Estabilidade à parte, Angra soa previsível em “Cycles of Pain”

Décimo álbum da banda brasileira está aquém das capacidades dos envolvidos ao cair em clichês do prog metal e trazer brasilidade quase que por “obrigação”

Quem vê o Angra em um momento tão estável como o de agora pode até se esquecer da quantidade de furacões em que a banda esteve enfiada ao longo de quase toda a sua carreira. Para se ter ideia, “Cycles of Pain” é o primeiro álbum do grupo a repetir uma formação desde “Aurora Consurgens” (2006). Três discos foram lançados nesse miolo, sempre com alguma mudança — às vezes mais de uma — na formação, hoje composta por Fabio Lione (voz), Rafael Bittencourt (guitarra), Marcelo Barbosa (guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria).

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Em uma análise mais geral, estabilidade é algo positivo. Até mesmo para o lado “empresa” de uma banda. Sabe-se o que esperar. Da constância, porém, vem a previsibilidade. Como dito, sabe-se o que esperar. E isso representa a perda de uma das características mais cativantes da maior parte da discografia do Angra: a capacidade de surpreender.

Quem ouviu “Angels Cry” (1993) lá atrás muito provavelmente não esperava um álbum como “Holy Land” (1996) — e quem ouviu este, jamais anteciparia um disco como “Fireworks” (1998). O Angra, então, perdeu três de seus cinco integrantes; um deles, sua principal figura, o vocalista Andre Matos. Renasceu das cinzas quando ninguém esperava e lançou “Rebirth” (2001). Três anos depois, “Temple of Shadows” (2004) chegou a lugares inimagináveis. Mesmo nos tropeçantes “Aurora Consurgens” (2006) e “Aqua” (2010), a banda insistia em não se repetir.

Após outro forte baque com a saída do cantor Edu Falaschi, nova surpresa: o ótimo — ainda que geralmente criticado — “Secret Garden” (2014). “Ømni” (2018) mostrou um grupo mais seguro e constante, ainda que Marcelo Barbosa tenha chegado para substituir o membro fundador Kiko Loureiro, contratado para uma das guitarras do Megadeth. Aliás, à época, soar estável era justamente a surpresa.

Já não é mais. “Cycles of Pain” peca nesse sentido. E não se trata de qualquer problema com a atual formação, já que quatro dos cinco envolvidos fizeram “Secret Garden”; nem de demandar instabilidade na banda para servir de combustível para uma grande obra, pois nem sempre isso foi necessário para o Angra. É simplesmente uma questão de buscar fazer algo diferente. Toda a trajetória foi marcada por isso.

Até mesmo a temática deste álbum conceitual, reflexivo sobre os ciclos da dor humana e inspirado pelos traumas resultantes da pandemia e das mortes anteriores do pai do guitarrista Rafael Bittencourt e de Andre Matos, pareceu previsível. Mas a principal fragilidade — que não faz deste álbum ruim, apenas bom em meio a uma discografia de momentos bem mais fortes — reside no desenvolvimento das canções.

Ao menos no departamento criativo, o Angra parece ter perdido seu diferencial. Apresenta-se como uma boa banda de metal progressivo à la Dream Theater no século 21 que vez ou outra aponta para os clichês do power e acrescenta alguma brasilidade quase que por obrigação, além de repetir exaustivamente a métrica de intro / verso / refrão / verso / refrão / instrumental+solo / refrão. Costumava ir além disso.

Os demais elementos que caracterizam um disco do grupo estão aqui; alguns deles até vão além. É muito bem executado, como sempre, e a produção comandada por Dennis Ward soa límpida. Talvez seja o álbum deles onde mais — e melhor — se ouve o baixo, assumido desde 2001 por Felipe Andreoli. Provavelmente é o trabalho com linhas de bateria mais rebuscadas desde o ousado “Temple of Shadows”, feito ainda com Aquiles Priester; desde 2014, o titular das baquetas é Bruno Valverde. Só que esses aspectos são mais técnicos do que essencialmente criativos.

“Ride into the Storm”, single inaugural e primeira faixa após a vinheta “Cyclus Doloris”, até indicava um caminho diferente aos trancos e barrancos. Seu grande predicado é transitar entre o peso e melodias mais cantaroláveis com maior naturalidade, ainda que de forma não tão cativante. O solo, com direito a mudança rítmica, oferece um pouco da surpresa tão mencionada anteriormente. Já “Dead Man on Display”, no piloto automático, não consegue manter essa característica mesmo com seu curioso flerte a instrumental extremo (tendo até blast beats de Valverde) e uma queda acústica que talvez seja o momento mais interessante da canção.

