A explosão do Smashing Pumpkins em “Siamese Dream”

Banda alternativa mais ambiciosa dos anos 1990 precisou experimentar o fundo do poço antes de ascender ao mainstream

O início dos anos 90 foi a época em que o rock alternativo, após uma década de desenvolvimento, se tornou mainstream. A cena de Seattle, apelidada de grunge, é sinônimo desse período, mas uma banda de outro lugar chegou ao mesmo patamar de nomes como Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden fazendo um som completamente diferente.

O Smashing Pumpkins era de Chicago, tinha influências mais prog do que seus contemporâneos e um som muito mais denso. Enquanto as bandas de Seattle eram conhecidas por riffs grooveados, o grupo liderado por Billy Corgan era marcado por overdubs infinitos de guitarra e solos intermináveis.

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Após uma estreia surpreendentemente popular com “Gish” (1991), o Smashing Pumpkins estava pronto para tomar o mainstream. O resultado acabou sendo um dos discos mais emblemáticos da década de 90: “Siamese Dream”.

A explosão alternativa

O Smashing Pumpkins surgiu na época certa. Ao fim dos anos 80, uma década inteira de bandas alternativas havia criado um ambiente underground propício para nomes darem o pulo ao mainstream. 

Inicialmente, o projeto era formado pela dupla de guitarristas Billy Corgan e James Iha acompanhada de uma bateria eletrônica. A composição do grupo logo foi completa com a entrada da baixista D’Arcy Wretzky e o baterista Jimmy Chamberlin.

A sonoridade também foi evoluindo nos primeiros anos. De início, eram influenciados pelo The Cure e Joy Division, incorporando mais elementos de hard rock e heavy metal setentista. Grande parte dessa identidade sonora tomou forma quando Corgan e Iha começaram ambos a usar amplificadores Marshall JCM800 e pedais de fuzz Big Muff do final dos anos 1970, caracterizados por uma distorção agressiva.

Eles finalmente gravaram seu disco de estreia, “Gish”, entre dezembro de 1990 e março de 1991, sob a supervisão do produtor Butch Vig. Armados com um orçamento de US$ 20 mil (um luxo para bandas underground, cortesia da Caroline Records), eles se enfiaram no Smart Studios em Wisconsin. Durante as sessões, o perfeccionismo de Corgan começou a se manifestar na forma de gravar todas as partes de guitarra e baixo, alienando Iha e Wretzky, na época um casal.

Em entrevista de 2008 à EQ Magazine, Vig discutiu como a mentalidade de Corgan com relação à sonoridade do disco era diferente de outros artistas da cena alternativa:

“Ele queria fazer tudo soar incrível e ver o quão longe dava para expandir tudo; de realmente passar tempo na produção e nas performances. Pra mim isso foi um presente divino porque eu estava fazendo discos para todos os selos indies e a gente só tinha orçamento pra três ou quatro dias. Ter o luxo de passar horas num timbre de guitarra ou afinando a bateria, ou trabalhando em harmonias e texturas… Eu estava no céu achando que tinha encontrado um camarada em armas que queria me desafiar, e queria mesmo que eu desafiasse ele.”

“Gish” foi lançado em maio de 1991, e vendeu 100 mil cópias em seu primeiro ano, muito além das expectativas da gravadora. Contudo, o grupo foi suplantado como a grande esperança do rock alternativo em setembro, quando saiu “Nevermind”, do Nirvana.

Corgan chegou a ironizar o fato da banda ter sido ofuscada em uma entrevista em 1993 para o programa da MTV 120 Minutes:

“Nós fomos de ‘o próximo Jane’s Addiction’ para ‘o próximo Nirvana’, agora somos ‘o próximo Pearl Jam’.”

Em entrevista de 1995 à Rolling Stone, contudo, Corgan falou sobre o impacto negativo de “Nevermind” na moral do grupo:

“As coisas estavam tão f#didas que é difícil pensar no que cada um estava pensando. Digo, nós fomos colocados numa situação complicada mesmo. Nós lançamos ‘Gish’. Foi um grande sucesso. Saímos em turnê, esgotando tudo quanto é lugar. Tudo estava legal, beleza. De repente, boom, Nirvana. Nós fomos de sermos futuras estrelas para dinossauros, pessoas falando: ‘bem, se vocês fossem tão bons, isso teria acontecido com vocês’.”

A turnê de “Gish” também teve as brigas rotineiras pioradas pelo fato que nenhum dos integrantes havia passado por uma experiência tão longa na estrada antes. D’Arcy e James terminaram nessa época, e o baterista Jimmy Chamberlin adquiriu um vício em drogas.

