A história da ascensão meteórica do Ratt com “Out of the Cellar”

Álbum que vendeu mais de três milhões de cópias catapultou o grupo para um sucesso tão imediato que foi quase assustador

Beverly Theater, um verdadeiro ícone para a elite do entretenimento de Beverly Hills, Califórnia. Construído na década de 1920, o teatro ostentava uma decoração interior opulenta, com murais inspirados nas Mil e Uma Noites e um arco de proscênio em formato circular, semelhante a um portão lunar chinês. Até sua demolição em 2005, lá eram exibidos filmes, peças e musicais ao estilo vaudeville. Mas em 27 de julho de 1983, o espetáculo foi outro: o Ratt.

“A Lita Ford também iria tocar, mas desistiu, porque não queria abrir para nós”, recorda o vocalista Stephen Pearcy em Nöthin’ But a Good Time (Estética Torta, 2022). “Dissemos: ‘Que se dane. Vamos tocar sozinhos.’ E foi o que fizemos”.

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E foi então que Doug Morris, o presidente da Atlantic Records, apareceu. O guitarrista Warren DeMartini acrescenta:

“Lembro da sensação de que era isso ou nada. Porque minha memória é que todos os selos nos rejeitaram e a Atlantic era o último dos grandes que ainda não tinha nos visto.”

Morris certamente não esperava dar de cara com duas mil pessoas gritando e ficando completamente malucas.

Assim começa a história de “Out of the Cellar”, o primeiro e mais bem-sucedido álbum do Ratt.

A antítese do Mickey Mouse

No alvorecer dos anos 1980, Stephen Pearcy e o guitarrista Chris Hager migraram de San Diego para Los Angeles pensando em se dar bem. O vocalista conhecia alguém que tinha uma casa em Culver City e se dispôs a hospedá-lo. Então, todo o equipamento da banda foi montado na garagem, onde colchonetes e outras coisas também estiveram à disposição. Hager relembra: “Morávamos, ensaiávamos e dávamos festas nessa garagem. E foi assim que surgiu o Ratt, basicamente”.

Mas antes de se chamar Ratt, o grupo atendia por outra alcunha: Mickey Rat. Para evitar violação de direitos autorais, outro T foi adicionado ao final do nome, explicado pelo guitarrista:

 “[O personagem] era uma espécie de antítese do Mickey Mouse. Bebia, fumava e comia mulher pra c#ralho. Era um canalha. E era engraçado. E o Stephen adorava.”

Por cerca de um ano e meio, o Mickey Ratt percorreu todas as casas noturnas que existiam naquela época, até se tornar a banda residente do Gazzarri’s. Contudo, chegou a um ponto em que, musicalmente, não estava funcionando para Hager, que saiu para a entrada de Jake E. Lee.

Depois, foi a vez de Robbin Crosby, outro migrante de San Diego, se juntar a princípio como segundo guitarrista. Em pouco tempo, o simpático e carismático gigante se tornaria, junto com Stephen, o núcleo do Ratt.

E esse foi um dos motivos pelos quais Lee acabou saindo. Ele conta:

“Stephen e Robbin sempre foram mais extravagantes, enquanto eu era um pouco mais contido. Certo dia, Stephen fez um comentário sobre como eu me vestia no palco. E me disse que eu precisava melhorar a minha performance a respeito da aparência no palco. Fiquei incrédulo: ‘Sério?’. E essa foi a gota d’água. Sei que o Stephen gosta de dizer por aí que saí por causa da vaga que consegui na banda do Ozzy [Osbourne]. Mas posso dizer com certeza que foi esse o motivo de eu sair do Ratt.”

Em março de 1982, o baterista Bobby Blotzer subiu a bordo. Duas semanas mais tarde, Juan Croucier tomou a vaga de Matt Thorne no baixo. E então, de acordo com Blotzer, “começou a ficar grande”.

“Estávamos lotando o Whisky (a Go Go). Casa cheia duas noites seguidas no Troubadour e em todos os lugares que tocamos no sul da Califórnia.”

Mesmo que as coisas estivessem indo melhor, o Ratt continuava não ganhando dinheiro. Mas isso logo mudaria.

Nada a perder

Todo mundo em Los Angeles conhecia Marshall Berle, gerente do Whisky a Go Go na época. Atuante na cena desde os anos 1960, ele havia trabalhado com os Beach Boys e o Creedence Clearwater Revival. Mais importante do que isso, tinha sido o responsável por levar o Van Halen para a Warner Bros.

Baseado na resposta do público em relação ao Ratt, Marshall, que tinha um selo chamado Time Coast, ofereceu ao grupo uma espécie de contrato de produção. Embora o negócio não fosse o mais lucrativo, para Croucier, “quando você não tem um p#to, não tem nada a perder”.

