Vegas, em 2019, quando a turnê seguinte começou a ser planejada.
“Nossa última turnê pelos Estados Unidos havia sido com o Journey, com alguns shows em estádio. Mas aí falaram: ‘e se fizéssemos shows só em estádios e trouxéssemos o Mötley Crüe de volta da aposentadoria?’. E a reação foi tipo: ‘Mesmo? Será que eles fariam isso?’. E eles fizeram. Nunca havíamos feito uma turnê só de estádios. Todos se empolgaram e foi incrível. Com o sucesso disso, pensamos em levar para o resto do mundo. Temos um avião gigante, é hilário. Muito divertido. Todos se sentam ali. Tommy (Lee, baterista do Crüe) está ali, daí Joe Elliott está na área da frente… é muito divertido. É como um bando de garotos curtindo. Passamos por todas aquelas coisas malucas e chegamos ao outro lado da vida, crescemos, tivemos filhos e temos muito em comum. E tocamos em bandas de rock, apaixonados pelo que fazemos.”
Os “party animals” inveterados do Mötley Crüe mantêm amizade com os caras do Def Leppard desde a década de 1980. Phil Collen, que exala saúde aos 65 anos, destaca que ninguém das bandas se dedica à farra como antigamente.
“Passamos por todas essas coisas diferentes. Nikki Sixx (baixista do Crüe) hoje tem 5 filhos. Sou um ano mais velho, mas nossos aniversários têm 4 dias de distância, somos de dezembro. Então, todos temos muito em comum. Quando você consegue sair do outro lado da fama, manter-se vivo, tudo é ótimo – e você não precisa ficar chapado para celebrar; celebramos estando em turnê. São duas versões diferentes de rock, sabe? Diferentes estilos, mas funciona. Meio que faz a plateia gostar mais do que se fossem duas bandas do mesmo estilo.”
Superando os ídolos no palco?
Não há como negar: o Def Leppard soa bem no palco. Ainda que a extensão vocal de Joe Elliott não seja a mesma de outros tempos – o que é natural –, toda a banda soa muito entrosada, não apenas pelo trabalho instrumental, como também de vozes.
Phil Collen diz que tanto ele quanto seus colegas têm o objetivo de atingir um patamar “intocável” onde apenas os gigantes do rock estão, por isso buscam evoluir cada vez mais e não se dão por satisfeitos com o legado já construído. Eles ainda não chegaram em tal posição, mas garantem: em cima do palco, são melhores que os nomes já presentes neste panteão.
“Ainda não conquistamos o que realmente temos como objetivo. Tem outro nível, o de bandas Led Zeppelin, Rolling Stones ou Queen, e não estamos lá ainda. Então, temos que chegar lá. Amo essas bandas que eu falei – são meus ídolos, não me entenda mal –, mas em um bom dia, somos melhores em shows que qualquer uma delas. Tecnicamente. A gente se esforça, trabalha duro, inclusive fisicamente. Treino todos os dias, toco guitarra todos os dias, canto todos os dias para manter a voz boa. Não consigo nem acreditar quando cantamos ao vivo e são nossas vozes. Soa como o disco. Mas é porque eu, Joe, Sav e Vivian estamos cantando juntos há muitos anos. São 30 anos desde que Vivian chegou e 41 anos desde que eu cheguei. Cantando todos os dias. Então tiramos vantagem disso.”
A situação atual da indústria musical também obriga o Def Leppard a seguir melhorando a qualidade de seus shows. Hoje, a banda compete com artistas que fazem claro uso de bases pré-gravadas. Como a intenção é manter seu som 100% ao vivo, é preciso soar perfeito.
“Há outra competição agora. Há muitos artistas pop, hip hop e country que cantam com as bases pré-gravadas. Colocam samples para tocar e cantam por cima. Nós não. Obviamente temos alguns loops na ‘Rocket’ ou ‘Love Bites’, partes de teclado, mas os vocais e todo o resto são reais. E soa diferente. Obviamente, tem alguns erros, sua voz sai ruim ou algo assim – o que está ok –, mas na maior parte do tempo é espetacular. Gosto desse sentimento. E quando saímos em turnê, a Beyoncé está em turnê, a Taylor Swift está em turnê, e enquanto fazem esse tipo de coisa, nós somos ao vivo mesmo. Somos uma banda de rock. Soa brega dizer isso, mas nós e o Mötley Crüe estamos mantendo o rock vivo. Porque o rock está sendo ignorado, já que todos estão curtindo outros estilos.”
