Desde o início de maio, “Enfrente” (clique aqui para ouvir), o novo álbum da banda paulista CPM 22, está disponível nas plataformas de streaming. Trata-se do primeiro disco de músicas inéditas em sete anos, mas o longo intervalo não representa o único motivo que alimenta a expectativa por parte dos fãs.
É a estreia em álbum de carreira da nova formação. Juntam-se a Fernando Badauí (voz), Luciano Garcia (guitarra) e Phil Fargnoli (guitarra) o baixista Ali Zaher Jr. e o baterista Daniel Siqueira. Os dois últimos substituem, respectivamente, Fernando Sanches e Ricardo Japinha, que deixaram a banda por motivos diferentes em 2020.
Badauí, em conversa com este site, admite que o lançamento é um alívio:
“A gente trabalhou bastante nele, durante bastante tempo. Agora vamos atrás da mídia física, vinil e CD. O melhor de tudo é ver o resultado, a galera está curtindo para car#lho.”
Disponibilizado pela Ditto Music, o oitavo álbum de estúdio do grupo formado em 1995 estende uma bandeira branca. Busca oferece um chamado para a superação de conflitos e celebração da paz. Quase todas as músicas giram em torno dessa ideia, desde o primeiro single “Mágoas Passadas”.
Mas a ideia não era que fosse um trabalho conceitual. Badauí comenta:
“Não. Era o que a gente estava passando e sentindo. É um disco positivo, mas que põe o dedo na ferida sem ser xucro ou botar o dedo na cara, como em ‘Verdade Absoluta’. É para refletir sobre: por que a gente não consegue conviver? Simples assim. Ele visa algo melhor para nós como sociedade, não simplesmente o embate.”
Homogêneo e sem sobras
“Enfrente” reúne 14 faixas, em uma tracklist relativamente extensa para os padrões atuais, embora não fuja muito à regra do cenário punk / hardcore de onde a banda vem, sem nunca se afastar completamente. Apesar de ter levado um tempo considerável para ficar pronto, não há muitas sobras de estúdio segundo Badauí.
“A gente tem um aproveitamento bom quando começa a compor. Com letra, ficaram umas duas ou três só. Quando o disco vai tomando forma, com 14 ou 15 músicas, a gente sabe a direção que vai tomar o repertório e foca nelas.”
É curioso o disco soar homogêneo, dadas as diferentes fontes e formas de composição. Luciano criou algumas canções sozinho; em outras, musicou um texto do Badauí, que também complementou melodias que partiram do Phil. São vários núcleos produzindo músicas heterogêneas que se completam.
“Se você ver, a base da faixa-título ‘Enfrente’ é completamente diferente de ‘Alívio Imediato’. O Phil gosta de uma coisa mais técnica. Em ‘Feriado Punk’, o Luciano musicou um texto meu e ficou um hardcore mais cru, mais Sick of It All. Mas é legal que elas se falam.”
Teclados
O uso do teclado e de sintetizador ao longo de “Enfrente” contribuiu para enriquecer a variedade sonora. O uso do instrumento no punk rock não é novidade, e Badauí cita a lista de influências com quem dialogam neste quesito.
“A ideia é dar um clima, uma emoção a mais nas músicas. O Rancid usa isso para caramba, o Social Distortion usa Hammond, que a gente usou na ‘Nunca Se Sabe’, na própria ‘Urbano’, que tem muita influência de Dropkick Murphys. A ‘Mágoas Passadas’ tem uma coisa mais espacial, deu um clima mas sem sair da identidade do nosso som.”
Não houve audição para quem cuidaria dos teclados. Pelotas (Cachorro Grande), que já havia trabalhado com a banda em alguns dos singles lançados durante a pandemia, foi o responsável.
A Terra parou, mas o CPM 22 não
Por falar em pandemia, “O Ano em que a Terra Parou” é uma faixa que trata mais diretamente do período, um tema incontornável para o CPM 22. Além do óbvio peso que teve na vida de todas a pessoas que sofreram aquele período, da mudança de formação ocorrida, houve um fato inusitado: eles se apresentaram no Allianz Parque, em São Paulo, num sistema drive-in; ou seja, o público entrava de carro e dentro dele permanecia.
Aquela foi a estreia em palco da atual formação. Badauí tem sentimentos divididos sobre esse dia.
“Foi surreal. Não sei se quero esquecer ou se quero ter como lembrança de algo inusitado da minha vida. Lembro de ter dito que parecia que estávamos tocando em uma ponte da marginal. Mas a gente precisava e queria fazer um show, era uma forma de fazer um dinheirinho, e tinha a vontade de estar no palco também, mas foi estranho.”
A estreia em disco de Daniel na bateria e Ali no baixo foi mais tranquila. Badauí diz que o processo que resultou em “Enfrente” não teve grande diferença em relação aos discos anteriores. Ali mixou e masterizou o disco, enquanto Daniel, já um renomado instrumentista como integrante da banda santista Garage Fuzz, ajudou a manter a relevância que a figura do baterista sempre teve na história do CPM 22.
