Robb Flynn sabe que a história do Machine Head foge à regra de muitos grupos de heavy metal. Ainda que se mostre um pouco reticente por falar sobre as mudanças que permearam a história do conjunto, o vocalista e guitarrista aponta em entrevista ao site, com um justo orgulho, que “vendemos tantos discos na segunda metade da banda quanto na primeira metade — o que não é nada comum”.
E é com uma nova “encarnação” que o Machine Head retorna ao Brasil para uma sequência de três shows: sexta-feira (27), sábado (28) e domingo (29), respectivamente em Curitiba (Tork n’ Roll), Rio de Janeiro (Circo Voador) e São Paulo (Tokio Marine Hall). Ingressos seguem à venda — clique no nome de cada cidade para acessar a página de vendas.
Além de Flynn, que lidera o grupo desde sua fundação em 1991, vêm ao Brasil o baixista Jared MacEachern (presente desde 2013 e cada vez mais ativo no processo criativo) e dois músicos que entraram em 2019: o guitarrista Wacław “Vogg” Kiełtyka (Decapitated) e o baterista Matt Alston. Robb os define como “músicos incríveis” e destacou que Vogg e Alston foram trazidos não apenas pela competência indiscutível, como também por “gostarem do que fazem e estarem dispostos a se divertirem”. A respeito da longevidade da banda, ele refletiu:
“Jared está na banda há 10 anos, é mais tempo que os Beatles gravaram juntos. A formação original do Black Sabbath durou nove anos, o Led Zeppelin durou 10, os Beatles duraram 10… e aqui está o Machine Head há 32 anos. Não esperava fazer música por tanto tempo. Quando lançamos ‘Burn My Eyes’ (álbum de estreia, em 1994), um promotor de eventos veio até mim e disse: ‘vejo isso durando uns cinco anos’. Ele não disse isso como um elogio, mas eu considerei como tal, porque se você dura cinco anos tocando esse tipo de música, é muito tempo. Tenho muita sorte por estar aqui tocando músicas que as pessoas gostam.”
As apresentações no país serão no formato “An Evening With”, com repertórios longos percorrendo toda a carreira do grupo. Nas primeiras apresentações da atual turnê latino-americana, em países como México e Costa Rica, os setlists tiveram por volta de 20 músicas, ultrapassando duas horas de duração. Faz algum tempo que a banda adota esse modelo, deixando até de participar de festivais e fazer turnês com outras atrações para focar em uma proposta de evento que satisfaz bastante os fãs.
Ao relembrar as origens desse formato, Flynn contou ter sido inspirado por uma de suas bandas favoritas: o Pearl Jam.
“Antes, fazíamos muitas turnês abrindo para bandas como Metallica, Slipknot, Slayer, além de vários festivais. Só que eram sets muito curtos. Nossos fãs vinham até nós e diziam: ‘foi ótimo ver vocês, mas vocês só tocaram umas cinco músicas’. Sentíamos que estávamos fazendo a mesma coisa há uns 20 anos e queríamos tentar algo diferente. Vi o Pearl Jam fazer um show de 3 horas nesse formato, ‘An Evening With’ e foi incrível ouvir todas aquelas músicas de diferentes álbuns, até as menos conhecidas. Achei que não funcionaria no metal, mas quis tentar. E funcionou. Atraímos mais pessoas tocando sozinhos do que quando trazíamos outras bandas. E como artista, foi muito mais divertido e criativo.”
Hoje o Machine Head está de volta aos festivais e considera retomar as turnês em formato “package”, com outras atrações. Ainda assim, o modelo “An Evening With” — que virou turnê após começar com apresentações esporádicas — é muito atrativo.
“Decidimos que faríamos uma turnê inteira assim e optamos por não fazer mais festivais. Foi assim por 10 anos. Ao tirar os festivais da equação, isso nos permitiu preencher um vácuo. A logística impede turnês em períodos próximos às temporadas de festivais na América e na Europa; se os festivais começam em junho, você não pode fazer turnês entre março e maio. Não pode ficar tão próximo. Sem os festivais, pudemos fazer isso e os shows lotavam, as pessoas ficavam maravilhadas. Acabou sendo ótimo. Agora, acho que vamos começar a misturar com festivais e outras turnês. Queremos tentar algo diferente. Mas estamos nos sentindo bem com isso, porque voltou a parecer que é tudo novo.”
