Quem vê Joel Hoekstra (Whitesnake, Trans-Siberian Orchestra) em ação com o Accept até duvida que o guitarrista é um mero convidado, escalado em pleno 2024 apenas para as apresentações ao vivo. Imponente do alto de seus 1,91m de altura, o “novato” que substitui Philip Shouse – ausente das turnês temporariamente – toma conta de uma porção considerável do palco e personifica muito do que a banda alemã ainda representa para o heavy metal: um gigante entrosado, capaz de ótimos truques que contemplam o âmago do estilo, mas que também se recusa a soar ultrapassado.
É claro que nem tudo exala frescor ou naturalidade. Os movimentos são milimetricamente calculados e remontam a uma coreografia que já beira 50 anos, quando Scorpions, Kiss e, sobretudo, Judas Priest estabeleceram os vindouros parâmetros visuais de um show de metal. Entretanto, o próprio Accept deu sua contribuição significativa nesse quesito na virada para a década de 1980 — e nada mais justo do que continuar desfrutando de uma estética consolidada.
Quando o fundador e único membro original Wolf Hoffmann emparelha sua Flying V com a de Hoekstra ou de Uwe Lulis (ex-Grave Digger), que completa a tríade de guitarristas, tem-se a combustão vital no motor dessa engrenagem germânica, tal qual imortalizado na capa do clássico disco “Restless and Wild” (1982). Algum risco de parecer datado? Não para o público que praticamente abarrotou as dependências da Toinha na noite da última sexta-feira (17) para ver a estreia do Accept em Brasília, numa exibição de gala do, atualmente, sexteto – completo com Mark Tornillo (vocal), Christopher Williams (bateria) e Martin Motnik (baixo).
Estreando disco e turnê no Brasil
Não foi a primeira vez só de Brasília ou de Joel Hoekstra com o Accept. A banda se tornou habitué no Brasil e nessa nona passagem pelo país (2011, 2013, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2023 e agora) já se sente confortável o bastante para estrear por aqui um disco novo, “Humanoid”, bem como a turnê mundial de mesmo nome.
O álbum foi lançado há menos de um mês, em 26 de abril, e várias músicas estão vendo a luz do dia justamente em solo brasileiro. A estratégia de abrir a apresentação com duas faixas novas, “The Reckoning” e “Humanoid”, aparentava ser arriscado, mas comprovou a confiança dos alemães e sua total sintonia com os fãs daqui.
Sem grupo de abertura, exatamente às 22h03 os riffs iniciais foram despejados por um ataque mortífero de Flying V’s que duraria quase duas horas. Algo que logo chamou a atenção foi a ausência de amplificadores tradicionais no palco. Nada daqueles gabinetes e cabeçotes robustos. Explica-se: o Accept usa um equipamento chamado Kemper Profiler, uma espécie de emulador de amps. Tal ferramenta se baseia na tecnologia de “impulse response” e permite reproduzir com fidelidade a sonoridade de um Marshall, por exemplo, sem a necessidade de tê-lo consigo ao vivo.
Além da praticidade, o resultado acaba sendo também um palco mais “limpo” e que permite a movimentação constante dos integrantes, em especial dos três guitarristas. Mais compenetrado em riffs e bases, porém, Uwe Lulis é o que menos se vale desse expediente. É quem faz o trabalho sujo, mas, claro, não menos importante.
Do disco novo, também foram executadas “Straight Up Jack” e “Frankenstein”, que aposta em um refrão grudento, mas não necessariamente bom. Em ambas, percebe-se que se algo faz falta no Accept atual é o baixista original Peter Baltes, que saiu em 2018. Recrutado no ano seguinte, Martin Motnik ainda não mostrou a que veio e tem performance burocrática ao vivo, destoando do restante do grupo.
Velhos e novos hinos
Felizmente, o mesmo não se pode dizer de Mark Tornillo. Desde 2009, ele tem a árdua tarefa de substituir o icônico Udo Dirkschneider e, dentro do possível, consegue cumprir muito bem a função designada. Seja pelo timbre de voz semelhante ou pela contribuição com novos hinos para o repertório da banda.
Basta ver a divisão equilibrada: das 19 músicas do show, 10 são da fase Udo e nove, da fase Tornillo. Obviamente, velhos clássicos como “Restless and Wild”, “Midnight Mover”, “London Leatherboys” e “Breaker” estão entre os momentos mais festejados, mas composições relativamente recentes, como as ótimas “Shadow Soldiers”, de “Stalingrad” (2012), e “Teutonic Terror”, de “Blood of the Nations” (2010), mantêm a solidez do setlist.
“Riff Orgy”, por sua vez, é um medley com quatro velharias: “Demon’s Night“, “Starlight”, “Losers and Winners” e “Flash Rockin’ Man“. Trata-se de um artifício que pode dividir opiniões, levando-se em conta que todas mereciam ser tocadas na íntegra, mas que vale ao menos pela intenção.
Mesmo lidando com pequenos problemas técnicos, como falha no microfone e volume baixo na voz em alguns momentos, Tornillo conduziu a apresentação com eficiência. Aos 69 anos, o cantor pode não ter a mesma vitalidade dos colegas e claramente precisa dosar no entusiasmo, mas demostra conhecer os atalhos.
“Princess of the Dawn” e “Metal Heart” levaram o público direto aos tempos áureos do metal oitentista, quando o Accept viveu seu auge criativo. Na faixa-título do álbum de 1985, Wolf Hoffmann atrai todos os holofotes e brilha naquele que provavelmente é seu solo mais emblemático, evocando influências de música clássica com trechos de “Slavonic March”, de Tchaikovsky, e “Für Elise”, de Beethoven.
Arremate com… AC/DC
É brincadeira, mas tem um fundo verdade. No encore, o Accept estoura dois clássicos absolutos, “Fast as a Shark” e “Balls to the Wall”, e faz uma pequena homenagem a uma de suas maiores influências nos primórdios, o AC/DC.
“I’m a Rebel”, que abre o disco de mesmo nome lançado em 1980 pelos alemães, é, na verdade, uma composição de Alex Young (o mais velho dos irmãos Young) e, portanto, cover da banda australiana. O AC/DC chegou a gravá-la em 1976, mas nunca lançou.
Festiva até dizer chega, digamos que a música é um arremate inusitado, mas bastante condizente com a real proposta do show do Accept: nada menos que uma celebração à longevidade do heavy metal. Autêntica e verdadeira em sua essência.
Accept – ao vivo em Brasília
- Local: Toinha
- Data: 17 de maio de 2024
- Turnê: Humanoid
- Produtora: Live Concert
Repertório:
- The Reckoning
- Humanoid
- Restless and Wild
- Midnight Mover
- London Leatherboys
- Straight Up Jack
- Dying Breed
- Zombie Apocalypse
- Riff Orgy (Demon’s Night + Starlight + Losers and Winners + Flash Rockin’ Man)
- Breaker
- Shadow Soldiers
- Frankenstein
- Princess of the Dawn
- Metal Heart
- Teutonic Terror
- Pandemic
Bis:
- Fast as a Shark
- Balls to the Wall
- I’m a Rebel
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Muito bom Guilherme, foi um grande show.
Excelente Guilherme, parabéns!
Excelente comentário.
Demais.
Accept é demais!! Heavy Metal no talo! Como sempre e como tem que ser!
Accept é um monstro sagrado do Metal e o show no Toinha foi uma amostra da maestria da banda.
Casa cheia e público cantando praticamente todas as músicas.