Corgan, nesse meio tempo, havia desenvolvido um caso de depressão clínica sérissimo, como ele contou ao Pitchfork em 2011: 

“Depois do primeiro disco, eu fiquei completamente suicida. Foi uma depressão de oito meses, mais ou menos, e eu estava bem suicida por dois ou três meses. E eu fiz essa escolha meio fundamental, que foi: ‘estou meio que no fundo do poço e não tem nada mais para me manter vivo, então eu devia fazer a música que eu quero mesmo fazer.”

Isolamento

Em dezembro de 1992, o Smashing Pumpkins deixou para trás o Meio-Oeste dos Estados Unidos, as picuinhas locais e os traficantes de Jimmy Chamberlin, para gravar o sucessor de “Gish” em Marietta, uma cidadezinha próxima de Atlanta, na Geórgia. Eles agora estavam sob a tutela da Virgin, a gravadora-mãe da Caroline e uma das maiores distribuidoras do mundo.

O grupo decidiu trabalhar novamente com Butch Vig, que agora era visto como um dos produtores mais em demanda do rock alternativo após seu trabalho em “Gish”, “Nevermind” e “Dirty” (1992), estreia do Sonic Youth em uma gravadora major.

E novamente as gravações foram marcadas por Corgan tomando a dianteira e gravando a maioria dos baixos e guitarras. Em entrevista de 1993 à Spin, o líder do Smashing Pumpkins falou de maneira franca sobre as tensões em torno disso na banda:

“Sabe, eu dei a eles um ano e meio para se prepararem para esse disco. Eu estou cercado desses pessoas por quem me importo muito, mas que continuam a me desapontar. Eu digo: ‘preciso disso, preciso daquilo’. E eles não fazem o trabalho. Isso me faz sentir o mesmo abandono que senti quando criança. O que isso diz pra mim é: ‘você não vale a pena’. Você leva para um lado muito pessoal. Se você pensar bem sobre isso, é claro, alguém não faz o trabalho por ser preguiçoso ou porque não acha importante. Mas eu olho como: ‘não vale a pena ir pra casa e trabalhar na canção por você’.”

Esse estado mental de Corgan era exacerbado pelo fato do material em “Siamese Dream” ser o mais pessoal de sua carreira. Nenhum tópico parecia ser fora dos limites, desde sua depressão ou infância conturbada até a condição genética cromossomial do irmão, que inspirou a canção “Spaceboy”.

Conversando com a Spin, Corgan detalhou seu método para escrever as letras do disco:

“Quando eu escrevi as letras desse disco, eu sentei com uma máquina de escrever e datilografava páginas e páginas. Quando eu chegava numa frase que me fazia desconfortável e envergonhado, era essa que eu usava.”

O Smashing Pumpkins era marcado por uma dicotomia fundamental em termos de seu som, imagem e personalidade dos integrantes. O grupo fazia um som inspirado pela era mais excessiva do rock – o hard rock e o prog dos anos 70 – e a imagem deles transmitia tal modernidade em sua demografia a ponto de se tornar inspiração para um clichê de banda alternativa dos anos 90. 

Entretanto, no fundo eles não eram cool, e essa tensão serviu como inspiração para uma das canções mais populares do grupo, “Today”, como Corgan explicou à Spin:

“Eu havia chegado a um ponto em que havia um conflito direto entre o que eu estava tentando ser e quem eu realmente era. Eu estava tentando ser essa pessoa cool, sempre no topo. Mas ali estava eu, escrevendo uma canção boba como ‘Today’. Eu cheguei numa bifurcação. Eu jogo isso no lixo e tento perseguir um tipo ideal que não consigo me equiparar ou aceitar quem eu sou, que é um garoto careta de Chicago? De um jeito estranho, aceitar a mim mesmo nesse nível fez minha vida ainda mais poderosa. Essa canção ressoa de um lugar verdadeiro.”

“Today” foi a primeira música do disco que eles tocaram para a gravadora, como Corgan contou à revista Creem em 1994:

“Nós estávamos trabalhando no disco, e tinham todas essas pesoas da Virgin entrando e saindo, tentando descobrir como as coisas estavam indo. Então, para a gente tirar eles do nosso cangote, eu decidi dar a eles uma canção, ‘Today’. E eles amaram. A partir daí todas essas pessoas estavam matraqueando sobre o quão bom esse disco seria, como soaria, tudo a partir dessa canção. Estávamos sentados no estúdio em Atlanta e tudo que a gente escutava era como esse álbum era f#da!”

