Como o Badlands tomou forma e criou seu impactante álbum de estreia

Ainda que acidentado, caminho percorrido por Jake E. Lee, Ray Gillen, Greg Chaisson e Eric Singer resultou num disco com contornos de obra-prima

“Muitas vezes, no palco, eu dizia a mim mesmo: ‘Esta é a melhor banda do mundo, com os melhores músicos do mundo, e eu faço parte dela! Inacreditável!’”, disse Greg Chaisson em depoimento ao jornalista Malcolm Dome, em um texto assinado pelo jornalista presente no encarte do relançamento em CD de “Badlands” em 2010. “Não importa o quão ruim tenha ficado com o tempo. Foi uma ótima banda para se estar”.

O comentário do baixista não é exagero, pois, ao seu lado no palco estavam ninguém menos do que o guitarrista Jake E. Lee, o vocalista Ray Gillen e o baterista Eric Singer, três ases em seus instrumentos. A prova máxima do quanto o Badlands era diferenciado é seu disco de estreia homônimo, lançado há 35 anos, ainda considerado um título essencial do hard rock dos anos 1980.

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Conheça a história.

Dois ex-membros de bandas famosas se unem

Tudo começou em meados de 1987, quando Jake E. Lee foi inesperadamente demitido da banda de Ozzy Osbourne, com a qual havia gravado dois álbuns de sucesso. O guitarrista garante que não tinha ideia de que isso estava por vir, conforme recordou em uma entrevista ao Eonmusic em 2018.

Sharon Osbourne [esposa e empresária de Ozzy] me ligou e disse que queria jantar comigo. Acho que havia pistas ali, porque ela falou sobre como: ‘Algum dia, Jake, quando você tiver sua própria banda.’ (…) Meu colega de quarto na época também era meu técnico de guitarra, e ele voltou do Rainbow [bar em Los Angeles], onde estava bebendo com [os companheiros de banda no Ozzy] Phil [Soussan, baixo], e Randy [Castillo, bateria], e ele disse que eles se aproximaram dele e perguntaram: ‘Então, o que você vai fazer agora que o Jake saiu da banda?’ Daí ele correu para casa e quis saber: ‘Cara, você foi demitido?’ e eu respondi que não. E ele rebateu: ‘Acho que foi.’ (…) Em seguida, peguei o telefone e liguei para Sharon: ‘Acabei de ouvir um boato estranho’, e ela confirmou: ‘Não é boato’. Daí eu perguntei: ‘Isso quer dizer que estou demitido?’ E ela respondeu: ‘Sim, é por isso que te levei para jantar.’ [Risos.]”

Livre para perseguir seus próprios sonhos, o guitarrista foi veloz em contatar Ray Gillen, que gravou os vocais originais para o álbum “The Eternal Idol” (1987) do Black Sabbath — embora esses tenham sido substituídos pelos de Tony Martin — e também integrou primeiras encarnações do Blue Murder de John Sykes e do Atomic Playboys de Steve Stevens.

Após a mãe de Ray entrar em contato com Jake, o cantor voou de sua casa em Nova York para Los Angeles para ver qual era. À Kerrang! de maio de 1989, Gillen contou:

“Eu estava particularmente interessado no projeto em razão de como as coisas deram errado com o Blue Murder. Fui basicamente convidado a me retirar da banda pela gravadora. John Kalodner, uma das pessoas mais importantes da Geffen Records, simplesmente disse que eu não sabia cantar!”

Calhou de Ray, na época, estar morando com Eric Singer. Sua associação com o Sabbath, e suas credenciais como ex-baterista de Lita Ford e Gary Moore, fizeram dele a escolha óbvia para a bateria. No tour book oficial da banda de 1989, Eric diz:

“Antes do Badlands, eu era um hired gun. Minhas atribuições eram limitadas e definidas. Eu tinha que me conformar a um estilo, entrava mudo e saía calado. Agora todos respondemos por nossas ações, músicas, tempo e dinheiro. Estamos encontrando nossa direção e nosso som.”

Assim, três quartos do Badlands estavam agora no lugar. Tudo o que era necessário era encontrar o baixista certo.

Uma amizade de sucesso

Quando Greg Chaisson se mudou de Phoenix, Arizona, para Los Angeles, no começo dos anos 1980, uma das primeiras bandas que viu ao vivo foi o Rough Cutt. No depoimento a Malcolm Dome, o baixista recorda:

“Meu colega de quarto disse: ‘Você tem que vir vê-los porque eles têm o melhor guitarrista da cidade, Jake Williams (futuramente Jake E. Lee)’. Então eu fui vê-los. A banda até que era boa, mas Jake era o melhor guitarrista que eu já tinha visto.”