De ritmo menos acelerado, “Tide of Changes” foi dividida em duas partes; sabe-se lá por qual motivo, já que a primeira é apenas uma vinheta introdutória em voz e baixo. A segunda, onde reside a música de fato, soa envolvente ao trazer Felipe Andreoli em evidência e apostar num refrão pra lá de pegajoso. A participação de Vanessa Moreno foi bem pouco aproveitada — problema que se repetiu em “Vida Seca”. Talvez uma das mais aguardadas pelos fãs, é também uma das maiores decepções. Começa promissora ao explorar ritmos brasileiros e trazer Lenine cantando em português, mas esse trecho dura apenas um minuto e soa mais como um “anexo” da faixa, que, apesar das orquestrações certeiras no miolo e um dos melhores solos do disco, se transforma em algo que o Dream Theater poderia ter lançado em seus álbuns mais recentes.

“Gods of the World”, para além da letra rasa — algo raro no catálogo da banda —, se apresenta como um power metal genérico que Rafael Bittencourt e seus parceiros tanto pareciam evitar em outros trabalhos recentes. Por sorte, a balada que dá nome ao disco entra na sequência e em que pese a melodia pouco cativante, ao menos preserva o interesse em seguir ouvindo o material completo, especialmente por seu direcionamento menos óbvio e bom uso de baixo fretless. Contudo, “Faithless Sanctuary” repete o problema de “Vida Seca”. Os ritmos brasileiros até aparecem mais vezes do que apenas na intro, só que a ideia se perde e a faixa também vira um prog metal de pouca identidade, como uma colagem de ideias diferentes, sem dar liga.

A parte final de “Cycles of Pain” é, curiosamente, a mais interessante. “Here in the Now”, que também pouco aproveita de Vanessa Moreno, é uma semibalada de timbres menos carregados e melodia muito bela. Diferentemente de outros momentos, a influência da música brasileira entra de forma natural no centro da canção. “Generation Warriors”, por sua vez, faz um inesperado aceno ao passado ao soar como um power dos tempos de Angra com Edu Falaschi — especialmente nas linhas vocais do refrão.

Harmonicamente rebuscada, “Tears of Blood” encerra o tracklist convencional com uma convidada que, enfim, aparece com destaque no disco: Amanda Somerville. Os vocais operísticos adotados pela americana e por Fabio Lione oferecem um momento único no catálogo do Angra. Já era hora de explorar esse lado do cantor italiano de modo mais contundente. Uma boa versão de “Here in the Now” com Vanessa nos vocais principais é apresentada como faixa bônus e ao menos sacia a curiosidade de como soa a artista brasileira em um papel que não seja totalmente complementar.

O simples fato de o Angra ter sobrevivido após tantos problemas é, por si só, louvável. Daqui pra frente, porém, cabe explorar sua estabilidade de outra maneira. Contar com a mesma formação por mais tempo, sem grandes dramas ou conflitos, permite seguir por caminhos “fora da caixinha” tendo justamente o entrosamento de anos como guia.

Não há como negar que há momentos envolventes em “Cycles of Pain”; surpreendentemente, as músicas mais lentas são as que deixam a audição interessante. Quando se propõe a sair da zona de conforto, o álbum ganha força. Uma pena que isso só aconteça mais vezes na parte final, já que a presença de faixas marcadas por fragilidades no miolo do disco pode fazer com que muitos nem se deem ao trabalho de ouvir o material até o fim. Quase foi o meu caso.

*“Cycles of Pain” será lançado nesta sexta-feira (3) pela Atomic Fire Records, com distribuição no Brasil pela Voice Music. Clique aqui para fazer o pré-save.

Angra – “Cycles of Pain”

  1. Cyclus Doloris
  2. Ride Into the Storm
  3. Dead Man On Display
  4. Tide of Changes – Part I
  5. Tide of Changes – Part II (com Vanessa Moreno)
  6. Vida Seca (com Lenine)
  7. Gods of the World
  8. Cycles of Pain
  9. Faithless Sanctuary
  10. Here in the Now (com Vanessa Moreno)
  11. Generation Warriors
  12. Tears of Blood (com Amanda Somerville e Juliana D’Agostini)

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

11 COMENTÁRIOS

  1. Esse jornalista deveria estudar música…
    Tenta analisar algo que desconhece. Pessoas assim falam de suas preferências musicais apenas.
    Deveria ouvir mais sertanejo e esquecer o Angra, já que não o agrada!
    Sei que meu comentário provavelmente não será publicado mas, se chegar até esse senhor, já ficarei feliz!

  2. Cara, não tinha ouvido o álbum ainda até ler sua resenha. Confesso que já havia me deixado um pouco desanimado em relação ao décimo album de uma das bandas de rock que mais respeito, exatamente por ser brasileira com um sucesso mundial enorme, porém, hoje coloquei pra rodar e para minha grata surpresa, vi que realmente vc não entende nada sobre o Angra, o que me deixou muito satisfeito (ninguém é obrigado a saber de tudo). O disco é fabuloso, Leone tá cantando horrores, a banda bem entrosada, a brasilidade nas faixas é bem gratificante, as baladas são grudantes e as faixas são poderosas e cheias de força. Gostei e curti muito. Dou uma nota 8. Acredito que a sua nota seja um 2?…

    • Acho meio bobo dizer que alguém não entende sobre uma banda simplesmente por ter uma opinião diferente a respeito de um álbum. Fora isso, você fez o certo: ouviu o disco e tirou suas conclusões. Jamais deixe de ouvir um trabalho só por causa da opinião de um jornalista.

