Na teoria, uma maravilha, principalmente para os fãs. Na prática, porém, o Glam Fest BR, em sua primeira edição, revelou-se uma aposta no mínimo arriscada para a produtora responsável dado o público certamente abaixo do esperado presente no Carioca Club, em São Paulo, no último domingo (17).
O formato se assemelha ao do Hard in Rio, evento que teve duas edições, em 2007 e 2008, no Rio de Janeiro: uma noite dedicada ao hard rock, com bandas que, se não foram fenômeno em vendas quando de seus auges, pelo menos ocupam lugar especial no coração daqueles que respiram o estilo não obstante o tempo que passou.
Mas nem só de completos saudosistas vive o hard hoje. Portanto, para encabeçar a noite que traria na abertura os veteranos da Sunset Strip, Tuff e Pretty Boy Floyd, o escolhido foi o sueco Crazy Lixx, representante e sobrevivente do revival escandinavo do começo dos anos 2000. Para aquecer os motores, um toque verde e amarelo com a gaúcha Goaten.
Confira como foi.
*Fotos gentilmente cedidas por Isis Trindade, em cobertura para o site parceiro Sonoridade Underground.
Goaten
A pontualidade britânica do início do evento prejudicou a Goaten. Quando Francis Lima (baixo e vocais), Daniel Limas (guitarra) e Rafaah Drinkwine (bateria) subiram ao palco às 17h — uma hora após a abertura dos portões, diga-se —, poucos eram os presentes e menos ainda aqueles que de pronto se posicionaram diante do palco para prestigiar a cota brasileira da noite. Mas à medida que os gaúchos progrediam em seu set cem por cento autoral e com esperada ênfase no recém-lançado “Midnight Conjuring” (2023), mais e mais incautos se aproximavam para ver qual era.
O som dos gaúchos é um heavy tradicional ao estilo rifferama com refrães de facílima assimilação; algo que os caras trazem do hard rock e que talvez justifique sua escalação a princípio curiosa para dar o pontapé inicial na noite. Nos 40 e poucos minutos que lhes couberam, os três capricharam como se estivessem tocando não para 50, mas para 50 mil pessoas. De quebra, mostraram-se craques no maior trunfo do formato power trio: arranjos enxutos e diretos nos quais a visceralidade e a interação entre os membros são tamanhas que não deixam lacunas a serem preenchidas.
Repertório — Goaten:
- Intro
- Mistress of Illusion
- Finally Free
- Metal Blade
- Gypsies in the Night
- Nature of the Century
- Pride or Dust
- Phantom Chaser
- Sacrifice
- Bells
- Hunting the Damned
Tuff
Não é de hoje que Stevie Rachelle virou sinônimo do grupo do qual foi vocalista de 1987 a 1995 e o qual ressuscitou em 2000. Sendo assim, todos os presentes que começavam a se avolumar na pista da casa já sabiam o que esperar: Rachelle, como Tuff, acompanhado de guitarrista, baixista e baterista locais — no caso do último domingo, a banda de apoio consistiu nos competentes Leo Gonn (guitarra; Desert Dance e Chromeskull), Bento Mello (baixo; Sioux 66 e Nite Stinger) e Gabs Haddad (bateria; Sioux 66), que mostraram estar em dia com o setlist.
Todos também já sabiam o que esperar em matéria de repertório: exceto pela vez em que se apresentou com o Tales from the Porn, em 2018, Stevie, que está em sua sétima passagem pelo Brasil, geralmente lança mão das mesmas prediletas dos dois primeiros álbuns “What Comes Around Goes Around” (1991) e “Fist First” (1994). O fator surpresa do repertório fica por conta de uma das dezenas de canções do Tuff que não saíram do estágio de demo ou de um cover de algum nome que o influenciou nos primórdios.
Só não acerto na loteria, mesmo. Às mais conhecidas “The All New Generation” e “I Hate Kissing You Goodbye” — com direito a Rachelle errando a letra —, juntaram-se “Summertime Goodbye”, que o vocalista dedicou aos fãs mais hardcore — este jornalista incluso —, e uma interpretação na régua de “You’ve Got Another Thing Comin’”, do Judas Priest.
Entre um “obrigado” e outro, reiterações de que o Brasil é um de seus destinos favoritos no mundo — não à toa, ficará para uma apresentação na Glam Slam Party, também na capital paulista — e a promessa de meet & greet gratuito para todos logo após o término do show.