Os dois ficaram amigos. Chaisson, que anteriormente tocara no Steeler com Ron Keel, chegou a fazer um teste para se juntar à banda de Ozzy para o álbum “The Ultimate Sin” (1986). Como Jake lhe havia dito que entraria em contato quando e se saísse da banda de Ozzy para montar sua própria, Greg esperou pela ligação. Mas não foi bem assim que tudo aconteceu, segundo o baixista.

“Sempre pensei que o Jake me convidaria para me juntar à banda. Então, imagine minha surpresa quando ele me ligou não para isso, mas para que eu fizesse um teste! Eu disse a ele que não faria teste coisa nenhuma; que ele deveria prosseguir e testar outros baixistas. Se no final não encontrasse o cara certo, então deveria me ligar.”

Uma sucessão de nomes passou pelo processo de audição — entre eles, James LoMenzo (White Lion, atualmente no Megadeth) e Rudy Sarzo, além do irmão mais velho de Greg, Kenny Chaisson (Keel). Nenhum deles passou.

No fim das contas, Greg foi convidado a se juntar ao Badlands em meados de dezembro de 1987.

Entre influências clássicas e controle criativo rígido

Com a formação agora completa, o Badlands iniciou o processo de composição em janeiro de 1988. À Guitar World, em julho de 1989, Jake E. Lee contou que músicas antigas do Cream, Free e Led Zeppelin — bandas as quais todos cresceram ouvindo — foram tocadas nos primeiros encontros. Segundo ele, a influência se refletiu quando começaram a compor músicas próprias.

Mas a verdade é que o guitarrista já tinha todo um lote de composições que não se encaixaram com Ozzy engavetadas. Além disso, ao contrário do que Eric afirma no tour book oficial da banda de 1989 — “Tenho carta-branca para criar minhas próprias partes. Somos todos membros iguais, e a opinião de cada um conta” —, Lee não dava essa liberdade criativa aos colegas. Segundo Chaisson, até mesmo as viradas de bateria foram elaboradas por Jake.

Embora com ares ditatoriais, o processo de composição se deu sob um clima tranquilo. O mesmo não se pode dizer do ponto de vista operacional e de gestão. Procurando por um empresário, o quarteto se reuniu com vários possíveis candidatos e ficou particularmente impressionado com Larry Mazer. Greg revela: “Íamos assinar com ele, mas Ray disse que sairia da banda se Paul O’Neill não nos empresariasse”.

Conhecido por seu trabalho junto ao Cinderella, Mazer era um dos nomes de maior prestígio no mercado norte-americano. Já O’Neill detinha fama internacional. Nos anos 1980, fora ele o responsável por todas as turnês de Madonna e Sting no Japão. Também trabalhou com Bon Jovi, Dio, Foreigner, Whitesnake e, mais notavelmente, o Savatage, atuando como produtor e coautor de álbuns como “Hall of the Mountain King” (1987) e “Gutter Ballet” (1989).

Efetivado no cargo, O’Neill contratou o Badlands para a Titanium Records, selo adjacente a Atlantic que iniciou com o A&R da gravadora, Jason Flom, e o editor da revista Hit Parader, Andy Secher.

Gravações intensas e a busca por um hit

Em outubro de 1988, o Badlands iniciou o trabalho no que seria seu álbum de estreia com O’Neill também como produtor. As gravações começaram no One on One em Los Angeles — o primeiro de cerca de dez estúdios usados durante o processo.

No tour book oficial de 1989, Jake versa acerca do som da banda:

“As pessoas certamente esperavam um som meio Ozzy, meio Black Sabbath, mas não é isso que vão encontrar. É muito americano; hard rock enraizado no blues, mas não aquele blues reto, padrão. Gostamos de colocar pequenos fatores-surpresa aqui e ali. De certa forma, é um som étnico, que tem gêneros tradicionais americanos como base, mas funkeado de uma maneira suja e áspera.”

As comparações com Ozzy foram ainda mais desenvolvidas por Lee na entrevista à Guitar World de julho de 1989. Ele disse:

“O Badlands é mais puro porque não precisei filtrar minhas ideias pelo Ozzy. Ozzy incentivava um estilo mais chamativo, ‘fritador’. O Badlands é definitivamente mais blueseiro.”

Chaisson acrescenta a Malcolm Dom que a ideia era soar o mais cru possível. O músico descreveu:

“Com um som de bateria de verdade e sem samples, mas Paul achava que deveríamos lançar algo mais polida — mais pop, por assim dizer (…) Fazíamos entre 20-25 tomadas de cada música, o que significava que o álbum não teria nem de perto a pegada ao vivo que queríamos.”

