“Uma bela e exaustiva rotina”. É assim que Paul Laine define sua trajetória na música.
Nascido Paul Robert Laine em 12 de outubro de 1967, o canadense começou como artista solo antes de se juntar ao Danger Danger, no qual substituiu o vocalista Ted Poley entre 1993 e 2004. Liderou também a banda alternativa Shugaazer e o projeto country Darkhorse.
Desde 2016, Laine integra o The Defiants, com seus ex-colegas de banda do Danger Danger, o baixista Bruno Ravel e o guitarrista Rob Marcello. De lá para cá, foram três álbuns lançados: “The Defiants” (2016), “Zokusho” (2019) e o mais recente, “Drive”, que saiu este ano, todos pela italiana Frontiers Records.
Quando não está trabalhando, Paul curte velejar, surfar, dirigir sua Kombi, reformar carros antigos. Foi de sua casa na Costa Oeste dos Estados Unidos — “de frente para o Oceano Pacífico”, segundo ele —, que respondeu às perguntas deste jornalista. Confira a seguir.
The Defiants: unindo antigos fãs aos novos
Na resenha publicada em IgorMiranda.com.br, o colaborador João Renato Alves atribuiu a “Drive” a qualidade de “fan service”, mas de maneira positiva. Para ele, a entrega do The Defiants em seu terceiro álbum é autêntica e ressoa com os fãs que o acompanham e os projetos paralelos de seus integrantes ao longo dos anos.
Mas será que é uma preocupação da banda, digamos, se reinventar sem descaracterizar a si mesma? Paul Laine voltou à criação do The Defiants para deixar claro que, desde o início, os músicos não estavam tentando ser o Danger Danger. Parte do plano era soar atual.
“Muitas bandas novas surgem tentando soar como outras de antigamente, e isso para mim é chato. Eu não queria fazer isso. Queria, sim, homenagear o que fizemos no passado, mas sem me render aos velhos clichês em termos de produção. Não queria fazer o mesmo disco que fiz há vinte anos. Busco sempre incorporar novas técnicas e elementos modernos. Bruno e eu vivemos de música, é o nosso trabalho em tempo integral. Então, seria ridículo se não o fizéssemos.”
Esse “caminho do meio”, obviamente, traz benefícios.
“As bandas conseguem unir os antigos fãs aos novos. Os antigos podem apreciar o ‘crescimento’ e os novos não se deparam com algo datado.”
O processo de criação e gravação de “Drive”, bem como o de seus antecessores, foi ditado pela distância geográfica. Laine está na Califórnia, enquanto Ravel mora em Nova York e Marcello reside em Estocolmo, na Suécia. Além da economia nos custos, o cantor aponta outra vantagem do trabalho remoto:
“Não estarmos todos gravando juntos nos impede de matarmos uns aos outros! [Risos.]”
Embora não tenha influenciado no modus operandi, a pandemia exerceu papel na escrita das letras do novo álbum. Laine fala a respeito de duas delas:
“‘Hey Life’ é meio que o nosso dedo do meio para a pandemia. É sobre a frustração de ser privado da própria rotina; não poder pegar um avião, não poder ir ao mercado, não poder tocar o próprio negócio. E ‘Nothing’s Gonna Stop Me Now’, como o próprio título já diz, é outra letra inspirada na pandemia.”
Quando questionado se essas duas estão entre as suas favoritas do disco, Paul afirma que não, e elenca duas que, segundo ele, “fogem do padrão”:
“Amo ‘What Are We Waiting For’. É o tipo de música que se esperaria ouvir no disco de qualquer outra banda, não do The Defiants. Outra que amo é ‘Another Time, Another Place’, que também tem uma identidade sonora diferente.”
As identidades sonoras distintas presentes no repertório de “Drive” talvez só tenham sido possíveis graças ao tempo que ele levou para ficar pronto. Laine conta que o disco demorou dois anos para tomar forma — enquanto a estreia homônima levou três meses e “Zokusho”, seis. A ideia era poder prestar atenção nos mínimos detalhes.
“Queríamos uma produção meticulosa ao estilo ‘Mutt’ Lange de modo que as pessoas notassem algo de novo fosse na segunda ou centésima ouvida. Então, fizemos valer cada segundo, pensando cada efeito, cada textura, cada harmonia vocal, cada atmosfera.”
Quanto a planos para cair na estrada, Paul parece incerto e até mesmo meio frustrado.
“Quem sabe? Talvez uns shows na Europa, que é o que costumamos fazer, em 2024. Se tivéssemos lançado o disco no começo do ano, era capaz de estarmos fazendo os festivais de verão europeus, mas como não lançamos…”
Amor e ódio por álbuns solo
Paul Laine tinha 17 anos quando compôs a maioria das músicas de “Stick It in Your Ear” (1990), seu cultuado disco de estreia; entre elas, a balada “Dorianna”.
