Parece ser um dilema recorrente quando se trata de show do Red Hot Chili Peppers: quais músicas (e com qual energia) os caras vão tocar? Será uma noite de clássicos ou repleta de novas canções? Com uma performance avassaladora ou displicente?
Por mais que, no fim das contas, haja um meio termo entre tudo isso, raramente existe consenso entre o próprio público — e também perante a crítica. Algo até natural para uma banda com uma base de fãs tão ampla e diversificada.
O certo é que repertório não falta. Se quisesse, o Red Hot faria de cada apresentação uma espécie de grande disco “best of” ao vivo, enfileirando hinos da fase funk oitentista, do auge criativo no início da década de 1990 ou do estrondoso sucesso comercial experimentado na virada do milênio, com MTV nas alturas e uma nova geração de seguidores.
Mas é isso que o quarteto de Los Angeles quer? Em Brasília, certamente não foi o caso.
No segundo show (terça-feira, 7) da atual turnê pelo Brasil, o Red Hot economizou nos hits e dividiu opiniões no abarrotado Estádio Mané Garrincha com um setlist bastante modificado em relação ao do Rio de Janeiro, no último sábado (4). Como de costume, sobrou versatilidade e perícia instrumental. Para muitos, no entanto, faltaram músicas “obrigatórias” como “Under the Bridge”, “Otherside”, “Can’t Stop” e “Suck My Kiss”.
Com ingressos esgotados há meses e um trânsito caótico nas redondezas, não foi fácil chegar ao Mané Garrincha, muito menos adentrá-lo. Houve relatos de gente que sequer viu a apresentação de abertura do Irontom, que traz na guitarra Zack Irons, filho de Jack Irons, ex-baterista do Red Hot Chili Peppers, e ainda perdeu as primeiras músicas da atração principal, que teve início às 21h06.
Início promissor
Em um primeiro momento, sobem ao palco somente o baixista Flea (que entra plantando bananeira), o baterista Chad Smith e o guitarrista John Frusciante — voltando ao Brasil pela primeira vez desde seu retorno à banda, no fim de 2019. Eles aquecem os motores com uma improvisação de 5 minutos para lubrificar os instrumentos e testar o som.
Quando o vocalista Anthony Kiedis se junta aos companheiros, o quarteto californiano dispara logo três músicas incontestáveis: “Around the World” e “Scar Tissue”, ambas do aclamadíssimo álbum “Californication” (1999), e “Dani California”, de “Stadium Arcadium” (2006).
É um início de show extremamente promissor. Sem camisa e com bermuda e meias nas cores amarelo e laranja do Los Angeles Lakers, Flea pula e dança como se estivesse em transe, fazendo jus ao adesivo que ostenta no baixo: “support your local freak”.
O público fica cantarolando junto não só os versos, mas também os solos em “Scar Tissue”, ainda que Frusciante faça questão de desconstruí-los ao buscar uma nova abordagem melódica. Faz parte do DNA do guitarrista — e da banda em si — meio que não reproduzir fielmente algumas passagens mais manjadas.
Miolo arriscado
O miolo do show, porém, arrisca ao mesclar várias músicas do penúltimo álbum, “Unlimited Love” (2022), com canções não tão fortes de discos clássicos. Convenhamos que “I Like Dirt”, “Universally Speaking” e “Throw Away Your Television” são boas composições, mas não têm o impacto, por exemplo, de uma “Right on Time” ou “The Zephyr Song”.
A consequência prática disso é que a apresentação, em sua porção intermediária, oscila entre receptividades muitas vezes morna / desconfiada da galera e realmente calorosa só de vez em quando. Quem queria um bombardeio de refrãos e músicas conhecidas de cor e salteado pode ter saído frustrado.
A melhor resposta durante esse período de altos e baixos do show vem com “Soul to Squeeze”, composta na época do “Blood Sugar Sex Magik” (1991) e que mesmo não entrando no álbum se tornou uma das preferidas de muitos fãs.
Entre uma música e outra, Flea e Chad Smith geralmente aproveitam para demonstrar seus dotes como instrumentistas. O baixista, inclusive, emenda seu solo com um cover de “Terrapin”, faixa que abre “The Madcap Laughs” (1970), de Syd Barrett. “Havana Affair”, do Ramones e tocada no Rio, até constava no setlist, mas foi limada. E “Under the Bridge” acabou sendo trocada por “I Could Have Lied”.
Quase sempre grudado ao pedestal do microfone, Anthony Kiedis dirige poucas palavras ao público e deixa as interações mais incisivas com Flea. No entanto, a botinha ortopédica que ele tem usado no pé esquerdo não o impede de correr e dançar pelo palco em momentos pontuais — principalmente quando se empolga com algum solo lisérgico de Frusciante, que atualmente exibe um visual diametralmente oposto e até comportado.
Imagens psicodélicas constantes dão o tom do telão posicionado ao fundo do palco, enquanto os das laterais focam nos integrantes. Em um dos momentos mais aguardados, “By the Way” levanta o estádio e abre caminho para o encerramento com o indefectível groove de “Give It Away”. Essa nem eles seriam capazes de suprimir.
Com exata 1h40 de duração, a primeira vez do Red Hot Chili Peppers em Brasília mostrou uma banda satisfeita em tocar para si mesma e cumprir seu próprio protocolo de qualidade, sem se preocupar tanto com os anseios do fã médio. Já os que a idolatram, certamente aplaudiram e se emocionaram numa noite de casa cheia e ineditismo para a cidade. Mas que também dividiu opiniões. E tudo bem que seja assim.
*O Red Hot Chili Peppers ainda se apresenta em São Paulo (10/11), Curitiba (13/11) e Porto Alegre (16/11). Os ingressos já estão esgotados.
*Fotos de Rodrigo Piruka. Mais imagens ao fim da página.
Red Hot Chili Peppers – ao vivo em Brasília
- Local: Estádio Mané Garrincha
- Data: 07 de novembro de 2023
- Turnê: 2022-23 Global Stadium Tour
Repertório:
- Intro Jam
- Around the World
- Scar Tissue
- Dani California
- Universally Speaking
- Aquatic Mouth Dancing
- Soul to Squeeze
- Throw Away Your Television
- I Like Dirt
- Wet Sand
- Pea
- These Are the Ways
- Tell Me Baby
- Whatchu Thinkin’
- Californication
- Black Summer
- Terrapin (cover de Syd Barret)
- By the Way
Bis:
- I Could Have Lied
- Give It Away
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