Entrevista: Mitch Malloy fala sobre Van Halen, Great White e novo álbum solo

Cantor de 62 anos revela não possuir arrependimentos em relação a show realizado durante a pandemia

Por mais que as longas madeixas loiras desmintam, Mitch Malloy completou em agosto 62 anos; dos quais 47 são, segundo ele, “vivendo de música, produzindo meus próprios discos e os de outros artistas”.

Natural de Dickinson, Dakota do Norte, Malloy começou ainda nos anos 1980 como integrante do Red Dawn, grupo formado pelo tecladista David Rosenthal após o fim do Rainbow. A parceria rendeu uma série de músicas, mas Mitch não permaneceria a bordo para testemunhar o que seria feito delas; para o seu lugar, Rosenthal trouxe Larry Baud, só que pouca gente deu bola quando o disco “Never Say Surrender” viu a luz do dia em 1993.

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Não se pode dizer o mesmo do álbum de estreia homônimo de Malloy, lançado em 1992 pela RCA, que não só pôs o cantor no mapa como o apresentou a um público fora do nicho do melodic rock e AOR ao levá-lo à TV americana para participar do popular programa de entrevistas “The Tonight Show with Jay Leno”. Os dois carros-chefes do disco, “Anything at All” e “Our Love Will Never Die”, permanecem suas músicas mais conhecidas até hoje.

Passado o hype, por pouco Malloy não sagrou-se vocalista do Van Halen. Ele chegou a compor a quatro mãos com o saudoso guitarrista Eddie Van Halen, mas sua estada se resumiu a umas poucas gravações em estúdio.

Desde então, o estigma de quase ter “chegado lá” acompanha Mitch, não obstante a qualidade que abunda em seus trabalhos solo — sendo “The Last Song”, lançado em julho, o mais recente deles — e a competência de sua entrega quando contratado para compor jingles publicitários ou assumir o microfone em bandas já rodadas, como o Great White, no qual permaneceu de 2018 a 2022.

Tudo isso e muito mais logo abaixo. Confira.

“The Last Song”: “Viver a vida como se fosse a última canção”

Em seus 47 anos de carreira, Mitch Malloy aprendeu um bocado de coisas; de como funciona o mercado fonográfico a tocar diversos instrumentos. Partidário do aforismo “A prática leva à perfeição”, reconhece que com o tempo se tornou muito bom em cada um deles.

Tal autoconfiança poderia ter sido o fator preponderante na escolha de Mitch por gravar seu mais recente lançamento, “The Last Song”, sozinho, mas a verdade é que o maior determinante foi a mudança de cidade:

“Quando eu morava em Nashville, tinha todos aqueles músicos locais de primeira à disposição. Agora que moro na Flórida, não tenho mais acesso aos caras, então gravar tudo por conta própria pareceu a coisa lógica a se fazer.”

Esse modus operandi não é inédito na carreira de Malloy. Seis anos atrás, ele gravou o álbum “Making Noise” exatamente da mesma forma, pois “estava com pressa e nenhum dos caras que normalmente contratava estava disponível”.

“The Last Song”, em português, “A Última Canção”. Aí está um título que dá margem para múltiplas leituras e diversas interpretações. Mitch garante, porém, que não há nada a ser lido nas entrelinhas.

“A ideia [do título] veio quando eu estava escrevendo a décima música do álbum. Já havia escrito e gravado oito, mas precisava de mais duas. Daí escrevi ‘One of a Kind’, que acabou se tornando o single, e parti para a décima e última música. Senti que precisava de algo que fosse pura energia, então, durante o processo, pensei: ‘The Last Song’ é um título meio besta; como fazê-lo funcionar? Por fim, pensei na coisa do ‘viver a vida como se fosse a última canção’, e deu certo.”

Malloy admite que a pandemia forneceu uma “inevitável inspiração”, mas assegura: não é do tipo que gasta neurônios tentando escrever sobre A ou B, nem curte o que chama de “abordagens mais ‘dark’”:

“Escrevo sobre aquilo que vejo, que vivencio, que quero pôr para fora. Às vezes, as músicas se escrevem sozinhas; simplesmente vêm. Para mim, essas são as melhores. Da mesma forma, tento sempre manter uma positividade, fazer da minha música um meio para uma mensagem de encorajamento. Às vezes até escrevo uma ou outra música mais triste, mas com uma mensagem de cura por trás.”

