Caleb Shomo sabe que o Beartooth se arriscou além da conta em “The Surface”. Nos quatro álbuns anteriores da banda americana de metalcore, as composições giravam em torno da razão pela qual o próprio projeto foi criado: transformar em música o sofrimento de Shomo com questões de saúde mental. Neste quinto disco, que acaba de chegar a público via Red Bull Records, o objetivo é outro: expor como esses problemas estão sendo, dentro do possível, “controlados”.
Saúde, amor-próprio, positividade, compreensão, trabalho duro e segundas chances são alguns dos temas abordados nas composições de Caleb, vocalista e multi-instrumentista hoje acompanhado por Zach Huston (guitarra), Will Deely (guitarra), Oshie Bichar (baixo) e Connor Denis (bateria). Naturalmente, a energia mais positiva se reflete nas músicas, que ainda soam pesadas, mas menos obscuras e com um tempero pop notório.
Em entrevista ao site IgorMiranda.com.br, Shomo destacou que especialmente o trabalho anterior, “Below” (2021), havia sido composto “de um ponto de vista muito autodepreciativo e negativo”. “The Surface” foi apontado por ele como “o exato oposto”. Por conta disso, o processo de composição mudou.
“Na maioria dos álbuns do Beartooth, eu componho a parte musical primeiro e depois faço letra e melodia. Em ‘The Surface’, me concentrei muito mais na letra e na melodia primeiro. Compunha sobre o que ela trataria, teria a ideia inicial para a melodia e a gravaria. Então, geralmente, concluía a parte musical com o objetivo de elevar o vocal, o que é uma abordagem um pouco diferente. Isso foi muito bom, porque me ajudou a focar mais no assunto da canção.”
Não significa, porém, que toda a temática do disco havia sido pensada previamente. Cada canção surgiu de forma separada e espontânea. Contudo, os temas foram se encontrando. Para ficar em alguns exemplos: “Might Love Myself” e “I Was Alive” abordam amor próprio, “Riptide” e “Sunshine!” tratam sobre deixar a negatividade para trás, “Doubt Me” traz a melhor reação possíveis a pessoas que duvidam de você e “The Better Me”, gravada em parceria com o cantor country Hardy, é direta no recado: “hoje vou parar de enrolar e vou me tornar o meu melhor ‘eu’”.
O universo do heavy metal não é tão aberto a essas temáticas. Muito menos a parcerias com cantores country ou abordagens melódicas bem inclinadas ao pop. Shomo admitiu ter ficado receoso com a reação do público e lembrou que “Riptide”, lançada como primeiro single, trouxe uma melodia bem afável e um videoclipe grandioso, com direito a dançarinos.
“Foi muito assustador. Mas o que percebi conforme lançava mais singles é que as pessoas estão entendendo o que estou passando, me apoiam e ficam felizes em me ver bem. Por mais assustador que seja, tem sido o material mais bem recebido que o Beartooth já lançou.”
Fim de uma era?
É natural pensar que “The Surface” pode representar o fim de um ciclo — ou melhor, o início de uma nova era — para o Beartooth. Algumas das questões pessoais que serviam de combustível para Caleb Shomo compor suas músicas estão mais, digamos, controladas. O frontman, hoje com 30 anos de idade, também enxerga dessa maneira e ainda estabelece uma cronologia de vida.
“De várias maneiras, com certeza é um fim de ciclo. Esse álbum é o fim da história dos meus 20 a 29 anos. Comecei a compor músicas quando fiz 20 anos e tinha um contrato de cinco discos, gravando a cada dois anos. De agora em diante, não sei para onde isso vai.”
Por outro lado, não dá para dizer que os problemas responsáveis por inspirar as composições de outros álbuns do Beartooth tenham simplesmente sumido. Ainda estão lá, segundo Shomo.
“Não acho que eu tenha necessariamente ‘resolvido’ meus problemas. Sempre lidarei com depressão, ansiedade, transtornos de autoimagem e coisas sobre as quais venho falando desde o primeiro dia de Beartooth. A diferença agora é que tenho uma maneira melhor de lidar com essas realidades. Aprendi uma maneira mais saudável de administrar minhas emoções, de administrar minha saúde física e, por sua vez, acho que isso torna muito mais fácil lidar com as coisas.”