“Eu diria que uma vez por mês alguém do Brasil me manda uma foto [da margarina da marca Doriana], e eu acho engraçado porque todos acham que estão me contando alguma novidade!”
Laine conta que uma pessoa real inspirou a letra de seu maior sucesso, mas que ele precisaria estar muito bêbado para entrar em detalhes. Assegurou, porém, que o nome da dita cuja não era Dorianna.
Encanta-o o fato de tantas pessoas tão mais novas ou de países tão diversos conhecerem sua obra solo, que se resume a “Stick” e ao sucessor “Can’t Get Enuff” (1996).
“Recebo mensagens de muita gente da sua idade, dizendo que encontrou meu CD na coleção de discos do pai. Isso faz com que eu me sinta um idoso, mas me enche de orgulho saber que essas músicas ainda tocam as pessoas de tal modo e me alegra demais ver tanta gente nova correndo atrás de conhecer músicas de outros tempos.”
Proporcional ao amor que Paul sente por “Stick” é o desprezo que nutre por “Can’t”, “o disco que nunca deveria ter visto a luz do dia”. O vocalista diz que a gravadora com a qual havia assinado acabou lançando “esse punhado de demos” antes que o material fosse concluído.
“Nunca tive a chance de fazer as coisas nele como gostaria, por isso é um trabalho que nem considero. ‘Stick It in Your Ear’ foi o disco que eu quis fazer no momento em que o fiz. ‘Can’t Get Enuff’… não vejo motivo para alguém comprá-lo. É uma vergonha como as coisas se desenrolaram nessa época.”
Danger Danger: “não sabia onde estava me metendo”
Paul Laine se juntou ao Danger Danger num período conturbado para a banda. Seu primeiro compromisso foi regravar os vocais originalmente registrados por Ted Poley no álbum “Cockroach”. Previsto para 1993, o sucessor de “Screw It!” (1991) só sairia dez anos mais tarde, em CD duplo contendo tanto as músicas cantadas por Ted quanto as regravadas com Paul — que garante: “eu não sabia onde estava me metendo”.
“Foi deveras estranho. Eu havia finalizado a campanha do meu primeiro disco solo e nunca tinha ouvido falar do Danger Danger quando me juntei à banda. Não conhecia ‘Naughty Naughty’ ou qualquer outra música deles. Não eram famosos no Canadá, não tocavam nas rádios de lá. Então precisei me familiarizar com o estilo e as músicas.”
Apesar de Paul nunca ter ouvido falar do Danger Danger, ambas as partes possuíam um vínculo na figura do produtor Erwin Musper. Ele fez a engenharia de som em “Stick It in Your Ear” e, logo em seguida, produziu o “Screw It!”. Foi ele quem, segundo Laine, fez a ponte. Mas não só isso: Bruno Ravel e o baterista Steve West eram muito fãs do trabalho do vocalista.
“Fizemos amizade pelo telefone, e foi quando eles me disseram que escolheram o Erwin por terem gostado do trabalho dele no ‘Stick It in Your Ear’. Um belo dia, me telefonaram todos elogiosos, contando a respeito do novo disco [‘Cockroach’], dando a entender que estavam interessados em mim. Como eu estava estagnado em razão de um processo contra minha antiga gravadora, decidi ir até Nova York para ver qual era, e o resto é história.”
Paul permaneceu 11 anos no Danger Danger, gravando cinco álbuns e realizando uma porção de turnês mundo afora. Seu valor tinha de ser provado noite após noite.
“Eu não estava preparado para lidar com as viúvas do Ted torcendo o nariz para mim, nem com o próprio Ted, que nem me conhecia, me detonando em entrevistas. Não sou do tipo que sai falando mal de graça dos outros por aí, então a decepção foi grande.”
Anos mais tarde, Paul e Ted se conheceram pessoalmente. A treta ficou no passado, o que não impede de analisar o que aconteceu.
“Apertei a mão dele e disse que não havia ressentimentos. Ele provavelmente agiu daquela forma porque sentiu que era a coisa certa a se fazer. Mas certamente contribuiu com a resistência que tive de enfrentar por parte dos fãs quando entrei para a banda.”
Quando este repórter entrevistou Ted Poley em 2013, ele definiu Paul Laine como “um cara legal”. Paul vai além e define Ted como “um baita cantor”.
“A voz dele é a voz do Danger Danger, né? Ele estava lá no começo. É por isso que a maioria das pessoas prefere os dois primeiros álbuns a qualquer outro dos que vieram depois. Um baita cantor e, se você esbarrar com ele no dia certo, o cara mais engraçado do mundo.”