Ao ser questionado se ele sente que o alcançará com “The Last Song”, a resposta é pura empolgação:

“É o meu melhor trabalho, acredite! Nunca fiz um disco tão bom!”

Great White: “Tudo poderia ter sido diferente”

Embora seja um artista solo, Mitch Malloy fez parte de bandas a sua vida toda. Ter parceiros de composição, compor com Deus e o mundo, é o tipo de coisa que adora fazer.

Dito isso, ele afirma que a parte criativa no Great White era tranquila. O que levou à sua saída da banda não foi a falta de input no processo de composição, mas o simples fato de não haver um empresário.

“Não havia uma pessoa responsável pela agenda, e isso era complicado. Eu até enxergava maneiras de fazer a coisa dar certo, mas não conseguia me fazer ouvir, e foi ficando cada vez mais frustrante. ‘E se fizéssemos assim ao invés de assado?’. Tudo poderia ter sido diferente e melhor para todos nós, mas não havia espaço para sugestões, por melhores que fossem.”

Os quatro anos de Mitch no Great White tiveram, entre suas nódoas, uma de repercussão extremamente negativa. A banda, já marcada pela tragédia, perdeu a noção do que era uma pandemia e, no dia 9 de julho de 2020, realizou um show na pacata cidade natal do vocalista, que minimiza:

“Foi um show como qualquer outro. Fomos contratados e fizemos o show, simples assim. Não sinto que tenhamos sido alvo de represálias ou coisa do tipo. Tampouco acho que abalou a estrutura da banda de alguma forma. Aliás, você é o primeiro entrevistador que me pergunta isso. Foi apenas um show, e já faz bastante tempo.”

Van Halen: “Já era. Eddie era a banda”

Mitch Malloy teve uma breve passagem como vocalista do Van Halen.

A história envolvendo as partes está relacionada à busca por um substituto após a saída de Sammy Hagar em 1996. Ele foi contatado e chegou a gravar algumas demos. Compôs a inédita “It’s the Right Time” com Eddie Van Halen e interpretou sucessos da banda em ensaios realizados no 5150, o home studio do saudoso guitarrista.

No entanto, antes de qualquer anúncio oficial sobre sua entrada no Van Halen, a situação mudou drasticamente. Em vez de Mitch, o ex-vocalista do Extreme, Gary Cherone, foi escolhido para a vaga de Hagar. Cherone participou do álbum “Van Halen III” (1998) e realizou uma turnê com a banda.

Muito se especula como tudo poderia ter sido, exceto o próprio Malloy, cujo amor pelo Van Halen — que define como “uma das melhores, se não a melhor banda de rock dos Estados Unidos” — data do final dos anos 1970.

“Os dois primeiros álbuns [‘Van Halen’ (1978) e ‘Van Halen II’ (1979)] foram a trilha sonora da minha juventude. [O vocalista] David Lee Roth era genial, e a química que havia entre ele e o Eddie era mágica. E o Eddie, na minha opinião, foi o maior guitarrista de todos os tempos. Ok, tínhamos o Alex [Van Halen, baterista] e o Michael [Anthony, baixista] também, mas o Eddie era o ‘riff master’.”

Mitch confessa que a técnica de Eddie quase o fez desistir de querer aprender a tocar guitarra.

“A primeira vez que ouvi ‘Eruption’, meu queixo caiu. Tive de comprar o LP na hora. Fiz o boca a boca na vizinhança: ‘Vocês têm que ouvir esse tal de Van Halen’. Fiquei tão abismado com aquela técnica e aquela velocidade que cheguei a abandonar a guitarra por um tempo. ‘Nunca que eu vou chegar nesse nível’. Foi aí que comecei a cantar, me concentrei em me tornar um bom cantor. Só depois de um ano que voltei a tocar guitarra. O amor pelo instrumento acabou falando mais alto.”