Bastou uma semana em novembro de 1982 para o Ratt fazer seu EP de estreia homônimo ao custo de US$ 3 mil. A arte da capa mostrava ratos vivos nas pernas da modelo Tawny Kitaen — sua amiga de infância de San Diego e futura esposa de David Coverdale —, que namorava Robbin na época. Marshall fez o que qualquer gravadora faria e contratou alguns promotores de vendas para bombar o EP em Los Angeles. O objetivo foi alcançado, segundo Juan.

“Vendemos cerca de 40 mil cópias por conta própria como uma banda independente. E foi isso que nos ajudou a fechar com a Atlantic.”

Pearcy acrescenta:

“O Marshall vinha instigando reuniões, convidando gravadoras, as grandonas, para conferir a banda. E muitas não poderiam se importar menos com a gente.”

Até que veio o tal 27 de julho de 1983, no Beverly Theater.

“Quem diabos é Beau Hill?”

Beau Hill era um zé-ninguém quando recebeu um telefonema de Doug Morris. O então presidente da Atlantic Records foi direto ao ponto: “Você topa ir comigo para a Califórnia ver uma banda? Porque, se você concordar em produzi-la, eu vou contratá-la”. Então, eles foram e viram o Ratt tocar no Beverly Theater. Em depoimento a Martin Popoff reproduzido em “The Big Book of Hair Metal” (Voyageur Press, 2014), Hill conta:

“O lugar estava lotado, e eu fiquei tipo: ‘Claro, caramba, eu adoraria fazer isso [produzir a banda].’ Agora, os caras do Ratt ficaram ressabiados. ‘Quem diabos é Beau Hill? Não o queremos e achamos que ele é um idiota’ [Risos.] O cara que eles queriam era Tom Allom. É quem Pearcy queria. Todo mundo na banda me odiava porque o Doug deixou muito claro que a Atlantic só os contrataria se eu produzisse o álbum. No entanto, seu empresário de alguma forma os convenceu a aceitar esse decreto do Doug. Ele realmente queria que a banda estivesse na Atlantic. Acho que a Atlantic lhes deu um adiantamento razoável, para aqueles dias, e é isso.”

Embora ainda não fosse um produtor com P maiúsculo, Hill sabia como era estar em uma banda, sabia fazer a engenharia de som e dominava toda a parte técnica. Mas, segundo ele, “a sutileza e a psicologia de domar a galera foram basicamente aprendidas na prática”.

Pearcy reconhece a Popoff: acabou que todos gostaram dele.

“Assim que começamos a gravar aquele disco, Beau teve algumas boas ideias. Entramos para gravar três músicas e depois começamos a andar com as próprias pernas. [No estúdio] eu estava sempre comendo alguém em algum lugar. Nos armários, nas salas fechadas, embaixo dos móveis. Eles tinham que me procurar o tempo todo, ver onde eu estava. E então me encontravam e diziam: ‘É hora de você ir lá cantar’. Eu dizia: ‘Beleza’.”

As gravações do que se tornaria “Out of the Cellar” ocorreram em setembro de 1983, no Village Recorder, em Los Angeles. Pearcy compôs principalmente as músicas, mas todos colaboraram trazendo suas canções para ele e ele as moldava de acordo com o que tinha em mente em termos de assinatura sonora. DeMartini recorda-se:

“Lembro que terminamos o álbum e depois ficamos meses sem fazer nada. Parecia que o tempo voava e nada acontecia.”

Então, de repente, o Ratt recebeu uma ligação informando que os cinco precisavam estar em um determinado endereço no centro da cidade para gravar um videoclipe.

O clipe certo

Warren, Robbin e Stephen levaram cerca de trinta minutos para compor “Round and Round”, uma música que Doug Morris achava que “poderia ir longe” e que Hill afirmava ser “a música do Ratt”.

Quando foi lançada como single pela Atlantic em fevereiro de 1984, “Round and Round” não teve muito impacto. Mas quando o videoclipe estreou na MTV, todo mundo só falava nisso.

Foi ideia de Marshall Berle incluir seu tio, o comediante e apresentador de TV Milton Berle, no clipe, que girava em torno de um jantar invadido por ratos. O empresário rememora:

“Fizemos tudo por menos de US$ 25 mil. Filmamos em um dia em um armazém. Meu tio estava realmente animado para fazer o clipe, porque viu isso como um novo formato. Eu dizia a ele: ‘Isso vai virar uma febre. Videoclipes’. Então ele ficou animado. E foi muito legal com todos os caras.”

Milton abraçou a missão, e todos apenas o deixaram fazer o que quisesse. Juan Croucier pontua:

“Nós gostamos muito do Milton. Ele se sentava conosco, acendia um charuto e começava a nos contar histórias sobre algumas pessoas de quem só ouvimos falar. E todos nós o bombardeávamos com perguntas.”