Autoprodução
Embora nem sempre os créditos oficialmente indiquem isso, Caleb Shomo garante que todos os álbuns do Beartooth são autoproduzidos. Em “Aggressive” (2016) e agora em “The Surface”, o nome dele é o único a figurar oficialmente nessa função. Nos outros três discos — “Disgusting” (2014), “Disease” (2018) e “Below” (2021) — há outros profissionais envolvidos, mas sempre sob o direcionamento de Caleb, que também costumava gravar todos os instrumentos sozinho.
Ao abordar a questão da autoprodução, o frontman conta que “Below” acabou tendo um resultado bastante obscuro por aliar o formato — “fiz completamente sozinho” — a um período de vida onde sofria muito devido à pandemia e suas consequências. “The Surface” foi pensado para servir como uma “redenção” a isso.
“‘Below’ foi muito triste e eu não queria fazer aquilo de novo. Mas acho muito importante que o Beartooth não fique muito diluído em relação ao objetivo original, que era compor músicas que me ajudassem a entender o que estou passando e que fossem terapêuticas. Isso acontece quando faço sozinho.”
O músico, claro, não se opõe a trabalhar com outras pessoas. Não à toa, mais instrumentistas estão envolvidos desde “Disease” e há discos em que canções foram criadas junto de outras pessoas. Só não era o caso para “The Surface”, ao menos no que diz respeito a composição e produção.
“Já fiz parcerias de composição algumas vezes, mas senti que esse álbum seria tão pessoal. Se outras pessoas se envolvessem demais, acho que tiraria o foco. Talvez não tivesse sido tão extremo como é. Desde ter uma música acústica — algo que nunca fizemos —, uma parceria com um artista country, até ter um final tão positivo. Às vezes, se você envolve muitas pessoas, pode perder de vista o que é importante. Para mim o que importava era, mais do que tudo, contar a história e deixá-la ser autêntica. Sabia que isso criaria muitos sons diferentes que Beartooth nunca fez.”
Brasil e próximos planos
Mesmo entre fãs de som pesado, não é comum esbarrar com alguém que conheça o Beartooth ou goste da banda no Brasil. Talvez até pelo metalcore ser encarado hoje como um nicho à parte do heavy metal, sabe-se lá a razão.
Isso pode ajudar a explicar o porquê de o grupo nunca ter vindo ao país. No entanto, para uma banda que acumula 2,6 milhões de ouvintes mensais no Spotify e tem uma música (“In Between”) cujo videoclipe chega a 25 milhões de reproduções no YouTube, uma passagem por nossas terras é questão de tempo. Caleb Shomo comenta:
“De modo geral, é muito difícil ir ao Brasil. Há uma razão pela qual nunca fizemos isso. Já tentamos, mas logisticamente é muito difícil. Mas algo bom agora é que há mais coisas acontecendo na América do Sul, com grandes festivais, mais bandas estão chegando e fazendo grandes shows. Então, sim, parece muito melhor para nós. Posso garantir que estamos indo atrás disso de forma ativa. Estamos tentando descobrir a melhor forma de levar o Beartooth para o Brasil da maneira correta. E, sim, definitivamente queremos fazer isso no ciclo de ‘The Surface’.”
E quanto aos planos para a era “The Surface”? Segundo o frontman, um monte de coisas… que ainda não foram anunciadas e não podem ser abordadas.
“Infelizmente, são coisas que ainda não anunciamos, mas em breve falaremos sobre elas. Queremos mostrar ao mundo no que estamos trabalhando. Estamos muito orgulhosos de tudo o que fizemos até agora com este álbum e para nós, a performance ao vivo é extremamente importante. Estaremos bastante em turnê e isso é algo que me deixa empolgado.”
*“The Surface” está disponível nas plataformas de streaming. Clique aqui para ouvir.
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