Mesmo com um tratamento “mais pop”, as primeiras músicas não foram bem-recebidas. O baixista continua:

“Quando tocamos ‘Dancing on the Edge’, ‘Hard Driver’, ‘Rumblin’ Train’ e ‘Devil’s Stomp’ para Jason Flom, ele disse que não ouvia nenhum hit em potencial. Então, Ray e Jake foram mandados para Nova York, para escrever músicas novas.”

No início de 1989, Greg e Eric se juntaram à dupla para finalizar o álbum. Na Big Apple, eles gravaram “High Wire”, “Winter’s Call”, “Streets Cry Freedom”, “Seasons” — uma música que Lee chegou a apresentar a Ozzy — e “Dreams in the Dark”, o hit em potencial pelo qual a gravadora ansiava.

Conquistas e reviravoltas

“Badlands” foi lançado em 11 de maio de 1989, atingindo a posição 57 da Billboard, vendendo quase meio milhão de cópias nos Estados Unidos. Lançada como single e videoclipe, “Dreams in the Dark” garantiu à banda uma valiosa exposição na MTV e nas rádios do país.

Mas a turnê iniciada em junho não começou pela América, e sim pelo Japão, onde O’Neill garantiu que a banda se apresentasse em arenas com capacidade para até 5 mil pessoas. O giro se estendeu até fevereiro de 1990, incluindo datas pelos EUA ao lado de nomes mais estabelecidos como Great White e Tesla.

Ainda naquele mês, Eric Singer seria demitido “por divergências empresariais”. Em entrevista ao 7Shadows em 2004, o baterista definiu: “Foi uma bênção. Todos os clipes [que fizemos] foram malfeitos e desperdiçamos muito dinheiro, eca!”. Por sua vez, Greg relata a Malcolm Dome:

“Eric sempre parecia ser a voz discordante no grupo. Ele não só discordava de nós quanto à nossa relação comercial com a gravadora e o empresário, mas também em questões triviais. Os atritos ficaram ainda piores quando estávamos na estrada promovendo o primeiro álbum.”

A situação chegou ao auge logo após a banda terminar a turnê. Ray, em particular, estava determinado a demitir Singer. Jake, por sua vez, também estava ansioso para trocar de baterista. Ambos estavam cansados das constantes discussões e brigas. Chaisson tentou dissuadi-los da ideia, mas, no final, foi voto vencido.

O processo de encontrar um substituto adequado levou o Badlands a uma série de audições. Trinta candidatos, incluindo Greg D’Angelo do White Lion e Erik Ferro do T.T. Quick, passaram pelo árduo processo. No final, a escolha se resumiu a Jeff Martin, conhecido por seu trabalho como cantor no Racer X, e Pat Dixon, do Icon. Greg relembra como Jeff conseguiu a vaga:

“O que provavelmente lhe garantiu o emprego foi que ele compareceu a uma segunda audição e nos preparou uma sobremesa! Sério, ele apelou para nosso gosto por doces e disse que faria isso todos os dias se o escolhêssemos!”

Com Martin a bordo, o Badlands gravaria “Voodoo Highway” (1991) e as demos de um terceiro álbum, “Dusk”, que veria a luz do dia somente em 1998.

Badlands – “Badlands”

  • Lançado em 11 de maio de 1989 pela Titanium Records
  • Produzido por Paul O’Neill e Badlands

Faixas:

  1. High Wire
  2. Dreams in the Dark
  3. Jade’s Song
  4. Winter’s Call
  5. Dancing on the Edge
  6. Streets Cry Freedom
  7. Hard Driver
  8. Rumblin’ Train
  9. Devil’s Stomp
  10. Seasons
  11. Ball & Chain (faixa bônus em algumas edições)

Músicos:

  • Ray Gillen (vocais, gaita)
  • Jake E. Lee (guitarra, teclados)
  • Greg Chaisson (baixo)
  • Eric Singer (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. putz que artigo bacana de uma das mais subestimadas e quase esquecidas bandas da histório do rock, vivi a época de perto e confirmo todas as ótimas informações aqui descritas, parabéns

  2. Deixo meus parabéns ao meu nobre amigo virtual, o jornalista Marcelo Vieira, que se ateve à imparcialidade jornalística para tecer seu texto.
    Digo isso , pois delimitou sua matéria a demonstrar a estória da construção de uma mega banda no papel que poderia ser um pilar do hard rock americano no fim dos anos 80. Seria mais simples e sensacionalista descrever as polêmicas e aventuras dos membros da banda.
    Enfim, se o foco é a música, nada mais interessante saber detalhes extras e informações juntadas de como nasceram excelentes calções, que invadiram inclusive as rádios FM, ou seja, quando o underground invade a praia do mainstream.

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