Altos e baixos com o Brasil
O show desta terça (7) poderia representar a quarta visita do Def Leppard pelo Brasil, mas a banda britânica cancelou sua presença no primeiro Rock in Rio, em 1985, sendo substituída pelo Whitesnake. Já explicamos aqui no site, mas reforçamos: o motivo não teve nada a ver com o acidente sofrido por Rick Allen no Réveillon de 1984, menos de duas semanas antes do início do evento. Em novembro daquele ano, já se sabia que a viagem não aconteceria, pois as gravações do supracitado “Hysteria” estavam bem atrasadas – e foram ainda mais postergadas, aí sim, pela colisão que fez Allen perder um de seus braços, mas continuar a tocar bateria heroicamente.
Quando o grupo enfim resolveu vir, durante a turnê do álbum “Slang” em 1997, fizeram shows vazios em São Paulo e especialmente no Rio de Janeiro, onde estima-se que 250 fãs compareceram para vê-los em um local com capacidade máxima para 8 mil pessoas. Mais duas décadas foram necessárias para que eles retornassem, em 2017, agora em circunstâncias mais favoráveis: uma apresentação no Rock in Rio e datas separadas em São Paulo (com o Aerosmith) e Porto Alegre (com o The Who).
Como explicar esses altos e baixos de uma banda tão popular em um país específico? Phil Collen apresentou o que acredita ser a razão para isso:
“Sabe, eu só queria que tivéssemos vindo para cá muito antes. O mesmo aconteceu em algumas partes da Europa. No passado, estávamos tão concentrados em fazer discos. E gravamos ótimos discos, mas perdemos parte desse ímpeto e apelo de turnês. É o único arrependimento que temos: se tivéssemos essa mentalidade que temos agora, teríamos vindo muito mais vezes. Trabalhamos mais hoje do que nunca. E é um pouco mais fácil porque somos músicos melhores e há muitos benefícios em se esforçar mais. É a grande diferença com muitas outras bandas. Penso que o seu melhor não é bom o suficiente – e isso é apenas o ponto de partida; você tem que estar acima disso. Muitas bandas não pensam assim, mas é problema deles, não nosso.”
Ao ser perguntado sobre os shows vazios de 1997, o guitarrista se divertiu ao relembrar da situação.
“Lembro que tocamos no Rio e pensamos: Rio de Janeiro, oh, vai ser uma loucura! E tinha tipo 100 pessoas lá. E nós pensamos… será que ninguém avisou o público sobre o show? Foi ótimo para as 100 pessoas que vieram, foi incrível. Sempre damos o melhor. Tenho uma banda paralela com Robert DeLeo do Stone Temple Pilots e outros caras, dois desses caras ganharam Grammy, eu estou nessa banda que vendeu 100 milhões de discos, daí fomos tocar em um lugar em Santa Cruz, na Califórnia, e… 15 pessoas compareceram. E foi o melhor show da turnê. Tocamos músicas extras, perguntamos o que o pessoal queria ouvir… isso fez especial. É um privilégio ainda poder tocar ao vivo. Não tomamos nada como garantido. É por isso que muitas pessoas veem como algo íntegro, eu acho.”
O novo álbum que nasceu por acaso
A passagem do Def Leppard pelo Brasil faz parte também de um ciclo próprio de compromissos em que é promovido o novo álbum “Diamond Star Halos” (2022). Décimo segundo disco de estúdio da banda, apresenta 15 músicas inéditas, incluindo os singles “Kick”, “Take What You Want” e “Fire it Up”, além de “This Guitar”, parceria com Alison Krauss.
Phil Collen definiu a gravação deste álbum como a sua “favorita” entre todos os discos. O motivo? Foi bem mais relax do que em outras ocasiões, visto que cada um fez sua parte à distância.
“Joe e eu iríamos gravar duas músicas em Dublin quando a Covid veio. Então, apenas ficamos em casa e eu toquei todos os dias, compus músicas. Daí Joe e eu estamos conversando e eu falei que tive uma ideia, mas não seria para o Def Leppard, porque soava como outra coisa. E antes que percebêssemos, estávamos compondo e tínhamos cinco músicas prontas. Apenas nós dois. E fiquei muito empolgado. Então vimos que poderíamos fazer um álbum dessa forma. Pegamos o resto dos caras, todos tocaram no material e então vimos outras músicas que poderíamos fazer, que estávamos pela metade.”
