Mitski soa sofisticada e intensa em “The Land is Inhospitable and So Are We”

Após guinada ao pop de "Laurel Hell", artista americana nascida no Japão se forja como cantora ao estilo de Frank Sinatra, Dory Previn e Nina Simone

Mitski é uma das poucas artistas surgidas no século 21 capazes de equilibrar senso de humor e intensidade. Isso é evidente desde o disco que a lançou a um público maior, “Bury Me at Makeout Creek” (2014), no qual a cantora fez a justaposição perfeita de canções barulhentas com temas complicados nas letras e um título fazendo referência aos Simpsons.

A artista americana nascida no Japão sempre teve um público cativo, mas de alguns anos para cá sua fama aumentou consideravelmente devido ao uso de uma de suas músicas, “Nobody”, em vídeos de TikTok. Desde então as plateias aumentaram, seu perfil ficou maior e ela deixou para trás suas redes sociais em meio a teorias estapafúrdias que ela seria uma agente da CIA. Internet na sua forma mais destilada.

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“The Land is Inhospitable and So Are We” marca um retorno, de certa maneira. Seu disco anterior, “Laurel Hell” (2022), não apresenta uma mudança muito grande na sonoridade aperfeiçoada ao longo da carreira de Mitski, mas mostrou duas tendências. A primeira é que algumas canções – principalmente o single “Working For The Knife” – tentam seguir a deixa de “Nobody” e soar um pouco mais pop. A outra mudança é a voz de Mitski estar constantemente batalhando com os arranjos por posição na mixagem.

Agora, nesse sétimo disco de estúdio, Mitski tem o holofote só para si. Ao longo de 11 faixas, ela cria para si uma plataforma semelhante a álbuns rebuscados do passado, de nomes como Frank Sinatra, Nina Simone e Dory Previn. Os arranjos são sofisticadíssimos, com crescendos de metais, cordas ou até mesmo corais servindo como ferramentas para causar catarse emocional.

Digo isso porque, como todo álbum da artista, as letras são pesadas. Mitski não tem medo de abordar tópicos incômodos e grande parte do seu apelo junto ao público é sua capacidade de dar voz a várias ansiedades contemporâneas: luto relacionado à mudança climática, desumanização causada pelo capitalismo e como nos sujeitamos e causamos abuso porque queremos ser apreciados pelo próximo muitas vezes bem mais que queremos apreciar de volta.

Isso é evidente desde a abertura de “The Land is Inhospitable and So Are We”. O single “Bug Like an Angel” fala sobre beber além da conta, e como álcool tem aquela tendência de parecer o conforto de um familiar em momentos difíceis. Entretanto, na terceira estrofe, ela manda esse petardo:

“When I’m bent over wishin’ it was over
Makin’ all variety of vows I’ll never keep
I try to remember the wrath of the devil
Was also given him by God”

[“Quando estou de joelhos desejando que acabe
Fazendo todo tipo de voto que não cumprirei
Tento lembrar que a ira do diabo
Também foi dada por Deus”]

Temas relacionados a sofrimento pessoal causado pela experiência de Mitski na indústria musical são constantes ao longo de “The Land is Inhospitable and So Are We”, junto com uma busca por liberdade desse cenário. Em entrevistas para seu disco anterior, a cantora foi muito aberta com seu desconforto em compartilhar sua arte num sistema desinteressado nela além do lucro possível de ser gerado a partir disso.

Seja na belíssima “The Deal” ou na aterradora “I’m Your Man”, a cantora constantemente fala sobre sua pulsão de morte com clareza e honestidade a ponto de intimidar o ouvinte de início. Porém, como tem sido o caso em sua carreira, mais e mais pessoas devem se identificar com isso.

Entretanto, o disco nos deixa com uma mensagem de esperança. Seja na segunda estrofe de “Buffalo Replaced”, que nos mostra essa em uma forma embrionária…

“I have a hope and though she’s blind with no name
She shits where she’s supposed to, feeds herself while I’m away
Sometimes I think it would be easier without her
But I know nothing can hurt me when I see her sleepin’ face”

[“Tenho uma esperança e apesar de ser cega e sem nome
Ela caga onde deve, se alimenta enquanto estou longe
Às vezes acho que seria mais fácil sem ela
Mas sei que nada pode me ferir quando vejo seu rosto adormecido”]

…Ou na faixa de encerramento, “I Love Me After You”, na qual Mitski canta sobre se sentir rainha de tudo, capaz de rir consigo no espelho e andar pelada pela casa com a cortina aberta, sem medo de ser vista pelos vizinhos e pela escuridão.

Duvido que um ouvinte não se identifique com um momento singelo desses — ou ao menos aspire por sentir algo semelhante.

*Ouça “The Land is Inhospitable and So Are We” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

Mitski — “The Land is Inhospitable and So Are We”

  1. “Bug Like an Angel”
  2. “Buffalo Replaced”
  3. “Heaven”
  4. “I Don’t Like My Mind”
  5. “The Deal”
  6. “When Memories Snow”
  7. “My Love Mine All Mine”
  8. “The Frost”
  9. “Star” 2:59
  10. “I’m Your Man”
  11. “I Love Me After You”

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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