Crítica: “O Exorcista – O Devoto” é uma mancha irreparável na franquia

Filme de David Gordon Green comete todos os equívocos possíveis ao acabar com mística de saga originada por um dos maiores longas de todos os tempos

Em 1973, o mundo acompanhou a trágica história de Regan (Linda Blair) e sua mãe, a atriz Chris MacNeil (Ellen Burstyn), no filme “O Exorcista”. Após ser possuída por um violento demônio, a jovem foi submetida a todo tipo de tortura física vinda de sua possessão. Além de seu sofrimento, o publicou ficou devastado com a desolação de sua progenitora ao ver a filha em condições desumanas.

Com isso, não era de se espantar que, no momento do ritual de exorcismo, a mãe fique de fora para dar lugar aos padres responsáveis. Além de poupá-la da dor de tal momento, é importante que o demônio não tenha nenhum tipo de arma emocional para se usar.

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Pulemos para 2023, onde temos um vislumbre de Chris MacNeil, novamente interpretada por Ellen Burstyn. A personagem abandonou as artes para se dedicar ao estudo do exorcismo em diversas religiões. No ápice de sua velhice, ela é questionada sobre os motivos que a levaram a ficar de fora do quarto no momento do exorcismo da filha. Ela responde: “por conta do maldito patriarcado”.

Este é “O Exorcista – O Devoto”, filme de David Gordon Green.

Premissa básica

Após sumirem por três dias, as jovens Katherine (Olivia O’Neill) e Angela (Lidya Jewett) são encontradas em um estado deplorável e sem a lembrança do que havia ocorrido. Pouco tempo depois, elas começam a dar sinais de que não estão bem — e não por uma condição física ou psicológica, mas sobrenatural.

“O Exorcista – O Devoto” tem uma premissa básica e até interessante. É possível estabelecer diversos caminhos que levem as duas garotas ao esperado clímax com o nome do filme. Contudo, não é isso que acompanhamos durante 111 minutos.

A preocupação maior da trama é aprofundar as questões de Tanner (Leslie Odom Jr), pai de Angela. Além de ser cético em relação a todo tipo de religião, ele também demonstra desespero e sofrimento dignos de uma porta. Sofrimento esse que fica a cargo dos pais de Katherine, Miranda (Jennifer Nettles) e Tony (Leo Butz).

Os roteiristas David Gordon Green, Peter Sattler e Scott Teems parecem não ter assistido ao original de 1973, além, é claro, de não compreender o significado de cada frame do filme de William Friedkin. Fora o fato de demonstrarem completo desconhecimento sobre o exorcismo enquanto ritual católico.

Sem profundidade

A trama perde tempo com questões rasas. Quem sofre com isso são as crianças possuídas, que não têm o tempo de tela necessário para se aprofundar tal questão. Não acompanhamos o desenrolar de possessão de ambas. É como se de um dia pro outro, simplesmente, tudo já acontecesse.

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Uma cena é bem representativa disso. A personagem de Ellen Burstyn, apenas de olhar pela primeira vez para uma das crianças, diz em menos de 2 segundos: “Esse demônio me conhece”. Ouvi alguns risos na sala de cinema. Também soltei um.

Com isso, abre-se mão de boas cenas de terror. Não há elementos que representem o crescimento de um problema, nem recursos gráficos, como sangue, mutilações, nada. Tudo acontece de forma muito rápida, sem trazer nada do gênero e com diálogos fracos e óbvios tal como uma bula de remédio — um problema recorrente nos longas que trazem Scott Teems colaborando com o roteiro.

Descaracterização

O diretor David Gordon Green deixa claro que sua proposta para “O Exorcista – O Devoto” é trazer representatividade até onde não faz sentido. Especialmente ao incluir vários tipos de religião para dentro de uma situação que originalmente envolvia catolicismo, que marcou toda a franquia. Chegou ao ponto de render uma cena que pareceu ter saído de filmes da Marvel, ao estilo “Doutor Estranho”. Uma completa descaracterização, tal qual passagens onde demônios — que não gostam de igrejas — assistem a uma missa em território sagrado.

Fora a tentativa de a personagem Chris MacNeil, sem nenhum tipo de ligação oficial com a religião, possa expulsar o demônio do corpo de alguém com algumas palavras. É constrangedor — e está no trailer.

Descaracterização nem sempre é um problema. A obra-prima “Coringa”, de Todd Phillips, é praticamente um estudo social sobre violência, mas traz o famoso vilão — mesmo que em seu processo inicial de transformação — de uma forma que jamais poderia ser um adversário para Batman. Sem o nome do personagem, nunca teria faturado seu bilhão, mas foi necessário. E é um bom filme.

A Universal Pictures comprou os diretos de “O Exorcista” por cerca de US$ 400 milhões e a meta é que David Gordon Green faça uma trilogia. A continuação “The Exorcist: Deceiver” (“O Exorcista: O Enganador”) já está anunciada para 2025.

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No fim das contas, é mais uma iniciativa caça-níquel. O nome da franquia é usado para promover apelo nostálgico, mas não é “O Exorcista”. Não há qualquer elemento da obra de 1973. Trata-se de mais um tropeço de Gordon Green, que se saiu bem com o excelente “Halloween” (2018), mas vacilou no mediano “Halloween: Kills” e o desastroso “Halloween: Ends”.

Talvez o diretor faça o caminho inverso, entregando primeiro um péssimo filme para fazer o terceiro ser aceitável. Mas é muito pouco. Hoje, o que se tem é uma mancha na franquia iniciada por aquele que é considerado o maior filme de terror de todos os tempos.

*“O Exorcista – O Devoto” estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas brasileiros.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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