Sobre recentes especulações de uma volta da banda, o comentário é abreviado:

“Para mim, o Van Halen já era. Concordo com o Wolfie [Wolfgang Van Halen] quando diz que o pai era o Van Halen.”

Disco de estreia: “Orgulho define”

Mitch Malloy não era mais uma criança quando entrou em estúdio para gravar seu disco de estreia. Ele já tinha 29 anos e boa experiência como engenheiro de som e produtor, além de ter cantado em bandas menores, como o Red Dawn, nos anos 1980.

Sabendo exatamente o som a ser obtido e como obtê-lo, uniu forças com Sir Arthur Payson e contou com o toque de Midas de Desmond Child — compositor cuja lista de hits gastaria uma resma de papel para ser impressa — e o talento de músicos como o baixista Hugh McDonald (Bon Jovi) e o baterista Mickey Curry (Bryan Adams).

Deu certo: lançado em 31 de março de 1992, “Mitch Malloy” sobrevive ao implacável teste do tempo e permanece como uma referência do AOR e melodic rock. E muito alegra Mitch o fato de as pessoas gostarem tanto de seu disco de estreia até hoje.

“A última vez que estive com Reb Beach [guitarrista do Winger e do Whitesnake], ele disse: ‘Cara, aquele seu primeiro álbum… é tão legal! Deveria ter sido um fenômeno em vendas!’ Agradeci a ele pelas palavras e, sim, muita gente me diz a mesma coisa, o que acho ótimo de ouvir, pois foi um trabalho no qual me dediquei bastante. Tínhamos um budget altíssimo para a época, que me permitiu fazer as mais diversas exigências. ‘Quero mais backing vocals’. ‘Ok, aqui estão’. Orgulho define o que sinto por aquele disco.”

Provoco Malloy ao dizer que na mesma proporção que acompanha as tendências, ele mantém um pezinho fincado no que considero o melhor registro de sua carreira. Ele concorda, “mas nem tanto”:

“O processo criativo tem que ser um reflexo do momento e não de experiências pregressas. Tanto que se estou compondo um riff e percebo que ele soa como ‘Anything at All’, por exemplo, já descarto, pois não teria o mesmo impacto da original. A música precisa vir de maneira orgânica, precisa acontecer naturalmente. Não que a opinião dos fãs não importe para mim, não é isso, mas a música em si vem em primeiro lugar.”

Mitch revela, com exclusividade, que regravações de músicas como “Anything at All” e “Our Love Will Never Die” estão apenas aguardando a hora certa de ver a luz do dia.

“Essas duas músicas são muito especiais para mim. Quase todas daquele primeiro disco são, mas essas duas…”

Considerações finais sobre comida e boa música

Quem vê Mitch Malloy não dá 62 anos para ele. Quem o ouve, dificilmente pensa que já passou dos 40. O segredo, pelo menos no que diz respeito à voz, está na boa alimentação:

“O que você come influencia diretamente a maneira que você canta.”

Mitch reconhece não só que é bom, mas que, comparado a muitos de seus contemporâneos, está um patamar acima. Ainda assim, crê que poderia ser um cantor ainda melhor se fizesse mais shows.

“Não chega a ser um arrependimento, mas quando paro para pensar, concluo: ‘É, devia ter caído na estrada mais’.”

Com o tempo prestes a esgotar, lanço mão de uma última pergunta de altíssimo teor entrópico: “Qual a diferença entre uma boa música e uma ótima música?”. Depois de uma resposta inicial gaiata — “a boa é dos outros, a ótima é minha” —, ele diz:

“É questão de gosto, de opinião. Música não deve ser tratada como atletismo. Numa pista de corrida, vence o mais rápido, mas na música não é assim que funciona. É subjetivo.”

Rebato fazendo menção ao supracitado teste do tempo; a longevidade confere à música o status de ótima ao invés de boa. E o desfecho que emudeceu este jornalista é, no mínimo categórico:

“Pode ser, mas uma música que era uma m#rda vinte anos atrás dificilmente ficará boa com o passar do tempo, né?”

Caso encerrado.

*“The Last Song” está disponível nas plataformas de streaming de música.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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