“Happiness Bastards” incorpora tudo o que se espera do Black Crowes

Primeiro álbum de inéditas desde 2009 traz riffs inspirados no blues, improvisações, estruturas do rock dos anos 1960 e 1970 e elementos soul/gospel

No fim de 2019, durante uma entrevista no Howard Stern Show, os irmãos Chris e Rich Robinson anunciaram que haviam resolvido suas diferenças; eles estavam sem se falar desde o segundo término do Black Crowes, em 2015. A reunião, que não contava com nenhum ex-membro da banda além dos dois, foi recebida com certa desconfiança. Além disso, a turnê planejada para comemorar o 30º aniversário de “Shake Your Money Maker” em 2020 acabou sendo adiada pela pandemia de covid-19.

Em 2021, juntamente com o anúncio das datas remarcadas — com direito a passagem pelo Brasil —, Chris e Rich revelaram que Sven Pipien, substituto do baixista original Johnny Colt a partir de 1997, estava de volta. Mas o primeiro material fruto desse reencontro só veria a luz do dia em maio de 2022: o EP “1972”, composto por covers de faixas famosas lançadas em 1972.

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Mais quase dois anos de espera e eis que, finalmente, “Happiness Bastards”, o décimo álbum de estúdio do Black Crowes e primeiro de músicas inéditas desde “Before the Frost…Until the Freeze” (2009), está entre nós via Silver Arrow, gravadora cujo fundador e dono é o próprio Chris.

A expectativa não tinha como não ser alta; seja pelo catálogo prévio da banda, seja pelo tempo que ela estava sem lançar nada. E, com todos os méritos, este álbum, o mais curto em duração (38 minutos) e mais direto ao ponto entre os lançados pelo grupo, consegue incorporar tudo o que se poderia esperar do Black Crowes. Há riffs de guitarra inspirados no blues tradicional, evocações do espírito e das estruturas do rock dos anos 1960 e 1970, elementos de soul e gospel e o que conseguem, com maestria, fazer soar como improvisações tamanho o caráter orgânico da execução.

“Bedside Manners” dá o pontapé inicial de maneira arquetípica, fechando a cartela do bingo. Riff principal com slide, refrão com rica harmonia vocal e um andamento de consistência similar ao movimento de um trem de carga. Em “Cross Your Fingers”, o violão toma a dianteira num tributo não intencional ao Blind Faith antes de verter-se em forma mais suingada; um Led Zeppelin com a munheca mais solta, por assim dizer.

“Wanting and Waiting”, liberada como prévia ao disco, soa como um rescaldo da pandemia no qual Chris confessa estar “tentando me livrar da solidão no exílio auto-imposto” (“trying to lose my lonely in self-imposed exile”). Texturas de órgão Hammond, backing vocals femininos e licks persistentes arrematam os versos de teor autobiográfico, mas a cereja do bolo cabe à performance inspirada de Rich.

Com a cantora vencedora do Grammy Lainey Wilson tem-se o momento mais puramente Southern da audição: “Wilted Rose” é construída conforme a tradição caipira de storytelling, conjurando cenários e paisagens desérticas na mente à medida que progride sobre acordes básicos e eficazes. Na sequência, “Dirty Cold Sun” faz o perfeito contraponto, com a guitarra em primeiríssimo plano e Chris mirando em Mick Jagger e acertando em David Lee Roth tamanho despojamento.

A gaita anuncia “Bleed It Dry”, um country rock quase lo-fi de tão despido. A festiva “Flesh Wound” é um convite para a bebedeira em que o baterista, sabe-se lá se Brian Griffin ou o músico de turnê, Cully Symington, capitaneia o barco. “Follow the Moon”, por sua vez, representa a prova cabal de que “Rocks”, do Aerosmith, é um dos discos de cabeceira de Rich.

O encerramento se dá com a suave “Kindred Friend”, o mais novo exemplar do brilhantismo com que o Black Crowes compõe faixas capazes de fazer com que um suor másculo escorra pelos olhos mesmo daqueles que já perderam a esperança. Spoiler: é possível recuperá-la, ainda mais depois de dar a esse disco, já um dos melhores de 2024, repetidos plays.

*Ouça “Happiness Bastards” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

*O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Black Crowes — “Happiness Bastards”

  1. Bedside Manners
  2. Rats And Clowns
  3. Cross Your Fingers
  4. Wanting And Waiting
  5. Wilted Rose (com Lainey Wilson)
  6. Dirty Cold Sun
  7. Bleed It Dry
  8. Flesh Wound
  9. Follow The Moon
  10. Kindred Friend

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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