O vocalista reflete sobre o aspecto estratégico na escolha do substituto de Japinha.
“Foi uma tacada que a gente não poderia errar. Fiquei feliz por ele ter aceitado o convite, sempre fui fã. Ele é diferente, muito técnico. É um cara renomado e tem o respeito da galera e, dado o problema que a gente teve naquela época, foi um acerto em cheio.”
Já diretamente sobre a produção do disco, não teve tanta diferença, segundo o cantor:
“O Luciano [que produziu com o Ali o ‘Enfrente’] já havia produzido o ‘Suor e Sacríficio’ [disco anterior]. Eles gravaram em Araraquara e eu prefiro focar mais na parte de voz, fazer um pente fino nas letras. Todo mundo vem do mesmo contexto, já sabe a sonoridade que quer, a concepção de sonoridade que já faz parte da identidade desse tipo de som.”
Nos palcos
O material de “Enfrente” já começou a ser testado ao vivo. Seis faixas já haviam sido executadas em shows no momento da entrevista, mas outras aparentam ter potencial para ser apresentadas nos palcos.
Isso pode ser um problema para uma banda com tantos hits difíceis de ser postos de lado. Sobre isso, Badauí comenta:
“Esse é um disco para ser tocado ao vivo, vamos inserindo aos poucos. Acredito que vamos tocar umas dez dele, variando entre elas.”
Por falar em show, mas voltando ao álbum anterior, “Suor e Sacrifício”, traz uma das músicas mais significativas da carreira do CPM 22: “Honrar Teu Nome”. Parceria de Badauí com Phil, ela relata de forma explícita a perda do pai do vocalista. A melodia é igualmente forte e bastante bonita. Sobre como foi apresentar uma música tão relevante, mas tão sensível nos últimos sete anos, o vocalista fala:
“A gente voltou a tocá-la recentemente, depois de dar uma pausa por tocar bastante. Eu tenho que pensar em alguma outra coisa, olhar para uma lâmpada, se vier a imagem do meu pai, aí não dá, você desaba. Mas o sentimento faz parte também, tem que deixar rolar, não tem problema nenhum se emocionar, só atrapalha a execução porque a garganta que dá uma fechada.”
Não havia como falar de turnê sem falar da atual situação do Rio Grande do Sul. Diversas cidades foram severamente prejudicadas em função do excesso de chuvas combinado com a inação governamental. O artista fala sobre o impacto que isso teve nos planos da banda:
“A gente tinha um show em Porto Alegre já sold-out, em junho, no Bar Opinião. Mesmo que desse, a gente não faria, não tem nem clima para isso. Vamos deixar para o segundo semestre, deixar os gaúchos conseguirem sair dessa situação. O entretenimento vai ser fundamental na hora certa. Agora é o momento de união para reconstruir as cidades, depois reconstruir os sentimentos.”
Revival do punk, hardcore e emo
O cenário punk, hardcore e emocore tem experimentando um revival evidenciado principalmente no quesito ao vivo. Isso pôde ser visto a partir de exemplos diversos no Brasil: seja pela passagem do Blink-182 pelo Lollapalooza, a anunciada turnê de reunião do Forfun ou o significativo aumento de popularidade experimentado pelo NX Zero, que encheu grandes locais por todo o país com sua turnê de reunião — incluindo duas noites no Allianz Parque — e será uma das atrações principais da próxima edição do Rock in Rio. Para Badauí, exemplos do tipo mostram a força do estilo, que não deixou de ser popular.
“A nossa fatia de mercado é muito grande, dá para se manter tocando. Esses shows em estádio com encerramento de carreira ou retorno de integrante têm apelo maior, diferente de uma banda que toca todo ano em São Paulo. Talvez nos nossos 30 anos de carreira a gente faça algo maior, mas nossos shows estão lotados, os contratantes estão felizes, tem bastante consumo de merchandising, então tá rolando.”
Um reflexo disso está em um projeto recente do artista: além do CPM 22 e da rede de restaurantes Cão Véio, ele também é um dos donos do selo Repetente Records. Fundada em abril de 2022 ao lado de Phil Fargnoli, Ali Zaher Jr e Rick Lion, a iniciativa conta com distribuição da Ditto Music e lançamentos focados no rock, punk rock e street punk.
O cantor diz em que ponto está a vida no outro lado do balcão:
“Ainda estamos nos adaptando. A ideia é gravar as bandas, que bancam nossa produção ou que a gente acredita. A gente pretende ter um festival do selo [cuja primeira edição, em 2023, teve cobertura do site], ter nosso Q.G., o estúdio para as bandas que a gente lança se apresentarem e fomentar a cena. É uma coisa que gosto bastante, mas que vamos deixar andar de forma mais lenta por enquanto.”
*Clique aqui para ouvir “Enfrente”, novo álbum do CPM 22, em sua plataforma de streaming preferida.
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