Tsunami de guitarras

Além da sinceridade das letras, “Siamese Dream” é marcado por uma quantidade faraônica de guitarras. Apesar do disco ter sido gravado em fita analógica e ser sujeito às limitações do formato em termos de quantidade de faixas, Billy Corgan construía camadas sônicas regravando a mesma parte com ajustes feitos seja na equalização do amplificador ou no pedal, alterando o nível de distorção ou volume.

Em uma sessão de perguntas e respostas do fórum GearSpace (via Guitar), Butch Vig falou sobre o trabalho envolvido para transformar isso tudo em algo coeso:

“Billy era um cientista maluco com as guitarras. Muitas vezes, eu precisava literalmente desenhar um mapa da canção para as guitarras, com todas essas flechas, dizendo: ‘ok, essa aqui vai para a faixa 14, para a guitarra limpa no segundo verso’. Por exemplo, ‘Soma’ tem um dos maiores mapas de guitarra que eu já fiz. Era épico. Eu lembro de precisar virar pro verso da folha da faixa e continuar o mapa.”

Além das guitarras, ainda haviam arranjos de corda e vários elementos encontrados no rock mais excessivo dos anos 70, como o mellotron, proto sintetizador usado pelos Beatles, King Crimson e a Electric Light Orchestra

O instrumento, abandonado num canto do estúdio acumulando poeira, acabou se tornando a chave para destravar “Spaceboy” no estúdio, como Corgan contou à revista Creem:

“A gente estava fazendo ‘Spaceboy’ e não estava indo a lugar algum. Então Butch sugeriu que eu tentasse usar. Eu usei, e depois daquilo, eu queria colocar em tudo!”

No meio desse processo, uma faceta do plano de gravar longe de Chicago estava caindo por terra. Jimmy Chamberlin havia voltado a usar drogas, desaparecendo por dias a fio. Quando finalmente comparecia ao estúdio, estava chapado demais para tocar.

Corgan chegou a punir seu baterista por esses sumiços o fazendo tocar sua parte em “Cherub Rock” até as mãos sangrarem. Contudo, foi preciso um ultimato de todos o avisando do perigo de ser demitido para ele finalmente ir à reabilitação.

Ao final das gravações, tanto Corgan quanto Vig estavam exaustos demais para mixar. Decidiram entregar a tarefa para Alan Moulder, porque o líder dos Pumpkins admirava o trabalho do inglês no álbum “Loveless” (1991), do My Bloody Valentine.

O processo inteiro de “Siamese Dream” durou quatro meses e o disco acabou custando 250 mil dólares a mais que o previsto. À Rolling Stone em 1993, D’Arcy Wretzky resumiu o porquê disso:

“Perfeição não é uma coisa fácil a se fazer. Estamos tentando fazer algo grande e lindo e que irá durar, uma obra de arte.”

Felizmente para o Smashing Pumpkins, “Siamese Dream” correspondeu às ambições. O álbum, lançado dia 27 de julho de 1993, estreou em 10º lugar nas paradas americanas e 4º lugar nas britânicas. Foi certificado disco de platina quádruplo nos Estados Unidos, vendendo mais de quatro milhões de cópias por lá.

O grupo foi alçado para patamares ainda maiores no lançamento seguinte, o disco duplo “Mellon Collie and the Infinite Sadness” (1995). Cimentou o status do Smashing Pumpkins como um dos grupos definitivos dos anos 90 e do rock alternativo. 

Entretanto, “Siamese Dream” marcou o momento em que a banda encontrou a maneira de traduzir suas ambições para o público em geral. 

Smashing Pumpkins – “Siamese Dream”

  • Lançado em 27 de julho de 1993 pela Virgin
  • Produzido por Butch Vig e Billy Corgan

Faixas:

  1. Cherub Rock
  2. Quiet
  3. Today
  4. Hummer
  5. Rocket
  6. Disarm
  7. Soma
  8. Geek U.S.A.
  9. Mayonaise
  10. Spaceboy
  11. Silverfuck
  12. Sweet Sweet
  13. Luna

Músicos:

  • Billy Corgan (voz, guitarra, baixo, Mellotron na faixa 10, cítara elétrica nas faixas 4 e 13, arranjos de cordas)
  • James Iha (guitarra)
  • D’arcy Wretzky (baixo)
  • Jimmy Chamberlin (bateria)

Músicos adicionais:

  • Mike Mills (piano em 7)
  • Eric Remschneider (arranjos de cordas e violoncelo em 6 e 13)
  • David Ragsdale (arranjos de cordas e violino em 6 e 13)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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