  3. De fato o disco tem pontos pouco aproveitados e se debruça muito no prog, um pouco mais que o desejado por mim. Isso coloraba ao texto,
    Era esperado a crescente do estilo na formação. O que mais me incomodou foi ter participações como Lenine em segundos de uma música. Seria incrível se seguissem ou retornassem a introdução para fechamento com ele novamente. Tal qual seu comentário, as “baladas” me pegaram incrivelmente. Para mim é um disco que merece uma premiação, o que não deve ocorrer até pelo estilo. A música Cycles of Pain é uma obra incrível e a que mais tenho gostado. E sigo impressionado pela capacidade da banda de criar músicas fortes e belas. Senti em várias músicas a dor e refleti sobre o passado, penso que objetivo do álbum foi atingido ao tocar o fã.

  4. Não me leve a mal, por favor. Mas gostaria de saber se você consegue destrinchar o que foi previsível no CD, porque pra mim não ficou claro o que você quis dizer. Mais uma vez, não estou fazendo um comentário maldoso, sou estudante de música e o Angra é uma grande inspiração técnica e criativa pra mim. Justamente pela variedade em suas músicas. Eu realmente queria entender mais afundo o que ficou previsível, pois eu não consegui enxergar isso. Eu não gostei tanto dos dois álbuns anteriores (sem falar da parte técnica e composição que são muito boas) mas no geral os dois álbuns anteriores não me envolveram tanto, existem grande momentos mas diferente de Cycles Of Pain, onde eu realmente achei algo fantástico e com momentos muito imprevisíveis, principalmente nas partes estruturais das músicas. Eu fiquei impressionado com este trabalho, e estou suando pra tentar entender como foi feito, mas ele é tão carregado de tantas influencias e experiências pessoais dos membros da bandas, que muitas partes de cada música foram feitas por muitas camadas até chegar no resultado final. E como estudante de música e uma pessoa muito curiosa, gostaria de saber se você conseguiria apontar as partes de forma especifica em questão. Ou sou burro em música mesmo estando no meio há anos, e desta forma gostaria de entender melhor. Ou sua resenha é simplista demais e padrão.

    • Você não é burro, nem sou simplista demais. Apenas enxergamos música de forma diferente. Temos bagagens diferentes, referências diferentes, etc. O que considerei previsível está devidamente explicado no texto — nem sempre com a palavra exata “previsível”, mas sempre com alguma explicação do porquê desta opinião.

  5. Desculpa, cara, previsível?
    Vc pode não gostar do álbum, mas previsível? Onde que Vida Seca e Faithless Sanctuary são previsíveis? Onde que Tears of Blood é previsível? Nem mesmo Generation Warriors, a mais crua do álbum, soa previsível. Eu chuto que vc ouviu o álbum uma vez e ainda com má vontade.
    O Lione está cantando diferente, o que não é previsível, os solos do Marcelo são zero previsível. Claro que a estrutura das músicas seguem um padrão, mas porra, toda música segue um padrão. Beatles fez o Abbey Road, um album extraordinário, seguindo padrões. Isso não é defeito.
    Um exemplo pontual, onde que vc espera que na Cycles of Pain a banda mude do tom menor para o maior no meio da música?
    Vc tem todo direito de não gostar do disco, mas não faz sentido dizer que o defeito dele é ser previsível.
    Concordo que a Vanessa foi pouco aproveitada e que a voz do Lenine em Vida Seca ficou meio jogada ali na intro, mas são detalhes que não desmerecem o álbum pra mim. Até o Holy Land tem defeitos (Make believe nao tem nada a ver com o resto do álbum e só está ali pra tocar na MTV).

  6. É tenho que discordar totalmente, gosto de Angra desde seu início e não estava tão feliz com os 2 últimos álbuns da banda, desde a entrada do Fabio.

    Mas esse Cycles of Pain pra mim é uma OBRA PRIMA, maravilhoso do início ao fim!! Estou achando que é o melhor album da banda, mas ainda é cedo para eu dizer isso pois estou muito empolgado com o lançamento, preciso de mais tempo, mas Jesus que album maravilhoso!!!

  7. Ouvi o álbum da primeira vez e fiquei meio confuso do que achei. Depois de ler sua análise e reouvir de maneira mais crítica, devo concordar que algumas faixas parecem não ter coesão. De fato as faixas ‘menos carregadas’ foi as que eu mais gostei diferentemente do q tinha acontecido nos outros álbuns…

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