Repertório — Tuff:
- God Bless This Mess
- In Dogs We Trust
- Ruck-a-Pit Bridge
- Good Guys Wear Black
- I Hate Kissing You Goodbye
- So Many Seasons
- Summertime Goodbye
- You’ve Got Another Thing Comin’ (Judas Priest)
- The All New Generation
- American Hair Band
Pretty Boy Floyd
Enquanto Stevie Rachelle enchia o bolso no estande de merchandising do Tuff — autografando cada CD ou LP vendido e tirando fotos mesmo com quem não comprava nada —, os produtos do Pretty Boy Floyd pareciam encalhar, mesmo Steve Summers em pessoa estando ali, com a caneta em mãos para dar quaisquer rabiscos que lhe fossem solicitados. O motivo? Os produtos da banda só poderiam ser adquiridos mediante pagamento em dinheiro vivo ou PayPal. Não seria um grande problema se 1) isso tivesse sido comunicado ao público antes e 2) houvesse troco a ser dado. Enfim…
Da mesma forma que ninguém estava preparado para a falta de uma maquininha de cartão, ninguém poderia prever o showzaço que faria o Pretty Boy Floyd, sob a batuta esperta de um Summers totalmente montado no visual couro e rebites. O lineup atual, além do vocalista, fundador e único remanescente das antigas, traz o guitarrista Dizzy Aster, o baixista DieTrich Thrall e o baterista Nick Mason — nenhuma relação com o lendário homônimo do Pink Floyd — igualmente exagerados, como cosplays da capa de “Leather Boyz with Electric Toyz” (1989), o álbum mais importante da discografia e onde originalmente se encontram nove das doze músicas tocadas pelo grupo.
Não que as exceções — “Good Girl Gone Bad”, “Restless” e “Saturday Night” — estejam patamares abaixo em qualidade, mas não dá para competir com o que os fãs do gênero consideram hinos. A faixa-título teve seu “ooooooo” cantado em altíssimo volume e outras, como “Rock & Roll (Is Gonna Set the Night on Fire)”, “48 Hours” e “Toast of the Town”, surrupiada do Mötley Crüe — já que não há créditos aos autores originais nem no CD, nem no Spotify —, foram tão efusivamente recebidas quanto.
Repertório — Pretty Boy Floyd:
- Your Mama Won’t Know
- Toast of the Town (Mötley Crüe)
- Leather Boyz with Electric Toyz
- Rock & Roll (Is Gonna Set the Night on Fire)
- Wild Angels
- Good Girl Gone Bad
- 48 Hours
- Rock & Roll Outlaws
- The Last Kiss
- I Wanna Be With You
- Restless
- Saturday Night
Crazy Lixx
A última vinda do Crazy Lixx ao Brasil estava prestes a completar 12 anos. Nesse ínterim, a banda lançou quatro álbuns de estúdio e sofreu duas mudanças na formação: os guitarristas Edd Liam e Andy Zata foram desligados e em seus lugares entraram Chrisse Olsson e Jens Lundgren, que ocupam os postos até hoje. Completam o lineup os fundadores Danny Rexon (vocais) e Joél Cirera (bateria) e o baixista Jens Anderson.
Embora não seja uma banda de verdade (leia entrevista para entender), o Crazy Lixx no palco se comporta como uma das melhores naquilo que se propõe a fazer e a oferecer. Nota-se um esforço coletivo para transmitir naturalidade, e o entrosamento, sobretudo de Olsson e Lundgren, não dá margem para dúvidas. Mas, nas entrelinhas, rola um quê de burocrático. É tudo tão milimetricamente bem-ensaiado que até as poucas vezes em que Rexon se dirige ao público parecem roteirizadas. Na melhor comparação possível, pense em como Paul Stanley se comportava nos shows do Kiss; é ver uma vez para captar as deixas e os ganchos.
Dos sete álbuns de estúdio, apenas o primeiro, “Loud Minority” (2007) — um clássico do sleaze, convenhamos —, não teve uma representante sequer no repertório. Essa ausência, se justifica no tipo de banda que o Crazy Lixx se tornou. Os dias de “Heroes Are Forever” ficaram para trás; o rótulo outrora ostentado como um selo de autenticidade virou alvo de rejeição à medida que um estilo mais “comportado” de hard foi adotado; leia-se conforme Rexon foi se tornando o principal compositor e único responsável pela assinatura sonora do grupo.
Se a música “amadureceu”, as letras, nem tanto, e isso fica evidente em alguns dos cortes favoritos da galera, como “21 Til I Die”, “Girls of the 80’s” e “Hell Raising Women”. Com mais de uma hora de duração, o último show da noite foi o único com bis: após um breve intervalo, os cinco voltaram ao palco para “Anthem for America” e “Never Die (Forever Wild)”. Um encerramento contraditório dado o que o futuro aparentemente reserva para a banda. Mas isso são cenas dos próximos capítulos.
Repertório — Crazy Lixx:
- Whiskey Tango Foxtrot
- Hell Raising Women
- Rock and a Hard Place
- XIII
- Silent Thunder
- Rise Above
- Sword and Stone (Bonfire)
- Girls of the 80’s
- Walk the Wire
- Wild Child
- Two Shots at Glory
- Blame It on Love
- 21 Til I Die
Bis:
- Anthem for America
- Never Die (Forever Wild)
*Fotos gentilmente cedidas por Isis Trindade, em cobertura para o site parceiro Sonoridade Underground.
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Absurdo não ter dito que o som da Banda Crazy Lixx estava horrível… Que só conseguiram ajustar minimamente o som na 8a. Música tocada… Simplesmente ridículo o show mais esperado da noite sem nenhum preparo de som… Mais ainda, você não ter dedicado uma linha quanto a isso.
Grato pela leitura e pelo comentário. Forte abraço!