Especialmente a partir do lançamento do clássico álbum “Roots” (1996), o Sepultura passou a ser associado à cultura indígena brasileira. Isso fica claro até mesmo nas artes e produtos de merch da turnê de despedida, “Celebrating Life Through Death”.
Mas será que na época, a aproximação com os povos originários tinha uma conotação de protesto político? O guitarrista Andreas Kisser falou sobre isso.
Em entrevista a Thuanny Judes para a Noize, o músico relembrou o trabalho com o povo Xavante, do Mato Grosso do Sul, durante o processo de composição das músicas que viriam a formar “Roots”. Kisser contou sobre o modo de vida daquele povo, algo que ficou marcado para os membros do Sepultura.
Ele disse:
“A gente passou dois dias na aldeia, no Mato Grosso do Sul. E cara, foi uma experiência fantástica de ver outro formato de vida, de sair um pouco daquela coisa da selva de pedra, do relógio, do tempo. Eu lembro de ter uma outra percepção do tempo. O relógio perdeu todo sentido ao ver como eles se relacionavam com a natureza. Acho que o Sepultura sempre trouxe isso por ser uma qualidade. Temos muita influência dos povos originários na nossa cultura, gastronomia, vocabulário.”
Já sobre as motivações da parceria, Andreas negou que havia uma agenda política por parte da banda. A ideia sempre foi ter uma troca, um intercâmbio cultural.
“A gente começou a botar isso na música muito pela coisa cultural musical, nem foi um protesto político. A gente entrou em contato diretamente com a tribo Xavantes, não fomos através da Funai ou outro órgão político. Fomos para lá e trocamos ideias musicais. A gente queria entender um pouco da pintura, o que que eles usam para pintar o rosto, o que que eles comem, qual a relação deles com futebol.”
O guitarrista comentou ainda sobre o resultado dessa convivência:
“Lembro que o Max (Cavalera, vocalista e guitarrista) deixou um violão, o que ele usou para gravar o disco, porque eles não tinham visto um violão. Tudo que a gente fez foi traduzido. E quando você percebe que essa interação é entre pessoas, entendemos que somos todos iguais. O que eu quero dizer, é que as pessoas são pessoas. Nós somos vítimas da nossa própria cultura, dos livros que a gente leu, da família que a gente veio, do país onde a gente nasceu. Por que o árabe vê o mundo de uma forma diferente? Tem um certo ou errado? Não, não tem ninguém errado. É só uma perspectiva diferente, a educação de cada um, e é isso que a gente precisa respeitar.”
Sepultura e os Xavantes
Em entrevista à BBC Brasil, Paulo Cipassé Xavante, cacique que recebeu o Sepultura em sua aldeia, contou como aconteceu o convite para participar de “Roots”. O líder afirma que o contato veio através da jornalista Angela Pappiani, do Núcleo de Cultura Indígena, ONG de Ailton Krenak, filósofo, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.
“Eu falei para a Angela: ‘pega todo o material relacionado a eles e manda para nós, que eu coloco no ar para o pessoal aqui’.”
O cacique conta que uma frase da jornalista convenceu os Xavantes a fazer a parceria com a banda:
“Ela falou: ‘eles são iguais a vocês: cabeludos, tatuados e o pessoal tem preconceito com eles’. Ela mandou os álbuns e eu coloquei no ar no nosso conselho tradicional. O pessoal gostou e falou: ‘se eles sofrem preconceito igual a nós, vamos fazer o trabalho’.”
Cipassé apenas colocou uma condição para que os integrantes do grupo fossem conhecer a aldeia no Mato Grosso do Sul:
“A única coisa que eu pedi para comunicar a eles é que eu sabia que o pessoal que toca esse estilo de música fuma e bebe muito. Então pedi para eles não trazerem nada disso para fazermos um trabalho com respeito. Eles aceitaram.”
A amizade entre a liderança indígena e os membros do Sepultura daquela época continua. Em 2022, Max e Iggor Cavalera fizeram shows comemorando o aniversário de “Roots”. Em uma das apresentações, em São Paulo, Paulo Cipassé Xavante foi convidado a discursar no palco, logo depois da execução da faixa “Itsári” (que significa “raízes” – “roots” – no idioma xavante).
Explicando sobre a música, Cipassé afirmou:
“A música ‘Itsári’ é uma dança de cura. Por isso, essa música é muito sagrada, muito importante. Por isso, nesse momento, como é uma dança de cura, eu queria levar a mensagem para vocês e chamar vocês neste momento. Como vocês sabem, estamos vivendo um momento muito delicado com relação à vida. Precisamos respeitar ao próximo para vivermos em paz e ter um momento melhor. Para isso, precisamos respeitar a vida. Por isso, queria chamar vocês com responsabilidade para a gente preservar o meio ambiente, que é a nossa vida, nossa casa. Ela representa como se fosse a nossa vida. Não é responsabilidade só do povo indígena. É de cada um de vocês, de cada ser humano. Se não cuidarmos do que estamos vivendo nesse planeta, daqui 50 anos, não existirá nem meio ambiente, nem ser humano. É essa mensagem que quero levar a vocês.”
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