Os integrantes estavam tão inspirados que chegaram a compor mais músicas que o planejado – segundo o guitarrista, isso nunca acontece com a banda. O material pode ser aproveitado em um próximo disco, a ser feito em intervalos durante os futuros compromissos de turnê. Agora que os caras perceberam que dá para produzir à distância, ficou ainda mais fácil.
“Em ‘Diamond Star Halos’, gravei meus vocais no andar de cima, em meu closet, com todas as roupas, para tirar os outros barulhos. Embaixo, gravei todas as guitarras na sala. É por isso que eu tenho meu computador configurado. Foi ótimo e foi totalmente inspirado. Todos adoraram isso, pois poderiam estar em casa, fazer suas próprias coisas e ainda trabalhar nas coisas que estávamos criando.”
O quarentão “Pyromania”
A entrada de Phil Collen para o Def Leppard marcou o início da popularidade da banda a níveis impressionantes. O guitarrista estreou em “Pyromania”, terceiro álbum do grupo, lançado em 1983 e responsável por apresentar hits como “Photograph”, “Rock of Ages”, “Foolin’” e “Too Late for Love”. Mais de 10 milhões de cópias do trabalho foram vendidas somente nos Estados Unidos.
Collen, claro, não toma para si os méritos de tamanho sucesso. O músico entende que o produtor Robert John “Mutt” Lange, também envolvido no disco anterior “High ‘n’ Dry” (1981) e notório pelos trabalhos anteriores com AC/DC e Foreigner, fez o grupo entrar em um patamar mais elevado.
“Mutt tem tanta experiência e ele se sai bem misturando, transformando em um híbrido, ao misturar diferentes estilos de música sem abdicar do rock e de sua integridade. ‘Pyromania’ é rock, mas tinha elementos diferentes, como os backing vocals fortes. Ele descobriu que eu conseguia cantar e começou a me fazer cantar em algumas coisas. Meu estilo era diferente de Steve Clark e do meu antecessor Pete Willis. Meu estilo era mais americano, mais agressivo. Então funcionou muito bem, sabe.”
O guitarrista, em seguida, compartilhou algumas lembranças de quando o disco estava sendo concebido.
“A primeira coisa que fiz foi ‘Stagefright’. Eu cheguei e Mutt falou para eu levar a música para casa e pensar em um solo. Vim no dia seguinte, pluguei minha guitarra Destroyer em um amplificador Marshall, e consegui na primeira ou segunda tomada. E isso foi tipo: uau, isso é diferente. Daí veio ‘Photograph’… eu me diverti muito porque meu papel era fazer guitarra principal, solos e todas as coisas divertidas. Tipo: faça o Eddie Van Halen nessa música.”
Como dito anteriormente, Collen é um músico do tipo “focado”, que fala bastante em trabalho. Porém, segundo ele, ninguém é mais workaholic que Mutt Lange.
“Acho que somos muito bons em trabalhar duro, mas Mutt trabalha muito mais duro. É a pessoa que trabalha mais duro entre todas que eu conheci na minha vida. Ele disse que para tornar algo especial, único e imortal, você tem que trabalhar mais. Ele nos ensinou isso. Ele não foi muito exigente, estava apenas nos mostrando como as coisas funcionam. Se você não quer trabalhar duro, meio que soa como isso. E você não pode se incomodar, pois seu esforço se reflete no resultado. É como nos esportes. Se alguém ali não está realmente se esforçando tanto, de repente isso se mostra: você não se torna bom o suficiente para entrar no time principal e acaba no banco.”
Serviço
Esta entrevista foi conduzida também para a Rolling Stone Brasil e será divulgada no formato de vídeo em breve. O Def Leppard e o Mötley Crüe, com abertura de Edu Falaschi, se apresentam nesta terça-feira, 7 de março de 2023, no estádio Allianz Parque (av. Francisco Matarazzo, 1.705 – Água Branca – São Paulo). Horários: abertura dos portões às 16h | show do Edu Falaschi às 18h15 | show do Mötley Crüe: 19h30 | show do Def Leppard às 21h30.
Ingressos seguem à venda pelo site Eventim, nos setores de pista premium (R$ 760 a inteira), cadeira inferior (R$ 560 a inteira e R$ 280 a meia), pista (R$ 440 a inteira e R$ 220 a meia) e cadeira superior (R$ 360 a inteira e R$ 180 a meia). Usando o cupom promocional MCDF2X1, é possível comprar duas entradas pelo preço de uma.
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