O produtor que enfiou vozes de crianças em músicas do Pink Floyd, Alice Cooper e Kiss

Bob Ezrin gostava de usar corais infantis especialmente em canções que reclamavam sobre escolas — mas não só nelas

O canadense Bob Ezrin é um dos maiores produtores da história do rock. Além do talento na função, seu trabalho é marcado por certo ecletismo.

Nos anos 1970, ele assinou trabalhos de artistas como Kiss, Alice Cooper e Pink Floyd. E há algo em comum entre as obras do trio mencionado: em todas elas, o produtor acabou usando vozes infantis em alguma música.

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Os resultados foram bem diferentes. Conheça!

Alice Cooper – “School’s Out” (1972)

O primeiro a contar com uma forcinha do “jardim de infância” foi Alice Cooper, em 1972. A parceria com Bob Ezrin começou no ano anterior, quando foram lançados dois álbuns produzidos por ele – “Love It to Death” e “Killer” –, mas chegou ao ápice com School’s Out, disco muito lembrado pela faixa-título. É justamente nesta canção onde estão as vozes infantis.

No início dos anos 70, a reputação de Alice era bem diferente da atual. Se hoje ele é visto como um dos caras mais tranquilos e bacanas do showbusiness, naquela época o nome “Alice Cooper” — que ainda se referia à toda a banda — era sinônimo de baderna e imoralidade.

Isso quase representou uma pedra no caminho para o plano de Ezrin, conforme o próprio explicou no livro “Bang Your Head: The Rise and Fall of Heavy Metal” (via Rhino Records):

“Tive que explicar para os pais que era ok que esse grupo de crianças cantasse com esse grupo de indivíduos completamente subversivos. E as crianças estavam morrendo de medo, mas eu as fiz relaxar e no final, as crianças estavam todas rindo e se divertindo. Eles amaram Alice.”

Kiss – “God of Thunder” e “Great Expectations” (1976)

Para a gravação com Alice Cooper, Bob Ezrin precisou contar com uma agência de talentos infantil, o que não foi o caso com o Kiss. O produtor assumiu o posto do álbum Destroyer (1976), responsável por provar que os mascarados não eram só um fenômeno passageiro.

Deu certo. Além das passagens musicais mais complexas e até orquestrações, o disco teve uma pequena ajuda de Josh e David, filhos de Bob.

A dupla aparece em “God of Thunder”, composição de Paul Stanley que, originalmente, era cantada pelo próprio e trazia um andamento mais rápido. Ezrin alterou completamente a canção ao propor uma redução do ritmo e vocais de Gene Simmons, além da participação dos então garotos, como contou para a Classic Rock:

“No meio dessas sessões, meus filhos visitaram o estúdio. David tinha nove anos e Josh quatro. Eu tinha comprado para eles um walkie-talkie futurista em uma viagem a Paris, que tinha um capacete espacial para uma criança e um telefone para a outra. Eles estavam usando essas coisas quando vieram para passar a tarde no estúdio. Eu tive a ideia de que iríamos microfonar o capacete e fazer com que as crianças fizessem barulhos monstruosos no aparelho, e então faríamos esses barulhos para torná-los mais baixos e com um som mais ameaçador (…). Eles começaram a fazer sons de monstros e gemer como pequenos banshees, e o efeito era tão estranho que decidimos mantê-lo do jeito que estava sem diminuir o tom.”

O resultado são as vozes infantis em alguns momentos da faixa que, estranhamente, ajudam a criar o clima soturno. Como curiosidade, alguns músicos de metal extremo, como Dani Filth (Cradle of Filth) consideram “God of Thunder” como o primeiro exemplar do gênero – mesmo com a participação de duas crianças.

“Destroyer” ainda teria outra faixa contando com vozes infantis. “Great Expectations” soa como um musical da Disney, ainda mais com o Coral de Meninos do Brooklyn no refrão. Todavia, a letra cheia de duplo sentido certamente não agradaria Mickey Mouse e seus amigos.

Pink Floyd – “Another Brick in the Wall (Pt. 2)” (1979)

Em 1979, enquanto trabalhava com o Pink Floyd em The Wall, Bob Ezrin não deixou de lado seu gosto pelas vozes infantis. Foi ideia dele o coral em “Another Brick in the Wall (Pt. 2)”, que se tornou single e maior hit dos ingleses.

Curiosamente, não era a primeira vez que o produtor usava crianças cantando em uma música de rebelião contra a escola — vide “School’s Out”. Nessa ocasião, porém, as coisas foram um pouco mais complicadas.

Foi determinado que o Pink Floyd convidaria alunos da Islington Green School, que ficava próxima do estúdio em que o álbum estava sendo gravado. Eles entraram em contato com Alun Renshaw, chefe de música da instituição, que ficou entusiasmado com a perspectiva.

Encaminhando a situação para a diretora Margaret Maden, ele fez questão de não mostrar a letra. Logo começou a trabalhar em ensaios de semanas com um grupo de 23 crianças, todas com idades entre 13 e 14 anos.

As gravações foram conduzidas pelo engenheiro de som Nick Griffiths na própria escola das crianças, em uma sessão que durou aproximadamente 40 minutos. Enquanto os integrantes da banda estavam fora, Ezrin editou os takes em uma versão estendida.

A música e sua letra no refrão dizendo “Não precisamos de educação / Não precisamos de controle de pensamento / Nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula / Professores, deixam as crianças em paz” se tornou um clássico instantâneo. Porém, uma vez confrontada, Maden proibiu as crianças que cantavam de aparecer no videoclipe. Foi relatado que a escola recebeu um pagamento de £ 1.000 em compensação por seus vocais, bem como um disco de platina, mas os royalties nunca foram discutidos.

A princípio, tudo parecia ter corrido muito bem, com as crianças felizes em ter feito parte do momento histórico. Mas a gente envelhece e passa a conhecer o poder do “famoso processinho”. Em 2004, os já adultos que supostamente participaram do registro apresentaram um pedido conjunto de royalties musicais não pagos.

Em artigo da MTV, resgate do Far Out Magazine, Renshaw lembrou:

“Não pensávamos nisso em termos de dinheiro, mas sim de experiência.”

Mas uma parte astuta que pensou no dinheiro foi um agente de royalties chamado Peter Rowan, que em 2004 apresentou uma reclamação de £ 6.000 em nome dos estudantes. No entanto, rastrear os alunos se mostrou bastante complicado, já que eles foram proibidos de aparecer no vídeo ou qualquer atividade promocional posterior.

Ainda assim, Rowan encontrou um dos cantores participantes, Peter Thorpe, no site Friends Reunited. Outros que ele conseguiu rastrear não estavam nem um pouco interessados na reivindicação. Thorpe, no entanto, estava.

“Fomos levados para os estúdios e foi muito divertido. Não sabia que tínhamos diretos aos royalties e estou muito feliz por poder reivindicá-los.”

No final, apenas 5 das 23 crianças solicitaram um pagamento da Performing Artists’ Media Rights Association. Foi gerada uma soma de £ 300 para cada, de acordo com artigo de 2019 do The Herald Courier. A expectativa inicial era de £ 80 a mais.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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