Assim que o videoclipe de “Round and Round” estreou, ele entrou na programação da MTV entre os mais pedidos e impulsionou o Ratt para outro patamar. Warren DeMartini conta em entrevista a Malcolm Dome:

“A MTV ainda estava engatinhando. Mas o canal era o veículo perfeito para nos destacarmos. As coisas podiam acontecer muito rápido quando a MTV exibia seu clipe repetidamente, e foi o que aconteceu conosco. Antes de a MTV aparecer, você tinha que passar por todo o processo de fazer as estações de rádio tocarem suas músicas, e era um processo lento e gradual. Mas, com o clipe certo, você poderia ser notado rapidamente.”

Um motel sobre rodas

Ainda em fevereiro, o Ratt caiu na estrada. A ideia era gerar um alvoroço pré-lançamento para o álbum que chegaria às lojas em março.

Na primeira etapa da turnê, a banda foi a atração principal de pequenas casas noturnas com capacidade para quinhentas a mil pessoas. Em seguida, abriu shows em arenas ao ar livre para Billy Squier. Na autobiografia “Sex, Drugs, Ratt & Roll” (Gallery Books, 2013), Stephen destaca:

“Uma experiência incrível. Mas nossa verdadeira empolgação estava reservada para o ônibus da turnê chamado Rolling Hilton. Nosso ônibus era um motel sobre rodas, um paraíso perfeito, construído para roqueiros, sem muitas das comodidades que as bandas de hoje talvez considerem como garantidas (…) Mas a banda podia beber, cheirar drogas e jogar Pong numa boa.”

O que começou como um giro de seis semanas se transformou em um de dez meses, que incluiu uma temporada abrindo para Ozzy Osbourne no Canadá, na Europa e nos Estados Unidos. O vocalista comenta:

“De repente, estávamos tocando em casas gigantes, na frente de multidões enormes. Os hotéis começaram a ficar melhores. Pequenas multidões se reuniam no saguão quando a banda chegava. Roupas íntimas começaram a voar para o palco.”

E o Rolling Hilton, infestado de chatos, precisou ser substituído.

“Voltamos para casa ricos… ricos pra c#ralho”

Lançado em 27 de março de 1984, com uma capa novamente apresentando Tawny Kitaen, “Out of the Cellar” foi um sucesso instantâneo. “Round and Round” estava sendo constantemente exibido na MTV e impulsionou o álbum para as paradas de sucesso e o Ratt para as capas das revistas.

Além de “Round and Round”, o hit mais conhecido da banda, o álbum também apresenta outras músicas populares, como os singles “Wanted Man” e “Back for More” — este último originalmente incluído no EP “Ratt”. Enquanto “In Your Direction” remonta aos tempos de Mickey Ratt, “I’m Insane” e “Scene of the Crime” pertenciam ao repertório da empreitada anterior de Robbin Crosby, Mac Meda.

Em julho de 1984, o Ratt havia chegado ao top trinta, logo alcançando as dez mais, chegando ao número sete. No processo, “Out of the Cellar” vendeu mais de três milhões de cópias. Com esse sucesso, os dias de banda de abertura estavam contados: em vez disso, o grupo estava prestes a começar a ser a atração principal dos shows.

“Nosso sucesso foi tão imediato que foi quase assustador”, lembra Stephen Pearcy. Beau Hill acrescenta:

“Quando conheci esses caras, eles praticamente não tinham nada, e no primeiro ano passaram de sem renda para declarar uma renda de 1,2 milhão de dólares cada. Em um ano.”

“Voltamos para casa ricos… ricos pra c#ralho”, conta Blotzer, que complementa:

“Fui o primeiro da banda a comprar uma casa. O primeiro a comprar um carro novo. Sabe o Trans Am vermelho que o Warren aparece dirigindo no clipe de ‘Back for More’? Eu o comprei um dia antes das filmagens, mas a gente tinha acabado de vender quatro milhões de cópias, e o nosso contrato previa mais cinco discos. Então comprei uma casa para mim. E para minha mãe dei um carro novo e também uma casa. Foi surreal, inacreditável.”

Foi um “sonho”, resume DeMartini. Ele conclui:

“Todos nós queríamos que isso acontecesse. Mas quando aconteceu, a rapidez com que tudo aconteceu nos deixou um pouco sem chão (…) Passamos de desconhecidos a importantes muito rapidamente. Parecia que estávamos tocando em clubes de Los Angeles um dia e em arenas no dia seguinte! (…) Foi simplesmente inacreditável para nós. Esperávamos que o álbum vendesse algo em torno de meio milhão de cópias — ele vendeu muito mais!”

Ratt — “Out of the Cellar”

  • Lançado em 27 de março de 1984 pela Atlantic
  • Produzido por Beau Hill

Faixas:

  1. Wanted Man
  2. You’re in Trouble
  3. Round and Round
  4. In Your Direction
  5. She Wants Money
  6. Lack of Communication
  7. Back for More
  8. The Morning After
  9. I’m Insane
  10. Scene of the Crime

Músicos:

  • Stephen Pearcy (voz)
  • Robbin Crosby (guitarra)
  • Warren DeMartini (guitarra)
  • Juan Croucier (baixo)
  • Bobby Blotzer (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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