Ainda hoje é difícil vermos uma artista não ser julgada por sua obra tendo como pano de fundo os atributos físicos. A situação era ainda mais explícita em outras décadas. Kate Bush é um exemplo. Quando despontou com talento ímpar no mundo da música, a cantora precisou passar por vários escrutínios machistas por parte da imprensa.
Em um perfil da revista Kerrang! em 1984, o jornalista Mick Wall entendeu que seria melhor apresentar Kate ao público através de uma descrição de mais de 400 palavras do sonho que teve com ela antes de entrevistá-la. Comportamento completamente de acordo com a época, infelizmente – e no qual muitos de nós caímos.
“A sexy Kate canta como um anjo” foi a manchete do Evening News quando o single de estreia da cantora então com 19 anos, “Wuthering Heights”, entrou no Top 20 do Reino Unido em fevereiro de 1978. Conforme resgate do Louder, o jornalista John Blake publicou:
“Estou convencido de que ela é a cantora feminina mais importante que surgiu na Grã-Bretanha em pelo menos dez anos. Também é linda e muito sexy – com enormes olhos castanhos e longos cabelos ruivos emaranhados.”
Kate Bush contra a armadilha
Não à toa, Kate BUsh se tornou tão reclusa, raramente concedendo entrevistas. Mas a própria fez questão de responder às insinuações.
“Não vou cair na armadilha de ser um objeto sexual. Acho que muitas mulheres são condicionadas a querer ter essa aparência quando são jovens. Mas é muito perigoso ser totalmente sexual porque imediatamente você é rotulada como outra coisa em vez de artista.”
“Ela tem QUANTOS anos?”
Apesar da reação, nada impediu que no mesmo ano a revista Sounds descrevesse a seus leitores:
“Ela é, de fato, uma mulher linda. Marfim esculpido, sem nenhum corte. Embora não queira despertar essa reação, ela não fica perturbada. Afinal, é um elogio.”
Outras manchetes indicavam direcionamento similar. “Bush é uma gatinha sexual”, declarou um deles. “A florescente srta. Bush” era o título de outro.
Disse um jornalista do Sunday Express, em um artigo intitulado “Ela tem QUANTOS anos?”:
“Quando você esclarece o fato de que ela é linda e jovem, seu incrível canto e composição em seu álbum de estreia, ‘The Kick Inside’, pode envolvê-lo e levá-lo a uma jornada musical.”
A resposta de Kate Bush
Em 1979, Kate pôde contra-argumentar em uma entrevista de áudio resgatada de arquivo pelo site Rock’s Backpages. O crítico musical Ian Ravendale perguntou:
“Quase odeio perguntar isso a você, porque é a pergunta padrão, mas você acha que foi promovida até certo ponto como objeto sexual?”
Sem meias palavras, ela disse:
“Isso é o que todo mundo diz, e não é uma questão de eu ser promovida como objeto sexual; é uma questão de como eu realmente me projeto. E as pessoas diriam isso de qualquer maneira, quer eu estivesse vestida com uma fantasia de freira ou sem nada. E contanto que eu seja apreciada como artista, tudo bem.”
Ravendale continua dizendo:
“Porque o sexo desempenha um papel em algumas de suas músicas. Seu single atual, ‘Wow’, é sobre um orgasmo?”
Kate ficou surpresa. E esclareceu a temática.
“Sobre um orgasmo? Bem, poderia ser, suponho, mas certamente não vale a pena falar sobre isso. É sobre o showbusiness, na verdade.”
Símbolo sexual?
Outro exemplo ocorreu em 1981, após Kate Bush ter liderado a categoria “Símbolo Sexual Feminino” na pesquisa dos leitores do Record Mirror. A cantor, então, foi perguntada por Chas de Whalley sobre seus sentimentos em relação ao assunto.
Na resposta, segundo o jornalista, ela parecia um pouco confusa com tudo isso. E disse:
“Bem, é gratificante, suponho. Mas isso me faz rir, de verdade. O que significa ser um símbolo sexual? Significa que as pessoas me acham atraente, não é? É um gesto de carinho, suponho, e claro que estou muito grata. Mas não realmente penso em mim assim.”
Kate Bush atualmente
Em 2024, Kate Bush completa uma década afastada dos palcos. Suas últimas apresentações até o momento foram 22 datas no Hammersmith Odeon, casa de espetáculos de Londres, Inglaterra. Elas foram realizadas entre 26 de agosto e 1º de outubro de 2014.
Ano passado, ela foi introduzida ao Rock and Roll Hall of Fame. Mantendo a tradicional discrição, não compareceu à cerimônia, que aconteceu em Nova York, Estados Unidos, no dia 3 de novembro.
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