Ted acabou voltando ao Danger Danger para gravar mais um álbum (“Revolve”, de 2009) e cumprir agendas esporádicas com o grupo. Recentemente, ele anunciou sua aposentadoria, mas Paul não vê isso como uma oportunidade para si.
“Não vejo por que voltar ao Danger Danger. Duvido que volte um dia. Minha saída do Danger Danger se deu pela total falta de espaço que eu tinha como compositor. Eu queria muito fazer parte do processo criativo, mas não havia como no Danger Danger. Era a banda do Bruno e do Steve; eles escreviam as músicas. Eu me sentia um intruso. Seria até legal fazer alguns shows como Danger Danger, mas voltar à banda, às coisas como elas eram, nem pensar.”
Shugaazer: o som da liberdade
Após sua saída do Danger Danger em 2003, Paul Laine formou uma banda que apresentava uma abordagem musical totalmente diferente da de seu projeto anterior.
O estilo do Shugaazer era um rock alternativo com influências do grunge, combinando elementos de rock melódico com a energia mais pesada e sombria oriunda de Seattle. Ou seja, nada a ver com o hard rock/glam metal pelo qual o Danger Danger era conhecido.
Laine conta que seu último show com o Danger Danger [em 25 de junho de 2003, em Londres, Inglaterra] foi o que virou o álbum “Live and Nude” (2005). Nem ele sabia que seria sua despedida.
“Recebi uma boa oferta do Magnus Söderqvist, ex-presidente da [gravadora alemã] MTM Music, responsável por todo o catálogo do Danger Danger no período em que estive na banda. Ele voou até Londres e disse: ‘Sinto que você não tem o espaço que merece. Você está preso a uma fórmula datada. Aqui está um bom budget e você tem total liberdade para compor e gravar o que bem entender’. Topei na hora. Tendo, enfim, a chance de fazer um disco com a minha cara, não pensei duas vezes ao deixar a banda.”
O resultado é “Shift” (2003), um álbum que Paul define como responsável por fazê-lo sentir-se “livre”.
“Não gosto de me impor limitações enquanto artista. Tipo, gravei um disco de música country com o Darkhorse. Gosto de experimentar, tentar coisas novas. E isso me faz voltar ao The Defiants: por mais que o som seja calcado no hard rock dos anos 1980, é um lance mais atual, que não soa datado. E também por isso que comecei a trabalhar com jingles e trilhas sonoras para o cinema a para a TV. Um dia você está junto de uma orquestra. No outro, está tocando metal industrial. É muito divertido, quando se é um compositor, poder explorar tantas vertentes.”
Viver de música até morrer
Em toda a sua carreira, Paul Laine nunca recebeu um disco de platina, jamais foi indicado ao Grammy nem escalado como atração principal de um megafestival. Ainda assim, ele se considera bem-sucedido na indústria musical. Com ânimos levemente exaltados, diz:
“Todo mundo sonha em ficar milionário vivendo de música, mas a verdade é que já é uma tremenda sorte somente conseguir pagar as contas vivendo de música. Se você já ganha algum dinheiro, qualquer que seja, você tem sorte. Beleza, você não é rico como os caras do Aerosmith ou do Journey, mas que se f#da. Você está vivendo de música; está sendo parte dessa p#rra. Eu nunca, jamais, toparia ter outro emprego. Fiz música a minha vida toda e procuro diversificar ao máximo sem me desprender. Gravo num dia, faço show no outro, daí paro para compor algo para a TV. O negócio é esse.”
Os ânimos parecem se exaltar ainda mais ao revelar a realidade de sua banda atual e estendê-la a outros grupos.
“Você acha que o The Defiants ganha dinheiro gravando discos? A maioria das bandas não ganha um centavo. O que mais vejo são bandas pagando para tocar em festivais numa tentativa de ludibriar o público, fazendo-o crer que essa banda é maior do que realmente é. Não tem como alguém querer viver de música só tocando em banda hoje em dia.”
Por fim, uma certeza: dinheiro não é tudo.
“Nada se compara à sensação de ter escrito uma música f#da. Nada. Nada me faz sentir tão bem quanto chegar ao fim do expediente com a certeza de dever cumprido. Ainda sinto o mesmo frisson de quando comecei sempre que termino de escrever uma música nova. Quando todas as peças se encaixam, quando você consegue reproduzir exatamente aquilo que primeiro vislumbrou, é uma beleza sem tamanho. Faz você querer fazer de novo e de novo. E é isso que me mantém vivo e na ativa.”
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Threads | Facebook | YouTube.