Relação com o Brasil
Embora seja conhecido dos headbangers locais desde a década de 1990, o Machine Head só veio ao Brasil pela primeira vez em 2011. Foram três apresentações — em São Paulo, Curitiba Master Hall e Porto Alegre — ao lado do Sepultura. Robb Flynn não consegue dizer com certeza se a banda recebeu ofertas no passado para vir ao país, mas admite que, naqueles tempos, o mercado sul-americano deixava muitos artistas apreensivos.
“Tenho certeza de que deve ter rolado alguma, mas a década de 1990 era meio diferente. Os promotores de shows da época eram como gângsteres. Era louco. Lembro que fomos para Buenos Aires (em 1995), mas no geral era meio insano. Muitos de nossos amigos… éramos amigos do pessoal do Rancid e eles vinham para cá e levavam golpe de alguns promotores (nota do editor: curiosamente, o Rancid só veio à América do Sul pela primeira vez em 2017). Enfim, não sei por que demorou tanto para virmos, mas viemos e foi incrível. O Sepultura nos trouxe aqui pela primeira vez (em 2011) e foi muito louco.”
A segunda visita se deu em 2015, em data única na cidade de São Paulo. Uma semana antes da apresentação, Flynn — que já estava excursionando pela América do Sul — publicou uma curiosa foto usando fralda pois estava sofrendo de infecção intestinal. Mesmo com o problema de saúde, não cancelou nenhum compromisso no continente. Glorificada seja a fralda.
O músico não se lembra de ter publicado a foto, mas dá risada ao ser recordado da ocasião e garante: “aquilo foi brutal, foi feio”. Ficaram, ainda bem, as boas lembranças: “a última vez que tocamos aqui foi uma loucura, com direito a circle pits furiosos e muita gente cantando junto”.
Desta vez, está ansioso por tocar pela primeira vez no Rio de Janeiro. Não só pelo show em si, mas — e especialmente — pela oportunidade de “turistar” na Cidade Maravilhosa.
“Estou super animado com isso. Quis ir ao Rio a vida toda, sabe? Só ouvi coisas incríveis sobre a cidade. Quero muito estar como um turista no Rio, até mais do que fazer o show. Só quero dar uma volta, sentir o clima, tomar cerveja em um bar e simplesmente sair por aí.”
Uma história sobre amor, assassinato e vingança
Embora os shows no Brasil façam parte do espetáculo “An Evening With”, o Machine Head dará atenção especial a seu álbum mais recente, “Of Kingdom and Crown” (2022). O décimo disco de estúdio do grupo é seu primeiro trabalho conceitual. A trama se passa em um contexto futurista e é inspirada na dualidade dos personagens principais do anime “Attack on Titan”, que Robb Flynn assistiu com os filhos durante o período de isolamento causado pela pandemia.
Curiosamente, não foi a primeira vez que o músico almejou criar álbuns conceituais. Flynn tentou se aventurar no formato em outras duas ocasiões, mas não ficou satisfeito com o resultado.
“Não consegui fazer dar liga. Achei uma m#rda. Então, parei e fiz esses álbuns da forma normal, como uma coleção de músicas. Mas com esse, acho que os astros se alinharam, sabe? Minha esposa dizia que eu deveria tentar de novo.”
Sobre a influência de “Attack on Titan” na trama, ele refletiu:
“O conceito original que escrevi era de um cara bom e outro cara mau, aí o bom vence. Mas esse anime conta a história de um jeito onde cada personagem tem dois lados mostrados: todos eles são bons e maus, faziam coisas horríveis e achavam que eram bons. Então, pensei em fazer meus dois personagens dessa forma, para as pessoas acreditarem em ambos e se preocuparem com ambos. O conceito sempre foi sobre amor, assassinato e vingança; a questão é como contar essa história, saber se vai funcionar ou não. Aí as peças do quebra-cabeça finalmente se juntaram.”
Além de seguir um conceito, “Of Kingdom and Crown” chama atenção por trazer Flynn compondo sob o ponto de vista de um personagem — algo incomum na carreira do Machine Head, cujas letras geralmente são feitas a partir da ótica do frontman. Ao comentar sobre o desafio de se trabalhar dessa forma, Robb destacou que foi preciso estabelecer uma conexão pessoal com as composições.
“Enquanto eu escrevia as letras, houve um ponto em que senti como se estivesse só contando uma história, sem me conectar a ela. Como se estivesse apenas cantando palavras de uma página, fosse uma história boa ou não. Eu tinha que sentir algo para mim, sabe? Para mim é disso que se trata a música. Música é sobre uma conexão. Acho que as músicas que mais ressoaram nas pessoas — como ‘Dadivian’, ‘From This Day’ ou ‘Imperium’ — são as que vieram de lugares mais profundos. E dava para sentir isso nas letras, na performance, é real. Isso foi a coisa mais importante para tentar capturar adicionalmente à história.”
20 anos de um renascimento
No último dia deste mês, o quinto álbum do Machine Head, “Through the Ashes of Empires”, completa 20 anos de lançamento. É um dos trabalhos de maior sucesso do grupo, que, embora passasse por mudanças com a saída do guitarrista Ahrue Luster, estreava ali sua formação mais conhecida, com Phil Demmel (guitarra) se juntando a Robb Flynn, Adam Duce (baixo) e Dave McClain (bateria).
Curiosamente, “Through the Ashes of Empires” não foi lançado de início nos Estados Unidos. À época, eles não haviam renovado contrato com a divisão americana do selo Roadrunner; eles romperam após o álbum anterior, “Supercharger” (2001). O então novo disco saiu em âmbito internacional pela gravadora — e o êxito foi tamanho que a empresa reconsiderou e lhes ofereceu um novo acordo para disponibilizar o trabalho também nos EUA.
Por tudo isso — e pela nova onda de sucesso que viria com os discos seguintes —, Flynn define o álbum de 2003 como um “renascimento total”. E aproveitou a ocasião para traçar um paralelo entre “Imperium”, principal single daquele material, com “Davidian”, uma de suas canções mais populares e responsável por apresentar a banda ao mundo.
“‘Imperium’, para mim, é como a irmã mais nova de ‘Davidian’. Elas foram escritas em situações semelhantes de perigo e pressão, ainda que em diferentes circunstâncias. ‘Dadivian’ é de quando andávamos pelas ruas de Oakland tentando não levar um tiro ou uma facada. ‘Imperium’ foi a mesma coisa por razões diferentes. Fomos rejeitados por 35 gravadoras. Todas que prometeram nos contratar, decidiram que não queriam. Chegou a um ponto depois daquela 30ª rejeição das gravadoras, como se fosse apenas tipo: ‘f#da-se todo mundo’. Foi um renascimento total para a banda.”
A reflexão destacada lá no primeiro parágrafo deste artigo se deu justamente nesse contexto. Flynn destaca que o Machine Head “teve alguns renascimento”, o que, em sua visão, “não é o arco típico de uma banda de heavy metal”.
“Vendemos tantos discos na segunda metade da nossa carreira quanto na primeira metade, o que não é nada normal. Eu me sinto muito sortudo, porque os fãs continuam nos apoiando e aparecendo. Sou só um cara que compõe músicas. Não sou um ativista, influenciador, blogueiro. Apenas fiz o que sempre quis fazer, que é tocar música, cantar e tocar guitarra. Ter 32 anos de carreira e músicas que tocaram milhões de pessoas é algo que ainda me surpreende.”
Tanto a banda quanto a atual gravadora, Nuclear Blast, estão cientes da importância de “Through the Ashes of Empires” — não à toa, lançarão uma edição especial em vinil para celebrar o 20º aniversário do álbum. Para o momento, este é o único plano futuro do grupo além de fazer muitos shows pelo mundo afora.
“Não acho que tenha havido uma versão em vinil de ‘Through the Ashes of Empires’ porque naquela época o vinil praticamente não existia. Será a primeira vez que será lançado. Sairá no final deste mês. Não sei se faremos shows celebrando os 20 anos desse álbum, pois o aniversário propriamente dito acontece nessa turnê de agora. Talvez sim, talvez não. Ainda não decidimos. Mas vamos continuar em turnê. Estamos todos meio que nos recuperando da pandemia, todas as bandas estão voltando agora. Tem sido um caminho meio difícil voltar. Fazer turnê tem sido bastante difícil e desafiador, mas estamos muito animados por vir ao Brasil.”
*Entrevista feita a partir da pauta de Thiago Zuma.
*O Machine Head retorna ao Brasil para uma sequência de três shows: sexta-feira (27), sábado (28) e domingo (29), respectivamente em Curitiba (Tork n’ Roll), Rio de Janeiro (Circo Voador) e São Paulo (Tokio Marine Hall). Ingressos seguem à venda — clique no nome de cada cidade para acessar a página de vendas.
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